terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Luz e Sombra


Luz e Sombra

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Luz e sombra. Isso é qualquer ser humano. É no desequilíbrio entre as partes que se faz a diferença e se estabelecem os desafios da convivência. E é sobre isso que se devem tecer as análises e reflexões sobre os descaminhos da humanidade, ou seja, sobre o desequilíbrio.

Violência, intolerância, ódio, ... é sempre o resultado de que algo foge do equilíbrio. Bem, basta olhar para a contemporaneidade para entender como a desproporção da nossa essência chegou a esse ponto.

Em nenhum momento da história da humanidade se viu tomar medidas que buscassem efetivamente reestabelecer uma certa simetria entre a luz e a sombra que nos constitui. Muito pelo contrário, deixaram que a assimetria prevalecesse, porque ela geralmente tende para a sombra, onde se encontram as crenças, os valores e os princípios mais tóxicos, perversos e primitivos da raça humana.

O que em suma sustenta os poderes e favorece às desigualdades. A junção das sombras, então, impossibilita alcançar uma sociedade mais justa, harmônica, altruísta, ... equilibrada. Garantindo, portanto, que seus poderes e controles não sejam afetados ou abalados por nada e nem ninguém.

Agora, que a raça humana já se encontra no Terceiro Milênio, no auge da mecanização e da tecnologização, que a realidade já demonstra claramente a possibilidade do exercício supremo das máquinas sobre os seres humanos, o desequilíbrio entre luz e sombra parece se acirrar com mais veemência.

Mesmo que muitos não tenham uma consciência formada a respeito, a força subjetiva das conjunturas os faz sentir o poder das tensões e a responder de alguma forma a elas. Daí tanta violência. Tanta intolerância. Tanto ódio. Tanta agressividade.

A grande questão é que nenhuma dessas manifestações da barbárie e do primitivismo humano se restringem a meros episódios. Todas se reverberam indefinidamente. O cotidiano contemporâneo está repleto de exemplos diários, nesse sentido.

Veja, então, a matéria publicada pela mídia: “Poder de compra do brasileiro foi corroído quase que pela metade em 10 anos” 1. Pode não parecer, para uns e outros, por aí; mas, essa notícia espelha uma violência contra a dignidade humana.

Acontece que não se trata somente de perder o poder de compra. É perder a paz, a saúde física e mental, a harmonia familiar, os sonhos, os planos, enfim... Como se a violência fosse se decompondo em outras, dia após dia, sem perder o potencial degradante e letal.

Mas, esse é só um caso. Se olharmos atentamente sobre a fúria contemporânea do conservadorismo, a qual vem sendo disseminada pelo mundo, principalmente, pelos apoiadores e simpatizantes da ultradireita, vamos perceber o grau de tensão que está se criando ao nosso redor.

Qualquer situação é usada como pretexto de punição e culpabilização, para que certos grupos permaneçam exercendo seu controle e poder social. Racismo. Xenofobia. Aporofobia. Misoginia. Sexismo. Homo e transfobia. Etarismo. Preconceito religioso. Gordofobia. Bullying.

Haja vista que, todos os dias, no Brasil e no mundo, pessoas LGBTQIA+ são agredidas e mortas por serem quem são. Jornalistas são descredibilizados e/ou ameaçados por discordâncias ideológicas. Cidadãos são perseguidos e agredidos por conta da fé que professam. Povos originários tornam-se alvos da barbárie por habitarem a sua própria terra. Mulheres são vítimas de feminicídio por serem quem são. ...

Não é à toa que muitos dizem que o mundo perdeu a cor, o brilho, a luz. Afinal de contas, as pessoas são submetidas a um processo punitivista, sobre o qual elas não têm o menor controle. A todo instante, há alguém sendo responsabilizado pelos infortúnios que batem à sua porta, como se isso tivesse alguma razão de ser.  

No entanto, esse fenômeno de punir, de culpabilizar, tem um potencial gerativo das tensões, muito mais beligerante do que se possa pensar. Porque em algum momento as tensões individuais se cruzam e se transformam em uma hipertensão coletiva.  Ora, somos em torno de 8 bilhões de seres humanos no planeta, cada um com a sua história para contar, cada um com seus próprios desafios para lidar.

De repente, em uma dessas reverberações de violência, ou de intolerância, ou de ódio, que alguém está experenciando, ele se depara com outro, em estado de tensão semelhante, desencadeando uma terceira situação muito mais conflitante e desafiadora.

Veja bem, viver sob constante punição ou culpabilização, é algo inominável, extremamente cruel, que afeta diretamente o estado de equilíbrio humano. A pessoa já está fragilizada, vulnerabilizada, sofrida, por algo demasiadamente forte e impactante e é colocada, inúmeras outras vezes, na condição de responsável, como se vivêssemos sob o tribunal da inquisição contemporânea. Faça-me o favor!

Urge a necessidade de reafirmar a luz que nos habita. De reequilibrar a nossa dualidade existencial. Porque nossa espécie está em franco risco de extinção! Já dizia Dante Alighieri que, “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. Daí a necessidade de buscar luz, de sermos luz, a fim de evitar que os obscurantismos oportunistas, que espreitam a contemporaneidade, venham se aglutinar às sombras, ávidas por energias que as fortaleçam.