domingo, 2 de abril de 2023

À sombra do ilusionismo retórico nacional


À sombra do ilusionismo retórico nacional

 

Por Alessandra Leles Rocha    

 

Uma passada de olhos por alguns veículos de informação 1 e começo a acreditar que as expectativas deles não eram por um presidente e sim, um mágico. Não, não é piada. Acontece que diante do cenário brasileiro, em que o governo passou quatro anos fixamente preocupado em se reeleger, não é difícil lembrar como toda a estrutura governamental foi desmantelada em nome dessa ambição, incluindo a economia. 

Vamos lá, a experiência pregressa de dois outros mandatos não pode ser utilizada de maneira absoluta como critério comparativo. Primeiro, pela obviedade da relação espaço-tempo. São inúmeras variáveis distintas nesse contexto, tanto dentro quanto fora do país. Segundo, pelas próprias conjunturas do processo eleitoral e de transição de governo, que foram duramente inflexibizadas pela gestão que se findava. O que é sim, um fator limitante para dar tratos à bola de um novo projeto.

Depois, apontem números que contradigam aqueles, vexatórios da economia, no recorte entre 2019 e 2022. A gestão econômica do antigo governo foi totalmente pautada para atender aos interesses do mercado financeiro, tendo em vista as origens do próprio Ministro e o Presidente do Banco Central (BACEN); bem como, de seus corpos técnicos de assessores mais próximos. De modo que basta se debruçar por algumas horas sobre matérias publicadas por veículos de comunicação e informação, tradicionais ou independentes, para refrescar a memória desses tempos ariscos.

Por favor, se abstenham de tentar, pela milionésima vez, lançar sobre os ombros da Pandemia todos os fracassos e impossibilidades, porque ela não foi um evento exclusivo ao Brasil. O mundo sofreu, e ainda sofre, seus desdobramentos e consequências; mas, coube a cada país dentro da solidez da sua política econômica lidar e superar os desafios emergidos. De modo que deu a lógica, os mais bem preparados enfrentaram de uma forma muito melhor do que aqueles piores preparados, como foi o caso brasileiro.

Mas, centrando foco mais precisamente em 2022, o ano eleitoral, quando foi necessária toda uma articulação política entre o governo vitorioso na eleição e o legislativo federal para que fosse aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 2 para suprir não só demandas importantes de campanha, como o Bolsa Família, por exemplo; mas permitir recursos iniciais para a governança, tendo em vista que vários ministérios mal teriam dinheiro para pagar despesas operacionais, no início de 2023.

Aliás, já se esqueceram dos famigerados contingenciamentos de recursos para a Educação, Saúde e outros ministérios, ocorridos entre 2019 e 2022? Enquanto a gastança corria solta em setores privilegiados, sem quaisquer sinais de reprovação de A, B ou C. Portanto, não estou entendendo como podem alguns cidadãos se mostrarem desentendidos ou desinformados, quando a verdade dos fatos sempre esteve à disposição, diariamente, a qualquer um minimamente interessado. 

Em 03 de janeiro, eu já fazia uma previsão de que esse movimento surgiria no ar, quando escrevi o texto “Seja paciente! ” 3. A ideia era destacar que era preciso dar tempo ao tempo; pois, “Quem viveu o pós-guerra, ou quaisquer outras catástrofes, sabe bem como esse é um processo lento e gradual, quando são necessários muita paciência, muito planejamento, muito trabalho, para reconstruir, plantar e começar a colher”.

E como nunca me deixei levar por achismos, especulações, futurologia, ou simplesmente, maledicência oportunista, a ideia da reconstrução nacional se viu amplificada de uma maneira surreal, quando dos acontecimentos em 12 de dezembro e 8 de janeiro, na capital federal, cujo teor antidemocrático e anticidadão, expôs a necessidade de investir tempo, trabalho e recursos humanos e materiais do novo governo. Frente a inúmeras demandas importantes, reais, urgentes, e o país obrigado a decompor, ainda mais, seus esforços nessa linha de frente tão absurda.

Como cantava Raul Seixas, “Sonho que se sonha só / É só um sonho que sonha só / Mas sonho que sonha junto é realidade”. Portanto, de que lado estamos? Observado certos movimentos da elite brasileira, incluindo esse, de colocar em xeque a confiabilidade do atual governo, a ideia me parece reafirmar ruidosa e raivosamente que o Brasil do futuro deve ser de um futuro que nunca chega 4. Por isso, esticam a corda da impaciência, plantando desconfianças aqui e ali, subestimando decisões, imputando incompetência e incapacidade a torto e a direito, contrariando radicalmente seus comportamentos na gestão anterior, quando eram a expressão máxima da condescendência e da permissividade.

Cabe ao cidadão, então, lembrar-se de que, “Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso” (Bertolt Brecht - A vida de Galileu, 1938). Assim, não se preste ao papel de veículo multiplicador de nada que não esteja alinhado a verdade dos fatos, a tudo aquilo que, de um jeito ou de outro, afeta e atravessa a sua vivência cotidiana. Não se permita descansar à sombra do ilusionismo retórico de plantão. Pense e reflita. Exercite sua autonomia intelectual.