sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Entre raios e trovões


Entre raios e trovões

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Acima das paixões, dos egos ou das vaidades humanas, as tensões entre o Senado da República e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm muito mais a dizer do que muitos podem pensar. Tudo o que acontece de repente, esconde algo nas suas entranhas que veio se desenrolando e ameaça explodir em um desfecho, nem sempre muito favorável.

Papéis amarelando e atraindo traças e mofos, dentro das gavetas do Congresso Nacional, existem aos milhares. Desde assuntos importantíssimos e urgentes até matérias frívolas. Mas, que por razões da politicagem fisiológica brasileira, permanecem imóveis onde estão. Então, quando algo dessa natureza segue o curso de um rompante é sinal de que certo desconforto se desenha no horizonte.

Não sei se o (a) leitor (a) coaduna com a minha impressão; mas, o ápice dos atos antidemocráticos de 08 de janeiro, deste ano, não tendem a interromper o seu fluxo de reverberação, tão cedo. Haja vista a quantidade de fios desencapados, do ponto de vista dos poderes institucionais, que continuam dissipando atritos, aqui, ali e acolá.

Afinal, muitas figuras do cenário político-partidário nacional, ligadas direta ou indiretamente ao espectro ultradireitista, tiveram reações bastante desalinhadas a qualquer manifestação de indignação, de repúdio, em relação ao que se viu acontecer nas sedes dos Poderes, em Brasília. Aliás, de pronto, muitos deles partiram em defesa dos criminosos que vandalizaram e achincalharam o patrimônio público, como se estivessem no direito de fazer o que fizeram.

Mas, como é de conhecimento público, o 08 de janeiro foi apenas o gran finale de um processo de deterioração da cidadania e da identidade nacional, promovido e fomentado pela ultradireita brasileira, a fim de consolidar uma ruptura democrática no país.

De modo que muitas dessas figuras do cenário político-partidário nacional, alguns, inclusive, membros do atual Congresso Nacional, além de simpatizantes da ultradireita, também, estiveram apoiando as ações disruptivas propostas, antes mesmo do 08 de janeiro, sem que fossem impedidas, de alguma maneira, de fazê-lo.

Assim, estiveram nos palanques, nas mídias sociais, nos veículos de comunicação e de informação, totalmente dispostos a propagar suas Fake News, a distorcer e a manipular ideológico-partidariamente os acontecimentos do país, no sentido de inflamar seus eleitores. Plenamente cientes de que o resultado final dessa tensão caminhava em direção a uma expressão beligerante mais acentuada, como, de fato, acabou acontecendo.   

No entanto, o que essas figuras do cenário político-partidário nacional não contavam era com a derrota da ultradireita nas eleições. Foram, então, surpreendidos pela intranquilidade em continuar operando suas ações, sob a iminência de risco de sanções. Afinal, haviam perdido a sua legitimidade para seguir em frente.

Sem contar que, os atos antidemocráticos em si; sobretudo, o episódio de 08 de janeiro, acabou sendo um erro crasso, apoiado por essas pessoas. Atacar a Suprema Corte do país, de maneira bárbara e vil, tomou os seus representantes, os ministros, de imensa indignação e repúdio, movendo-os na direção de fortalecer, ainda mais, a instituição que representam, contra quaisquer iniciativas de intimidação.

Nesse sentido, rapidamente deram vazão à reconstrução material do que foi danificado, a fim de colocar o STF pronto para continuar acolhendo à sociedade, exercendo seu papel julgador. Sim, porque ele sabe muito bem qual é o seu papel constitucional! O STF só atua, quando provocado a analisar um caso que chega às suas mãos, a fim de determinar se o mesmo está em concordância ou não com os parâmetros legais do país 1.

E se parece o contrário, é porque dentro de uma frequência maior do que a esperada, lhe pesa o fato de que haja lacunas deixadas voluntariamente, ou não, pelos demais Poderes da República. Aí, uma vez provocado, ele não pode se omitir das suas atribuições constitucionais sob pena de prevaricação.

Pois é, esse é o ponto nevrálgico da questão. Como se encontram sobre as mesas dos eminentes Ministros da Corte processos que tratam diretamente do desenrolar dos atos antidemocráticos, ao longo de todo o seu curso de desenvolvimento, existe sim, o risco de que essas figuras do cenário político-partidário nacional, ligadas direta ou indiretamente ao espectro ultradireitista, possam vir a sofrer sanções por suas participações nos mesmos.

Não é à toa, que a ultradireita brasileira se colocou sempre em oposição ao Poder Judiciário. Ela não aceita submeter-se às leis constituídas do país, por considerar que estas não satisfazem aos seus interesses. Daí o seu desejo de criar o seu próprio arcabouço legal, de legislar em causa própria, sem obstaculizações de quem quer que seja. Vejam, por exemplo, que “das 122 PECs (propostas de emenda à Constituição) aprovadas até hoje, as 5 promulgadas mais rápido foram sob o governo anterior” 2.

Assim, entendo que o conflito estabelecido entre o Senado da República e o STF, não é necessariamente egóico. Muito do que traz a proposta da PEC aprovada no Senado 3, a própria Suprema Corte já havia recentemente determinado em seus protocolos internos, provando a ausência de necessidade de intervenções externas urgentes.

Na verdade, o que acontece é que uma fatia expressiva do atual Congresso Nacional (Câmara e Senado Federal), composta especialmente por figuras simpatizantes ou apoiadoras do espectro ultradireitista, enxerga o STF como um obstáculo aos seus interesses, uma ameaça à sua sobrevivência política. A ideia de limitar os papéis do STF surge, então, como um caminho para eventualmente protegê-los de sanções jurídicas.

Diante disso, o próprio Congresso Nacional se expõe ao constrangimento de se debruçar sobre um assunto desnecessário, enquanto pilhas e pilhas de assuntos de extrema relevância e urgência ficam à margem de quaisquer apreciações. Mais uma vez, os interesses do país, da população, são relegados a último plano, ao mesmo tempo em que a ultradireita fomenta motivos para se firmar no cenário midiático nacional.  


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