Estações
contemporâneas de uma via dolorosa
Por
Alessandra Leles Rocha
Mais um caso de violência 1; mas, não o último. E na contramão da tendência
natural de reafirmar o fato de que a ocorrência se deu em ambiente escolar,
prefiro traçar as reflexões sobre uma outra perspectiva.
Há dois aspectos importantes e
convergentes nesse tipo de episódio que não necessariamente dizem respeito aos
espaços educacionais. O primeiro, diz respeito à aglomeração de pessoas em um
mesmo ambiente, o que permite vitimar o maior número de indivíduos e amplificar
a visibilidade da tragédia no âmbito social, tanto real quanto virtual. O
segundo, diz respeito ao efeito surpresa, que expõe à total vulnerabilidade as
vítimas, retirando sua possibilidade de defesa e reafirmando uma
pseudossuperioridade do agressor.
De modo que isso ultrapassa os
limites de uma prática de violência contra instituições de ensino. Já vimos
isso acontecer em cinemas, em shoppings, em boates, em igrejas, em centros de
saúde, em feiras, ou seja, locais onde há presença e circulação de muitas
pessoas. O que leva a refletir sobre a dimensão da insegurança que atravessa a realidade
contemporânea e coloca os indivíduos na iminência de uma tragédia.
E aí entra um ponto importante da
discussão, a questão da saúde mental. Acontece que a perspectiva de analisar o
assunto dentro de um rol de doenças distintas, com diferentes práticas de tratamento,
é rasa. O hábito de tratar doenças apenas como doenças, não serve como
protocolo nesse caso, em razão da componente subjetiva que afeta diretamente a
situação.
Principalmente as doenças mentais
contemporâneas, ou seja, depressão, compulsões, Burnout, Estresse Pós-Traumático,
entre outras, precisam ser compreendidas dentro do cerne de suas origens. O que
significa entendê-las a partir da ótica de que emergem do próprio processo
relacional e comportamental da sociedade. Não romper com certos paradigmas, valores, convicções
e hábitos, significa, então, manter o indivíduo em franco processo de
adoecimento mental. Terapêuticas convencionais e alternativas são, portanto,
insuficientes para dar conta da complexidade social instalada no cenário contemporâneo.
Por trás dos arroubos extremos de
violência, parece sim, existir um grito desesperado por liberdade. A insalubridade
mental é um espelho de todo um conjunto de escravizações sociais, emocionais, psicológicas,
comportamentais, que vão sendo arbitrariamente impostas sobre os indivíduos. Como
dizia Sigmund Freud, “Somos feitos de
carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro”. Ele tinha razão! Infelizmente,
a grande maioria não tem estrutura para enfrentar o peso dessas pressões, que
acontecem nos mais diferentes campos da vida social, sem cair no mais absoluto
adoecimento mental.
No entanto, todo esse movimento
não se dá em um caso aqui e outro acolá, esporadicamente. Não, ele é uma
torrente contínua de indivíduos. Uma legião que vai crescendo com o passar do
tempo. O que significa que, de uma hora para outra, o nível de tensão pode
explodir e promover, em qualquer lugar, episódios de uma brutalidade
inominável. Portanto, pode-se dizer que a violência, nesses moldes contemporâneos,
é sim, uma expressão de catarse da insalubridade mental.
O que demonstra como as atitudes
tomadas diante de cada caso são ineficazes, na medida em que se resumem à tragédia
consumada e não à sua prevenção. A resistência em não abandonar aquilo que se
acredita ser uma zona de conforto ideal, mesmo sabendo que não é, explica o que
leva as violências a se repetirem. Assim, enquanto uns e outros se valem de placebos,
como quem oferece uma satisfação à sociedade, a realidade estampa a certeza de
que não existe nisso qualquer compromisso com a efetividade da solução. Pois,
como dizia João Cabral de Melo Neto, “A
vida não se resolve com palavras”, simplesmente porque “As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e
saem de piores formas mais tarde” (Sigmund Freud).
1 https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2023/04/05/ataque-creche-blumenau.ghtml