segunda-feira, 3 de abril de 2023

O mundo e sua metamorfose ambulante


O mundo e sua metamorfose ambulante

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Escreveu Khalil Gibran a seguinte reflexão, “Dizem que antes de um rio entrar no mar, ele treme de medo. Olha para trás, para toda jornada que percorreu, para os cumes, as montanhas, para o longo caminho sinuoso que trilhou através de florestas e povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto, que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. Somente ao entrar no oceano o medo irá desaparecer, porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas de tornar-se oceano” 1.

Nada mais oportuno para contextualizar o movimento contemporâneo que contradiz à sua efemeridade pela fúria de uma resistência à transformação. Basta um breve retrospecto do que foram esses três últimos anos impactados pela Pandemia do Sars-Cov-2 e suas variantes para perceber o quão nítido esse comportamento esteve presente. Era como se todos quisessem a todo custo, a qualquer preço, retomar a dinâmica do cotidiano do ponto em que vida ficou em suspenso. Fazendo com que todas as zonas de conforto fossem restituídas, sem um mísero sinal de quebra ou de trinca.

Mas, não é assim que funciona! A metamorfose não é um privilégio dos insetos. Não há evolução sem transformação, sem mudança, por menor, ou mais sutil, que seja. E somente se rendendo a certeza é que conseguimos nos ajustar ao insólito do mundo. Quando nos permitimos baixar as expectativas, as projeções, as idealizações, para transitar pelos cenários que as conjunturas nos permitirem. Sabe aquela história de dançar conforme a música? Pois é. Já está provado, por a mais b, que não é a vida que tem que caber nos nossos ditames; mas, o contrário. É nossa teimosia, nossa arrogância, nossos pseudopoderes, que nos fazem pensar de maneira equivocada.

Script. Receita de bolo. Manual de instrução. Nada disso existe no campo da existência humana. Pode-se tentar, daqui e dali; mas, não há metodologia padrão que dê jeito de atender às especificidades, às particularidades, que emergem no espaço-tempo à revelia de quereres e vontades. Lembremo-nos de que ninguém é uma ilha! Somos 8 bilhões de pessoas, nesse mundo de meu Deus! Cada um atravessado por fatores externos e internos de sua própria realidade. Cada um sendo uma pecinha no quebra-cabeças do seu espaço geográfico, que se torna, então, uma peça maior que vai se unir a outras tantas para formar esse imenso mosaico chamado Terra.

Acontece que nada disso é estático. Estou falando de um movimento intenso e contínuo. Como escreveu João Guimarães Rosa, em seu Grande Sertão: Veredas, “O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando”. E, talvez, seja o ponto que tanto incomoda o mundo contemporâneo, na medida em que subtrai, sumariamente, o poder de controlar e de fazer a vida caminhar segundo a própria vontade. O que implica, também, na desconstrução narrativa e dialógica das pseudoautoridades, criando certas situações de constrangimento e de desconforto pela fragilidade de uma eventual explicação a respeito dos fatos.

Pois é, nada mais humano do que mudar. Só que a mudança revela. A mudança desnuda. A mudança leva para lugares nunca antes imaginados. A mudança conta a história de uma outra perspectiva. A mudança impõe as aventuras e as desventuras do novo. E por mais que a contemporaneidade propague o discurso da liberdade, da escolha, do fazer e acontecer, no fundo, quando está frente a frente com a mudança, ela afina e se entrega às convenções, a tudo aquilo que ela já conhece de cor e salteado. Porque ela pensa que não pode errar.

Ledo engano. Nem tudo o que ela sabe, conhece, viveu, experimentou, cabe ajustadinho nesse contexto. Nem objetivamente, nem subjetivamente. Afinal, o rio não para de entrar no oceano. Como diria Darcy Ribeiro, “Presente, passado e futuro? Tolice. Não existem. A vida é uma ponte interminável. Vai-se construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O que está vivo vai adiante”. É esse exercício de consciência que nos aponta para o entendimento de que “A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la” (Cecília Meireles).



1 Esse texto é muitas vezes atribuído ao guru Osho; mas, trata-se de uma citação dele à reflexão de Khalil Gibran.