quarta-feira, 5 de abril de 2023

Educação


Educação

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Como tantas outras questões importantes no país, a Educação está sempre correndo atrás de prejuízos e de interesses sem contar com um planejamento sólido, coerente e suficientemente capaz de atender, de fato, às demandas sociais brasileiras.

Mas, o que se percebe, com imensa facilidade, é como o “recorta e cola” faz parte das soluções miraculosas no campo educacional brasileiro. É claro que boas ideias são sempre uma fonte de inspiração; mas, isso não significa que se possa desconsiderar as realidades conjunturais sobre as quais elas foram estruturadas. O que representa um limite importante na hora de tentar trazê-las para um outro contexto.

O tempo me trouxe uma compreensão bastante interessante sobre esse assunto. Começando pelo fato de que o Brasil, historicamente, nunca pensou na Educação como ferramenta constituinte da cidadania. Formar um cidadão na plenitude da sua consciência crítico-reflexiva. Muito pelo contrário! A Educação brasileira sempre esteve a serviço de atender as demandas produtivas do país, ou seja, constituir mão-de-obra qualificada, ainda que minimamente, para os projetos de desenvolvimento nacional.

E, talvez, seja esse o ponto onde a Educação se perdeu de si mesma. No meio de um caminho que não conseguiu ser nem uma coisa e nem outra, o país vem colecionando resultados pífios para os seus processos de ensino-aprendizagem; sobretudo, no setor público. Daí o fato de que não são somente questões de foro particular da Educação os motivos do insucesso do seu modelo, ou seja, currículo ultrapassado, fragilidade da formação docente, ausência de logística e infraestrutura mínimas, insuficiência de recursos orçamentários etc.etc.etc.

O confronto com as mazelas da realidade de um país assolado secularmente pelas desigualdades socioeconômicas também pesa no resultado final. Haja vista que o cenário trabalhista nacional, com seus índices de desemprego alarmantes, por exemplo, acaba impulsionando o desencanto e a evasão escolar, na medida em que as oportunidades informais reafirmam ser desnecessário estudar para sobreviver. Por isso me pareceu sensata a decisão do Ministério da Educação em publicar “portaria que suspende cronograma de implementação do Novo Ensino Médio por 60 dias” 1.

Afinal de contas, o que se tem é mais um viés da burocratização educacional que se abstém de dialogar diretamente com quem participa ativa e diretamente da realidade de sala de aula, ou seja, o (a) professor (a). Deixando que decisões tão importantes fiquem restritas às deliberações de corpos técnicos munidos de muita experiência teórica e pouco prática. Aliás, isso já ocorre em outros momentos da rotina educacional como, por exemplo, na escolha de material didático ou da construção de projetos político-pedagógicos. Essas práxis comprometem a dialogia fundamental que precisa existir dentro da estrutura seriada da Educação brasileira.

De fato, não há como olhar estritamente para o ensino médio sem entender que ele é um elo de uma corrente. A educação é um todo indivisível. Do mesmo modo que o indivíduo transita por um processo de desenvolvimento intelectual e cognitivo integral, em que ano a ano ele vai avançando na sua capacidade de construir conhecimentos e aplicá-los, segundo as demandas da sua realidade. O que significa que temos um tripé a ser analisado: o sistema de ensino-aprendizagem, o indivíduo e o contexto socioeconômico, cultural e ambiental em que ele se insere.

Daí para que se obtenha um mínimo sucesso na empreitada, a lógica impõe uma proposta que venha mitigar ao máximo às desigualdades, sob todos os vieses, formas e conteúdos que ela teima em se apresentar no país. Que vão muito além da discussão entre o público e o privado; mas, que mergulham nas diferenças regionais desse país continental. Desse modo, o alicerce curricular deve ser o mesmo em todo o país, com uma composição de disciplinas pré-fixada, como se conhece há tempos. O pulo do gato, ou o salto evolutivo se daria, então, pela flexibilidade na organização e na produção didático-pedagógica.

Algo que suplanta a estruturação seriada do ensino, na medida em que precisa ser aplicada em todos os níveis para construir uma consciência social, tanto individual quanto coletiva, em relação à realidade educacional contemporânea. Especialmente, em se tratando da geração Z, cujos indivíduos são nativos digitais e demandam cada vez mais espaços de protagonismo no cotidiano social, incluindo à escola. O que obrigatoriamente desconstrói o papel informativo do professor, para torná-lo um mediador, ou facilitador, ou articulador do conhecimento.

Como tão bem definiu Rubem Alves, “Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim ‘affetare’, quer dizer ‘ir atrás’. É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado”.

Assim, o docente passa a centrar seus esforços, dentro da sua respectiva área de conhecimento – Ciências da Natureza, Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais -, para desenvolver seus conteúdos por meio da investigação científica, da mediação e intervenção sociocultural, dos processos criativos e do empreendedorismo. Ele desperta a fome do saber nos seus alunos. O que leva a uma integração simbiótica e contextualizada entre teoria e prática, não só utilizando com mais eficiência o tempo para o ensino-aprendizagem; mas, oportunizando uma compreensão melhor e mais aprofundada dos conteúdos.

Isso sem contar o fato de que há um resgate da visão holística da dinâmica cotidiana, na qual diferentes acontecimentos e situações dialogam entre si, possibilitando ilimitados resultados. O que em linhas gerais, leva não só a uma evolução cognitiva e intelectual do aluno; mas, também do professor, que passa a expandir o seu olhar além da sua própria área de conhecimento, se apropriando naturalmente da transversalidade e da interdisciplinaridade na sua práxis profissional.

Aliás, considerando as recentes discussões éticas em torno das revoluções tecnológicas, as quais apontam para uma franca perda da necessidade de mão-de-obra humana para a realização de certas funções na sociedade, é preciso que o sistema de ensino promova cada vez mais o protagonismo das pessoas. Que elas não apenas vivam, mas existam na sua plenitude. Que elas ultrapassem as fronteiras teóricas do conhecimento e aperfeiçoem suas habilidades, talentos e competências práticas, para que não sejam obrigadas a se renderem a uma maciça dependência tecnológica 2, sob a ameaça da sua desumanização e deterioração civilizatória.

Não se esqueça, “Pessoas que sabem soluções já dadas são mendigos permanentes. Pessoas que aprendem a inventar soluções novas são aquelas que abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de sobreviver” (Rubem Alves). É com base nesse entendimento, então, que a Educação precisa centrar seus esforços e reescrever seus caminhos, antes que seja tarde demais e continuemos a reafirmar o que disse Darcy Ribeiro, ou seja, “A crise na educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.