O
mundo e sua metamorfose ambulante
Por
Alessandra Leles Rocha
Escreveu Khalil Gibran a seguinte
reflexão, “Dizem que antes de um rio
entrar no mar, ele treme de medo. Olha para trás, para toda jornada que percorreu,
para os cumes, as montanhas, para o longo caminho sinuoso que trilhou através
de florestas e povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto, que entrar nele
nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não
pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. O rio
precisa se arriscar e entrar no oceano. Somente ao entrar no oceano o medo irá
desaparecer, porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer
no oceano, mas de tornar-se oceano” 1.
Nada mais oportuno para
contextualizar o movimento contemporâneo que contradiz à sua efemeridade pela fúria
de uma resistência à transformação. Basta um breve retrospecto do que foram
esses três últimos anos impactados pela Pandemia do Sars-Cov-2 e suas variantes
para perceber o quão nítido esse comportamento esteve presente. Era como se
todos quisessem a todo custo, a qualquer preço, retomar a dinâmica do cotidiano
do ponto em que vida ficou em suspenso. Fazendo com que todas as zonas de
conforto fossem restituídas, sem um mísero sinal de quebra ou de trinca.
Mas, não é assim que funciona! A metamorfose
não é um privilégio dos insetos. Não há evolução sem transformação, sem
mudança, por menor, ou mais sutil, que seja. E somente se rendendo a certeza é
que conseguimos nos ajustar ao insólito do mundo. Quando nos permitimos baixar
as expectativas, as projeções, as idealizações, para transitar pelos cenários
que as conjunturas nos permitirem. Sabe aquela história de dançar conforme a
música? Pois é. Já está provado, por a mais b, que não é a vida que tem que
caber nos nossos ditames; mas, o contrário. É nossa teimosia, nossa arrogância,
nossos pseudopoderes, que nos fazem pensar de maneira equivocada.
Script. Receita de bolo. Manual de
instrução. Nada disso existe no campo da existência humana. Pode-se tentar,
daqui e dali; mas, não há metodologia padrão que dê jeito de atender às
especificidades, às particularidades, que emergem no espaço-tempo à revelia de
quereres e vontades. Lembremo-nos de que ninguém é uma ilha! Somos 8 bilhões de
pessoas, nesse mundo de meu Deus! Cada um atravessado por fatores externos e
internos de sua própria realidade. Cada um sendo uma pecinha no quebra-cabeças
do seu espaço geográfico, que se torna, então, uma peça maior que vai se unir a
outras tantas para formar esse imenso mosaico chamado Terra.
Acontece que nada disso é estático.
Estou falando de um movimento intenso e contínuo. Como escreveu João Guimarães
Rosa, em seu Grande Sertão: Veredas,
“O mais importante e bonito, do mundo, é
isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que
elas vão sempre mudando”. E, talvez, seja o ponto que tanto incomoda o
mundo contemporâneo, na medida em que subtrai, sumariamente, o poder de
controlar e de fazer a vida caminhar segundo a própria vontade. O que implica,
também, na desconstrução narrativa e dialógica das pseudoautoridades, criando
certas situações de constrangimento e de desconforto pela fragilidade de uma eventual
explicação a respeito dos fatos.
Pois é, nada mais humano do que
mudar. Só que a mudança revela. A mudança desnuda. A mudança leva para lugares
nunca antes imaginados. A mudança conta a história de uma outra perspectiva. A mudança
impõe as aventuras e as desventuras do novo. E por mais que a contemporaneidade
propague o discurso da liberdade, da escolha, do fazer e acontecer, no fundo,
quando está frente a frente com a mudança, ela afina e se entrega às
convenções, a tudo aquilo que ela já conhece de cor e salteado. Porque ela
pensa que não pode errar.
Ledo engano. Nem tudo o que ela
sabe, conhece, viveu, experimentou, cabe ajustadinho nesse contexto. Nem objetivamente,
nem subjetivamente. Afinal, o rio não para de entrar no oceano. Como diria
Darcy Ribeiro, “Presente, passado e
futuro? Tolice. Não existem. A vida é uma ponte interminável. Vai-se
construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O
que está vivo vai adiante”. É esse exercício de consciência que nos aponta
para o entendimento de que “A primavera
chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem
possua jardim para recebê-la” (Cecília Meireles).
1 Esse texto é muitas vezes atribuído ao guru Osho; mas, trata-se de uma citação dele à reflexão de Khalil Gibran.