Educação
Por
Alessandra Leles Rocha
Como tantas outras questões
importantes no país, a Educação está sempre correndo atrás de prejuízos e de
interesses sem contar com um planejamento sólido, coerente e suficientemente
capaz de atender, de fato, às demandas sociais brasileiras.
Mas, o que se percebe, com imensa
facilidade, é como o “recorta e cola”
faz parte das soluções miraculosas no campo educacional brasileiro. É claro que
boas ideias são sempre uma fonte de inspiração; mas, isso não significa que se
possa desconsiderar as realidades conjunturais sobre as quais elas foram
estruturadas. O que representa um limite importante na hora de tentar trazê-las
para um outro contexto.
O tempo me trouxe uma compreensão
bastante interessante sobre esse assunto. Começando pelo fato de que o Brasil,
historicamente, nunca pensou na Educação como ferramenta constituinte da
cidadania. Formar um cidadão na plenitude da sua consciência crítico-reflexiva.
Muito pelo contrário! A Educação brasileira sempre esteve a serviço de atender
as demandas produtivas do país, ou seja, constituir mão-de-obra qualificada,
ainda que minimamente, para os projetos de desenvolvimento nacional.
E, talvez, seja esse o ponto onde
a Educação se perdeu de si mesma. No meio de um caminho que não conseguiu ser
nem uma coisa e nem outra, o país vem colecionando resultados pífios para os
seus processos de ensino-aprendizagem; sobretudo, no setor público. Daí o fato
de que não são somente questões de foro particular da Educação os motivos do insucesso
do seu modelo, ou seja, currículo ultrapassado, fragilidade da formação
docente, ausência de logística e infraestrutura mínimas, insuficiência de
recursos orçamentários etc.etc.etc.
O confronto com as mazelas da
realidade de um país assolado secularmente pelas desigualdades socioeconômicas também
pesa no resultado final. Haja vista que o cenário trabalhista nacional, com
seus índices de desemprego alarmantes, por exemplo, acaba impulsionando o
desencanto e a evasão escolar, na medida em que as oportunidades informais
reafirmam ser desnecessário estudar para sobreviver. Por isso me pareceu
sensata a decisão do Ministério da Educação em publicar “portaria que suspende cronograma de implementação do Novo Ensino Médio
por 60 dias” 1.
Afinal de contas, o que se tem é
mais um viés da burocratização educacional que se abstém de dialogar
diretamente com quem participa ativa e diretamente da realidade de sala de
aula, ou seja, o (a) professor (a). Deixando que decisões tão importantes
fiquem restritas às deliberações de corpos técnicos munidos de muita experiência
teórica e pouco prática. Aliás, isso já ocorre em outros momentos da rotina
educacional como, por exemplo, na escolha de material didático ou da construção
de projetos político-pedagógicos. Essas práxis comprometem a dialogia
fundamental que precisa existir dentro da estrutura seriada da Educação
brasileira.
De fato, não há como olhar
estritamente para o ensino médio sem entender que ele é um elo de uma corrente.
A educação é um todo indivisível. Do mesmo modo que o indivíduo transita por um
processo de desenvolvimento intelectual e cognitivo integral, em que ano a ano
ele vai avançando na sua capacidade de construir conhecimentos e aplicá-los,
segundo as demandas da sua realidade. O que significa que temos um tripé a ser
analisado: o sistema de ensino-aprendizagem, o indivíduo e o contexto socioeconômico,
cultural e ambiental em que ele se insere.
Daí para que se obtenha um mínimo
sucesso na empreitada, a lógica impõe uma proposta que venha mitigar ao máximo às
desigualdades, sob todos os vieses, formas e conteúdos que ela teima em se apresentar
no país. Que vão muito além da discussão entre o público e o privado; mas, que
mergulham nas diferenças regionais desse país continental. Desse modo, o
alicerce curricular deve ser o mesmo em todo o país, com uma composição de
disciplinas pré-fixada, como se conhece há tempos. O pulo do gato, ou o salto
evolutivo se daria, então, pela flexibilidade na organização e na produção
didático-pedagógica.
Algo que suplanta a estruturação
seriada do ensino, na medida em que precisa ser aplicada em todos os níveis para
construir uma consciência social, tanto individual quanto coletiva, em relação à
realidade educacional contemporânea. Especialmente, em se tratando da geração
Z, cujos indivíduos são nativos digitais e demandam cada vez mais espaços de protagonismo
no cotidiano social, incluindo à escola. O que obrigatoriamente desconstrói o
papel informativo do professor, para torná-lo um mediador, ou facilitador, ou
articulador do conhecimento.
Como tão bem definiu Rubem Alves,
“Toda experiência de aprendizagem se
inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o
aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não
confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim ‘affetare’, quer
dizer ‘ir atrás’. É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o
Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado”.
Assim, o docente passa a centrar seus
esforços, dentro da sua respectiva área de conhecimento – Ciências da Natureza,
Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais -, para desenvolver seus
conteúdos por meio da investigação científica, da mediação e intervenção
sociocultural, dos processos criativos e do empreendedorismo. Ele desperta a
fome do saber nos seus alunos. O que leva a uma integração simbiótica e
contextualizada entre teoria e prática, não só utilizando com mais eficiência o
tempo para o ensino-aprendizagem; mas, oportunizando uma compreensão melhor e
mais aprofundada dos conteúdos.
Isso sem contar o fato de que há
um resgate da visão holística da dinâmica cotidiana, na qual diferentes
acontecimentos e situações dialogam entre si, possibilitando ilimitados
resultados. O que em linhas gerais, leva não só a uma evolução cognitiva e intelectual
do aluno; mas, também do professor, que passa a expandir o seu olhar além da
sua própria área de conhecimento, se apropriando naturalmente da
transversalidade e da interdisciplinaridade na sua práxis profissional.
Aliás, considerando as recentes
discussões éticas em torno das revoluções tecnológicas, as quais apontam para
uma franca perda da necessidade de mão-de-obra humana para a realização de certas
funções na sociedade, é preciso que o sistema de ensino promova cada vez mais o
protagonismo das pessoas. Que elas não apenas vivam, mas existam na sua
plenitude. Que elas ultrapassem as fronteiras teóricas do conhecimento e
aperfeiçoem suas habilidades, talentos e competências práticas, para que não
sejam obrigadas a se renderem a uma maciça dependência tecnológica 2, sob a ameaça da sua desumanização e deterioração
civilizatória.
Não se esqueça, “Pessoas que sabem soluções já dadas são
mendigos permanentes. Pessoas que aprendem a inventar soluções novas são
aquelas que abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão
não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de
sobreviver” (Rubem Alves). É com base nesse entendimento, então, que a Educação
precisa centrar seus esforços e reescrever seus caminhos, antes que seja tarde
demais e continuemos a reafirmar o que disse Darcy Ribeiro, ou seja, “A crise na educação no Brasil não é uma
crise; é um projeto”.