quarta-feira, 5 de abril de 2023

Estações contemporâneas de uma via dolorosa


Estações contemporâneas de uma via dolorosa

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Mais um caso de violência 1; mas, não o último. E na contramão da tendência natural de reafirmar o fato de que a ocorrência se deu em ambiente escolar, prefiro traçar as reflexões sobre uma outra perspectiva.

Há dois aspectos importantes e convergentes nesse tipo de episódio que não necessariamente dizem respeito aos espaços educacionais. O primeiro, diz respeito à aglomeração de pessoas em um mesmo ambiente, o que permite vitimar o maior número de indivíduos e amplificar a visibilidade da tragédia no âmbito social, tanto real quanto virtual. O segundo, diz respeito ao efeito surpresa, que expõe à total vulnerabilidade as vítimas, retirando sua possibilidade de defesa e reafirmando uma pseudossuperioridade do agressor.

De modo que isso ultrapassa os limites de uma prática de violência contra instituições de ensino. Já vimos isso acontecer em cinemas, em shoppings, em boates, em igrejas, em centros de saúde, em feiras, ou seja, locais onde há presença e circulação de muitas pessoas. O que leva a refletir sobre a dimensão da insegurança que atravessa a realidade contemporânea e coloca os indivíduos na iminência de uma tragédia.

E aí entra um ponto importante da discussão, a questão da saúde mental. Acontece que a perspectiva de analisar o assunto dentro de um rol de doenças distintas, com diferentes práticas de tratamento, é rasa. O hábito de tratar doenças apenas como doenças, não serve como protocolo nesse caso, em razão da componente subjetiva que afeta diretamente a situação.

Principalmente as doenças mentais contemporâneas, ou seja, depressão, compulsões, Burnout, Estresse Pós-Traumático, entre outras, precisam ser compreendidas dentro do cerne de suas origens. O que significa entendê-las a partir da ótica de que emergem do próprio processo relacional e comportamental da sociedade.  Não romper com certos paradigmas, valores, convicções e hábitos, significa, então, manter o indivíduo em franco processo de adoecimento mental. Terapêuticas convencionais e alternativas são, portanto, insuficientes para dar conta da complexidade social instalada no cenário contemporâneo.

Por trás dos arroubos extremos de violência, parece sim, existir um grito desesperado por liberdade. A insalubridade mental é um espelho de todo um conjunto de escravizações sociais, emocionais, psicológicas, comportamentais, que vão sendo arbitrariamente impostas sobre os indivíduos. Como dizia Sigmund Freud, “Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro”. Ele tinha razão! Infelizmente, a grande maioria não tem estrutura para enfrentar o peso dessas pressões, que acontecem nos mais diferentes campos da vida social, sem cair no mais absoluto adoecimento mental.  

No entanto, todo esse movimento não se dá em um caso aqui e outro acolá, esporadicamente. Não, ele é uma torrente contínua de indivíduos. Uma legião que vai crescendo com o passar do tempo. O que significa que, de uma hora para outra, o nível de tensão pode explodir e promover, em qualquer lugar, episódios de uma brutalidade inominável. Portanto, pode-se dizer que a violência, nesses moldes contemporâneos, é sim, uma expressão de catarse da insalubridade mental.

O que demonstra como as atitudes tomadas diante de cada caso são ineficazes, na medida em que se resumem à tragédia consumada e não à sua prevenção. A resistência em não abandonar aquilo que se acredita ser uma zona de conforto ideal, mesmo sabendo que não é, explica o que leva as violências a se repetirem. Assim, enquanto uns e outros se valem de placebos, como quem oferece uma satisfação à sociedade, a realidade estampa a certeza de que não existe nisso qualquer compromisso com a efetividade da solução. Pois, como dizia João Cabral de Melo Neto, “A vida não se resolve com palavras”, simplesmente porque “As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem de piores formas mais tarde” (Sigmund Freud).



1 https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2023/04/05/ataque-creche-blumenau.ghtml