Luz e
Sombra
Por Alessandra
Leles Rocha
Luz e sombra. Isso é qualquer ser
humano. É no desequilíbrio entre as partes que se faz a diferença e se
estabelecem os desafios da convivência. E é sobre isso que se devem tecer as
análises e reflexões sobre os descaminhos da humanidade, ou seja, sobre o desequilíbrio.
Violência, intolerância, ódio,
... é sempre o resultado de que algo foge do equilíbrio. Bem, basta olhar para
a contemporaneidade para entender como a desproporção da nossa essência chegou
a esse ponto.
Em nenhum momento da história da
humanidade se viu tomar medidas que buscassem efetivamente reestabelecer uma
certa simetria entre a luz e a sombra que nos constitui. Muito pelo contrário,
deixaram que a assimetria prevalecesse, porque ela geralmente tende para a
sombra, onde se encontram as crenças, os valores e os princípios mais tóxicos,
perversos e primitivos da raça humana.
O que em suma sustenta os poderes
e favorece às desigualdades. A junção das sombras, então, impossibilita
alcançar uma sociedade mais justa, harmônica, altruísta, ... equilibrada. Garantindo,
portanto, que seus poderes e controles não sejam afetados ou abalados por nada
e nem ninguém.
Agora, que a raça humana já se
encontra no Terceiro Milênio, no auge da mecanização e da tecnologização, que a
realidade já demonstra claramente a possibilidade do exercício supremo das
máquinas sobre os seres humanos, o desequilíbrio entre luz e sombra parece se
acirrar com mais veemência.
Mesmo que muitos não tenham uma consciência
formada a respeito, a força subjetiva das conjunturas os faz sentir o poder das
tensões e a responder de alguma forma a elas. Daí tanta violência. Tanta intolerância.
Tanto ódio. Tanta agressividade.
A grande questão é que nenhuma
dessas manifestações da barbárie e do primitivismo humano se restringem a meros
episódios. Todas se reverberam indefinidamente. O cotidiano contemporâneo está
repleto de exemplos diários, nesse sentido.
Veja, então, a matéria publicada pela
mídia: “Poder de compra do brasileiro foi corroído quase que pela metade em
10 anos” 1. Pode não parecer, para uns e
outros, por aí; mas, essa notícia espelha uma violência contra a dignidade
humana.
Acontece que não se trata somente
de perder o poder de compra. É perder a paz, a saúde física e mental, a
harmonia familiar, os sonhos, os planos, enfim... Como se a violência fosse se
decompondo em outras, dia após dia, sem perder o potencial degradante e letal.
Mas, esse é só um caso. Se olharmos
atentamente sobre a fúria contemporânea do conservadorismo, a qual vem sendo disseminada
pelo mundo, principalmente, pelos apoiadores e simpatizantes da ultradireita,
vamos perceber o grau de tensão que está se criando ao nosso redor.
Qualquer situação é usada como
pretexto de punição e culpabilização, para que certos grupos permaneçam
exercendo seu controle e poder social. Racismo. Xenofobia. Aporofobia.
Misoginia. Sexismo. Homo e transfobia. Etarismo. Preconceito religioso.
Gordofobia. Bullying.
Haja vista que, todos os dias, no
Brasil e no mundo, pessoas LGBTQIA+ são agredidas e mortas por serem quem são. Jornalistas
são descredibilizados e/ou ameaçados por discordâncias ideológicas. Cidadãos
são perseguidos e agredidos por conta da fé que professam. Povos originários tornam-se
alvos da barbárie por habitarem a sua própria terra. Mulheres são vítimas de feminicídio
por serem quem são. ...
Não é à toa que muitos dizem que
o mundo perdeu a cor, o brilho, a luz. Afinal de contas, as pessoas são
submetidas a um processo punitivista, sobre o qual elas não têm o menor
controle. A todo instante, há alguém sendo responsabilizado pelos infortúnios que
batem à sua porta, como se isso tivesse alguma razão de ser.
No entanto, esse fenômeno de
punir, de culpabilizar, tem um potencial gerativo das tensões, muito mais
beligerante do que se possa pensar. Porque em algum momento as tensões
individuais se cruzam e se transformam em uma hipertensão coletiva. Ora, somos em torno de 8 bilhões de seres humanos
no planeta, cada um com a sua história para contar, cada um com seus próprios desafios
para lidar.
De repente, em uma dessas
reverberações de violência, ou de intolerância, ou de ódio, que alguém está
experenciando, ele se depara com outro, em estado de tensão semelhante, desencadeando
uma terceira situação muito mais conflitante e desafiadora.
Veja bem, viver sob constante
punição ou culpabilização, é algo inominável, extremamente cruel, que afeta
diretamente o estado de equilíbrio humano. A pessoa já está fragilizada,
vulnerabilizada, sofrida, por algo demasiadamente forte e impactante e é
colocada, inúmeras outras vezes, na condição de responsável, como se vivêssemos
sob o tribunal da inquisição contemporânea. Faça-me o favor!
Urge a necessidade de reafirmar a
luz que nos habita. De reequilibrar a nossa dualidade existencial. Porque nossa
espécie está em franco risco de extinção! Já dizia Dante Alighieri que, “No
inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a
neutralidade em tempo de crise”. Daí a necessidade de buscar luz, de sermos
luz, a fim de evitar que os obscurantismos oportunistas, que espreitam a
contemporaneidade, venham se aglutinar às sombras, ávidas por energias que as
fortaleçam.