quinta-feira, 9 de março de 2023

Decoro. Brio. Dignidade. Integridade. Vergonha. Virtude. ...


Decoro. Brio. Dignidade. Integridade. Vergonha. Virtude. ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Como bem explica o próprio site do Congresso Nacional, “Termo: Decoro Parlamentar. Princípios e normas de conduta que orientam o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato e que estabelecem medidas disciplinares em caso de descumprimento. CF, art. 55, §1º; RICD, art. 244; RSF 20/1993” 1.

De modo que o que se sucedeu na tribuna da Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia Internacional das Mulheres, ou seja, ontem, exige bem mais do que manifestações acaloradas de indignação cidadã e parlamentar.

É preciso reflexão e ação contra uma permissividade histórica da referida casa legislativa, que através da inação e da condescendência corporativista do poder político-partidário brasileiro, cria espaços para a legitimação de recorrentes episódios na contramão do que a própria legislação prega a respeito do chamado decoro.

Na verdade, a lista de ocorrências é vasta e pode ser facilmente consultada através dos Anais do Congresso Nacional ou dos registros dos veículos de comunicação e informação nacionais e estrangeiros.

Porém, cabe ressaltar que nem tudo poderia ter sido simplesmente enquadrado como falta de decoro. Inúmeras situações, como a que ocorreu ontem, extrapolam tais fronteiras para transbordar em flagrante delito. Afinal, palavras não são apenas palavras e ninguém vai à tribuna desprovido de intenção, de coerência discursiva.

Por mais constrangedor que possa soar, pouco mais de 130 anos de República, no Brasil, não parecem ter sido suficientes para garantir uma qualidade representativa robusta para as casas legislativas nacionais.

A legitimidade democrática da escolha popular, portanto, enfrenta o constante desafio do despreparo de uma parcela significativa dos (as) eleitos (as). Como se caíssem de paraquedas para exercer uma atribuição tão importante ao país.

Talvez, nem a própria Constituição Federal vigente eles (as) conheçam em profundidade satisfatória, porque fazem, cada vez mais, questão de se mostrarem preocupados (as) com a visibilidade, a notoriedade, as eventuais prerrogativas do cargo.

Aí, como o poder inebria, a vaidade entorpece, as situações deploráveis começam a encontrar um vasto campo para florescer. A fala que reverbera desde ontem, por exemplo, reflete primorosamente tudo isso.

O novato deputado que decidiu “causar” cometeu a gafe imperdoável de desconsiderar na sua fala infame e odiosa, o fato de que “Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, que passaram a ser enquadradas pela Lei de Racismo. [...] A pena pode ir de um a três anos de prisão, além de multa. E pode chegar até cinco anos de reclusão se houver ampla divulgação do ato” 2.

Bem, a Democracia é um palco para divergir de maneira saudável, construtiva e equilibrada, desde que respeitados os limites do ordenamento jurídico vigente. O que significa que cada um pode ter suas opiniões, seus pontos de vista; mas, não pode lançá-los publicamente à revelia das leis. Sobretudo, alguém que faz parte do Poder Legislativo nacional.

Como pode ele legislar se não respeita as leis criadas pelo próprio Parlamento? Aliás, será que ele já esqueceu o “Assim o prometo”, manifesto depois da leitura do juramento “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”, pelo presidente da Câmara dos Deputados 3, em 1º de fevereiro deste ano? A efemeridade contemporânea não pode ter lhe afetado os sentidos dessa maneira!

Portanto, o decoro parlamentar não pode ser só um conceito normativo, algo preso ao papel. O decoro parlamentar é a expressão da imagem das Casas Legislativas e, por consequência, da identidade nacional.

Decência, compostura, responsabilidade, compromisso, são bem mais do que palavras, são compromissos pessoais e institucionais que se espera daqueles que ocupam as esferas do poder, que representam e decidem sobre os interesses dos quase 208 milhões de brasileiros.    

Não dá para passar pano, mais uma vez. Fingir que não foi bem assim. Contemporizar diante do absurdo. Como já fez tantas vezes o parlamento brasileiro. E foi essa imprevidente flexibilização de princípios e valores que culminou recentemente na exacerbação da anticidadania e da antidemocracia no país.

Infelizmente, não foram só os prédios públicos ou o patrimônio histórico vandalizados pela máxima expressão da incivilidade nacional. A identidade brasileira foi barbaramente atingida. Mostrou-se, dentro e fora de nossas fronteiras, o pior lado, a pior versão, do (a) cidadão (a).

De modo que a pergunta que não quer calar é a seguinte: qual o tipo de parlamentar o Congresso Nacional pretende ostentar no seu quadro?  Aquele que cumpre o decoro ou aquele que chafurda na incivilidade? Abrindo precedentes daqui e dali já deveriam ter dimensionado o tamanho dos prejuízos éticos e morais causados historicamente ao país. Se não o fizeram, ainda, há tempo. Espera-se que o bom senso e o decoro falem mais alto dessa vez.