quarta-feira, 8 de março de 2023

Não dê asas só para a imaginação! Dê asas para a sua voz!


Não dê asas só para a imaginação! Dê asas para a sua voz!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Distante dos achismos e casuísmos que sempre envolveram a situação da mulher no mundo, poucos se dão conta de um aspecto fundamental nessa história. Lá, em “1908, quando 15 mil mulheres marcharam pela cidade de Nova York exigindo a redução das jornadas de trabalho, salários melhores e direito ao voto” 1, elas estavam se apropriando da sua própria voz.

Pois é, passa despercebido aos milhares de olhos inquisidores, por aí, um aspecto historicamente importante nas relações sociais que é o silenciamento das minorias, dentre elas, as mulheres. O que não significa necessariamente o fato de não lhes permitir a expressão da fala, mas o direito de dar voz aos seus pensamentos, as suas ideias, aos seus sonhos, a sua própria história.

Durante séculos e séculos, as mulheres tiveram suas vozes cerceadas pelas convenções e imposições sociais, de um mundo dominado e controlado pelos homens. De um modo ou de outro, suas vidas foram marcadas pelo controle masculino. Há sempre um avô, um pai, um irmão, um padrinho, um tio, um primo, um marido ou um religioso ligado à família, a exercer algum tipo de influência sobre aquela mulher, durante toda a sua existência, e a quem ela deve alguma forma de obediência inquestionável.

Acontece que essa realidade não se restringe à dinâmica cotidiana, apenas. Quando retratada à luz da literatura mundial, por exemplo, a maioria das grandes personagens femininas foram construídas pela perspectiva do imaginário masculino. Lady Macbeth, por William Shakespeare. Anna Karenina, por Leon Tolstói. Dolores Haze (Lolita), por Vladimir Nabokov. Capitu, por Machado de Assis. Iracema, por José de Alencar. Gabriela, por Jorge Amado. Emma Bovary, por Gustave Flaubert. ... E queiram ou não admitir, há sim, em todas elas, um traço da influência masculina sobre o recorte temporal de uma época, dentro de uma dada concepção social.

E esse é um ponto fundamental para a reflexão contemporânea, porque, de certo modo, ele ajuda a elucidar a desqualificação da voz feminina. Haja vista o amplo conjunto de situações atuais em que as opiniões, as manifestações, as reivindicações, as denúncias, trazidas ao conhecimento público, individualmente ou por coletivos de mulheres, são submetidas ao mais rigoroso e cruel escrutínio dentro da sociedade.

Aliás, é bom que se diga também, que essa realidade ajuda a descortinar uma desigualdade dentro do universo feminino. Mesmo que se consiga perceber esse silenciamento, essa desqualificação, essa violência, nada disso acontece de maneira homogênea e linear entre as mulheres. O poder aquisitivo, a idade, a raça, a escolaridade, acabam se tornando instrumentos de distinção para tornar essas arbitrariedades mais ou menos impactantes, degradantes, absurdas.

Pois é, só uma coisa não muda, o fato de que os longos séculos de silenciamento forçado, impositivo, autoritário, errônea e equivocadamente legitimaram os homens como representantes legais e morais das mulheres. Como se somente eles pudessem verbalizar, com propriedade e segurança, o que elas pensam, querem, sentem, desejam, buscam, ... Como se o direito a ter voz fosse uma propriedade, um privilégio exclusivamente masculino. Deram aos homens o poder de filtrar, de desconstruir, de interpretar, de redefinir, uma expressão absoluta da identidade feminina, a sua voz.

Desse modo, quando alguns são confrontados nesse contexto, a maneira que encontraram para responder e reagir aos questionamentos foi a violência. Física. Psicológica. Sexual. Patrimonial. Moral. Porque todas elas culminam, em alguma extensão, no silenciamento social da mulher. Afinal, as violências tendem historicamente a se desdobrar em vergonha, em constrangimento, em desconforto, em medo, em horror, favorecendo a prevalência da voz do agressor no ambiente social, ou seja, as razões dele, as justificativas dele, as desculpas dele.

No entanto, isso só faz demonstrar o desalinhamento ideológico que se estabeleceu em relação à evolução social do mundo. Considerando a realidade brasileira, as mulheres representam 51,1% da população 2 e, portanto, contribuem de maneira efetiva e fundamental para o desenvolvimento do país. Porque nessa longa jornada, aos trancos e barrancos, elas foram se libertando desse casulo de silêncios para ganhar a liberdade das palavras, das ideias, dos sonhos, nos mais diferentes espaços da sociedade.

Mais do que um direito, uma necessidade vital, o que almejam milhões de mulheres, mundo afora, é a possibilidade de, através da própria voz, revelarem quem realmente são. O que pensam, querem, sentem, desejam, buscam. Mostrar quem está além daquele rosto, daquele corpo, daqueles olhos. Pois, embora a comunicação não se dê restrita às linguagens orais e escritas, o mundo nem sempre dispõe da sutileza necessária para ler e entender pelas linguagens não verbais, na profundidade e na complexidade indispensáveis.

Como bem falou Melinda Gates, “Uma mulher com voz é, por definição, uma mulher forte”. Sendo assim, que as vozes femininas sejam cada vez mais presentes, mais atuantes, mais incisivas, no mundo. Porque antes de ser uma voz que transborda para além dos limites do ser, toda mulher têm uma voz interior repleta de sabedoria, de consciência, de experiência, sempre disposta ao processo construtivo da sociedade.

O que falta a essa voz, então, é a liberdade de extravasar, fluir, para que dessa forma se una em comunhão para ser capaz de reverberar todos os cânticos de igualdade, de fraternidade, de empatia e de sororidade, que a humanidade tanto anseia, tanto precisa para seguir adiante. Uma liberdade que não sinalize como permissão limitada a um único dia no calendário – como hoje, por exemplo –; mas, todos os dias, os 365 ou 366, dependendo do ano. Afinal de contas, é isso o que irá reafirmar a sua convicção de que “O ato mais corajoso é pensar por você mesma. Em voz alta! ” (Coco Chanel).