Decoro.
Brio. Dignidade. Integridade. Vergonha. Virtude. ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Como bem explica o próprio site
do Congresso Nacional, “Termo: Decoro
Parlamentar. Princípios e normas de conduta que orientam o comportamento do
parlamentar no exercício de seu mandato e que estabelecem medidas disciplinares
em caso de descumprimento. CF, art. 55, §1º; RICD, art. 244; RSF 20/1993” 1.
De modo que o que se sucedeu na
tribuna da Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia Internacional das Mulheres,
ou seja, ontem, exige bem mais do que manifestações acaloradas de indignação
cidadã e parlamentar.
É preciso reflexão e ação contra
uma permissividade histórica da referida casa legislativa, que através da
inação e da condescendência corporativista do poder político-partidário brasileiro,
cria espaços para a legitimação de recorrentes episódios na contramão do que a própria
legislação prega a respeito do chamado decoro.
Na verdade, a lista de ocorrências
é vasta e pode ser facilmente consultada através dos Anais do Congresso
Nacional ou dos registros dos veículos de comunicação e informação nacionais e
estrangeiros.
Porém, cabe ressaltar que nem
tudo poderia ter sido simplesmente enquadrado como falta de decoro. Inúmeras situações,
como a que ocorreu ontem, extrapolam tais fronteiras para transbordar em
flagrante delito. Afinal, palavras não são apenas palavras e ninguém vai à
tribuna desprovido de intenção, de coerência discursiva.
Por mais constrangedor que possa
soar, pouco mais de 130 anos de República, no Brasil, não parecem ter sido
suficientes para garantir uma qualidade representativa robusta para as casas
legislativas nacionais.
A legitimidade democrática da
escolha popular, portanto, enfrenta o constante desafio do despreparo de uma parcela
significativa dos (as) eleitos (as). Como se caíssem de paraquedas para exercer
uma atribuição tão importante ao país.
Talvez, nem a própria Constituição
Federal vigente eles (as) conheçam em profundidade satisfatória, porque fazem,
cada vez mais, questão de se mostrarem preocupados (as) com a visibilidade, a
notoriedade, as eventuais prerrogativas do cargo.
Aí, como o poder inebria, a
vaidade entorpece, as situações deploráveis começam a encontrar um vasto campo
para florescer. A fala que reverbera desde ontem, por exemplo, reflete
primorosamente tudo isso.
O novato deputado que decidiu “causar” cometeu a gafe imperdoável de
desconsiderar na sua fala infame e odiosa, o fato de que “Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela criminalização
da homofobia e da transfobia, que passaram a ser enquadradas pela Lei de
Racismo. [...] A pena pode ir de um a três anos de prisão, além de multa. E pode
chegar até cinco anos de reclusão se houver ampla divulgação do ato” 2.
Bem, a Democracia é um palco para
divergir de maneira saudável, construtiva e equilibrada, desde que respeitados
os limites do ordenamento jurídico vigente. O que significa que cada um pode
ter suas opiniões, seus pontos de vista; mas, não pode lançá-los publicamente à
revelia das leis. Sobretudo, alguém que faz parte do Poder Legislativo
nacional.
Como pode ele legislar se não
respeita as leis criadas pelo próprio Parlamento? Aliás, será que ele já
esqueceu o “Assim o prometo”,
manifesto depois da leitura do juramento “Prometo
manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem
geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do
Brasil”, pelo presidente da Câmara dos Deputados 3, em 1º de fevereiro deste ano? A
efemeridade contemporânea não pode ter lhe afetado os sentidos dessa maneira!
Portanto, o decoro parlamentar
não pode ser só um conceito normativo, algo preso ao papel. O decoro
parlamentar é a expressão da imagem das Casas Legislativas e, por consequência,
da identidade nacional.
Decência, compostura,
responsabilidade, compromisso, são bem mais do que palavras, são compromissos pessoais
e institucionais que se espera daqueles que ocupam as esferas do poder, que
representam e decidem sobre os interesses dos quase 208 milhões de brasileiros.
Não dá para passar pano, mais uma
vez. Fingir que não foi bem assim. Contemporizar diante do absurdo. Como já fez
tantas vezes o parlamento brasileiro. E foi essa imprevidente flexibilização de
princípios e valores que culminou recentemente na exacerbação da anticidadania
e da antidemocracia no país.
Infelizmente, não foram só os prédios
públicos ou o patrimônio histórico vandalizados pela máxima expressão da
incivilidade nacional. A identidade brasileira foi barbaramente atingida.
Mostrou-se, dentro e fora de nossas fronteiras, o pior lado, a pior versão, do
(a) cidadão (a).
De modo que a pergunta que não
quer calar é a seguinte: qual o tipo de parlamentar o Congresso Nacional
pretende ostentar no seu quadro? Aquele
que cumpre o decoro ou aquele que chafurda na incivilidade? Abrindo precedentes
daqui e dali já deveriam ter dimensionado o tamanho dos prejuízos éticos e
morais causados historicamente ao país. Se não o fizeram, ainda, há tempo. Espera-se
que o bom senso e o decoro falem mais alto dessa vez.