Entre raios
e trovões
Por Alessandra
Leles Rocha
Acima das paixões, dos egos ou
das vaidades humanas, as tensões entre o Senado da República e o Supremo
Tribunal Federal (STF) têm muito mais a dizer do que muitos podem pensar. Tudo o
que acontece de repente, esconde algo nas suas entranhas que veio se
desenrolando e ameaça explodir em um desfecho, nem sempre muito favorável.
Papéis amarelando e atraindo
traças e mofos, dentro das gavetas do Congresso Nacional, existem aos milhares.
Desde assuntos importantíssimos e urgentes até matérias frívolas. Mas, que por
razões da politicagem fisiológica brasileira, permanecem imóveis onde estão. Então,
quando algo dessa natureza segue o curso de um rompante é sinal de que certo
desconforto se desenha no horizonte.
Não sei se o (a) leitor (a)
coaduna com a minha impressão; mas, o ápice dos atos antidemocráticos de 08 de
janeiro, deste ano, não tendem a interromper o seu fluxo de reverberação, tão
cedo. Haja vista a quantidade de fios desencapados, do ponto de vista dos
poderes institucionais, que continuam dissipando atritos, aqui, ali e acolá.
Afinal, muitas figuras do cenário
político-partidário nacional, ligadas direta ou indiretamente ao espectro
ultradireitista, tiveram reações bastante desalinhadas a qualquer manifestação
de indignação, de repúdio, em relação ao que se viu acontecer nas sedes dos
Poderes, em Brasília. Aliás, de pronto, muitos deles partiram em defesa dos
criminosos que vandalizaram e achincalharam o patrimônio público, como se
estivessem no direito de fazer o que fizeram.
Mas, como é de conhecimento
público, o 08 de janeiro foi apenas o gran finale de um processo de
deterioração da cidadania e da identidade nacional, promovido e fomentado pela
ultradireita brasileira, a fim de consolidar uma ruptura democrática no país.
De modo que muitas dessas figuras
do cenário político-partidário nacional, alguns, inclusive, membros do atual Congresso
Nacional, além de simpatizantes da ultradireita, também, estiveram apoiando as
ações disruptivas propostas, antes mesmo do 08 de janeiro, sem que fossem
impedidas, de alguma maneira, de fazê-lo.
Assim, estiveram nos palanques, nas
mídias sociais, nos veículos de comunicação e de informação, totalmente
dispostos a propagar suas Fake News, a distorcer e a manipular ideológico-partidariamente
os acontecimentos do país, no sentido de inflamar seus eleitores. Plenamente cientes
de que o resultado final dessa tensão caminhava em direção a uma expressão
beligerante mais acentuada, como, de fato, acabou acontecendo.
No entanto, o que essas figuras do
cenário político-partidário nacional não contavam era com a derrota da
ultradireita nas eleições. Foram, então, surpreendidos pela intranquilidade em continuar
operando suas ações, sob a iminência de risco de sanções. Afinal, haviam perdido
a sua legitimidade para seguir em frente.
Sem contar que, os atos
antidemocráticos em si; sobretudo, o episódio de 08 de janeiro, acabou sendo um
erro crasso, apoiado por essas pessoas. Atacar a Suprema Corte do país, de
maneira bárbara e vil, tomou os seus representantes, os ministros, de imensa indignação
e repúdio, movendo-os na direção de fortalecer, ainda mais, a instituição que
representam, contra quaisquer iniciativas de intimidação.
Nesse sentido, rapidamente deram vazão
à reconstrução material do que foi danificado, a fim de colocar o STF pronto
para continuar acolhendo à sociedade, exercendo seu papel julgador. Sim, porque
ele sabe muito bem qual é o seu papel constitucional! O STF só atua, quando
provocado a analisar um caso que chega às suas mãos, a fim de determinar se o
mesmo está em concordância ou não com os parâmetros legais do país 1.
E se parece o contrário, é porque
dentro de uma frequência maior do que a esperada, lhe pesa o fato de que haja
lacunas deixadas voluntariamente, ou não, pelos demais Poderes da República. Aí,
uma vez provocado, ele não pode se omitir das suas atribuições constitucionais
sob pena de prevaricação.
Pois é, esse é o ponto nevrálgico
da questão. Como se encontram sobre as mesas dos eminentes Ministros da Corte
processos que tratam diretamente do desenrolar dos atos antidemocráticos, ao
longo de todo o seu curso de desenvolvimento, existe sim, o risco de que essas figuras
do cenário político-partidário nacional, ligadas direta ou indiretamente ao
espectro ultradireitista, possam vir a sofrer sanções por suas participações
nos mesmos.
Não é à toa, que a ultradireita
brasileira se colocou sempre em oposição ao Poder Judiciário. Ela não aceita
submeter-se às leis constituídas do país, por considerar que estas não
satisfazem aos seus interesses. Daí o seu desejo de criar o seu próprio arcabouço
legal, de legislar em causa própria, sem obstaculizações de quem quer que seja.
Vejam, por exemplo, que “das 122 PECs (propostas de emenda à Constituição)
aprovadas até hoje, as 5 promulgadas mais rápido foram sob o governo anterior”
2.
Assim, entendo que o conflito
estabelecido entre o Senado da República e o STF, não é necessariamente egóico.
Muito do que traz a proposta da PEC aprovada no Senado 3,
a própria Suprema Corte já havia recentemente determinado em seus protocolos
internos, provando a ausência de necessidade de intervenções externas urgentes.
Na verdade, o que acontece é que uma
fatia expressiva do atual Congresso Nacional (Câmara e Senado Federal),
composta especialmente por figuras simpatizantes ou apoiadoras do espectro
ultradireitista, enxerga o STF como um obstáculo aos seus interesses, uma
ameaça à sua sobrevivência política. A ideia de limitar os papéis do STF surge,
então, como um caminho para eventualmente protegê-los de sanções jurídicas.
Diante disso, o próprio Congresso
Nacional se expõe ao constrangimento de se debruçar sobre um assunto
desnecessário, enquanto pilhas e pilhas de assuntos de extrema relevância e urgência
ficam à margem de quaisquer apreciações. Mais uma vez, os interesses do país,
da população, são relegados a último plano, ao mesmo tempo em que a
ultradireita fomenta motivos para se firmar no cenário midiático nacional.
1 https://emprosaeverso-alr.blogspot.com/2023/09/sob-tensao.html
/ https://alrocha-antenacultural.blogspot.com/2023/09/sob-tensao.html
https://emprosaeverso-alr.blogspot.com/2023/10/o-barbaro-efeito-das-tensoes.html
/ https://alrocha-antenacultural.blogspot.com/2023/10/o-barbaro-efeito-das-tensoes.html