UNIVERSIDADES FEDERAIS. As
entrelinhas de uma pauta tão importante.
Por Alessandra Leles Rocha
E aí, vai continuar considerando tudo obra do
acaso ou vai enxergar a vida como ela realmente é? Não há nada de coincidência,
no fato de que essa semana duas notícias causaram uma repercussão enorme na
área de Educação do país.
A primeira diz respeito à Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) número 206, a qual propõe cobrar mensalidades nas
universidades públicas 1. A
segunda, segue a mesma linha do absurdo, e anuncia que o “Governo bloqueia 14,5% da verba para custeio e investimento de
universidades federais” 2. Portanto,
só não entende o que está acontecendo quem não quer.
Então, vamos traçar uma reflexão passo a passo.
Começando pelo fato de que as Universidades públicas são um gigantesco “tendão de Aquiles” que desconforta
terrivelmente os simpatizantes dos diferentes matizes da direita brasileira.
Principalmente, depois que políticas públicas
envolvendo, por exemplo, a criação de cotas e a ampliação do acesso da população
através da abertura de novos campi e da criação do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM) permitiram a construção de uma pluralidade social dentro dessas
instituições.
O que significa que as Universidades públicas se
tornaram representantes de um movimento de mobilidade e ascensão social. Aliás,
a fim de não me alongar em explicações óbvias a esse respeito, sugiro àqueles
que ainda encontram alguma dificuldade em compreender, que assistam ao filme “Que horas ela volta? ” (2015) 3, dirigido por Anna Muylaert. De maneira
cirúrgica e contundente, essa obra disseca esse “desconforto social” presente nas elites nacionais.
Mas, quem disse que para por aí? Não. As
investidas contra o ensino universitário público explicitam de maneira
irrefutável o desejo que pulsa nas veias da direita brasileira; sobretudo, da
sua elite, em desfavorecer a grande massa da população de quaisquer
possibilidades de desenvolvimento humano.
Não sejamos tolos ou ingênuos ao ponto de
acreditar que as notícias acima têm como propósito “beneficiar as elites”. Porque isso é uma grande falácia narrativa!
Ora, as elites não precisam das universidades públicas, ou de quaisquer
políticas públicas. Quando querem uma educação de qualidade eles colocam seus
filhos nas melhores instituições do país ou do mundo. Simples assim!
É para os 94% restantes da população 4 que as políticas públicas são
importantes. É para esses cidadãos que as oportunidades fazem total diferença.
E o que há de mais perverso e cruel nessas investidas é a tentativa desvairada de
comparar realidades incomparáveis. Vamos e convenhamos, há um abismo real entre
o Brasil e qualquer país desenvolvido. Basta verificar o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) 5 ou o
índice Gini 6, para retomar a
consciência a esse respeito.
Para quem não se deu conta ainda, “a dívida estudantil é a segunda principal
causa de endividamento para as famílias nos EUA” 7.
Então, imagina no Brasil? Contrariando uma resistência furiosa de muita gente
por aí, o mundo contemporâneo está em um processo de franco empobrecimento em
razão das conjunturas que se estabeleceram nas últimas décadas.
De modo que cada vez menos pessoas têm recebido
salários compatíveis e satisfatórios às suas demandas fundamentais, sem contar
os elevados índices de desemprego. A precarização laboral agrega ao
endividamento um peso cada vez mais emblemático. Na recente pesquisa mensal da
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), de abril
deste ano, o país “registrou um recorde
de 77,7% das famílias brasileiras, que afirmaram fechar o mês com dívidas a
vencer em três em cada dez contas” 8.
Então, a discussão em torno da cobrança de
mensalidades nas universidades públicas já acontece pautada sobre o notório
conhecimento a respeito da realidade de endividamento nacional. O ponto de
análise a se fazer, portanto, é que ela está diretamente atrelada as razões para
os cortes de orçamento. É muito simples. Precarizar e sucatear o ensino e a pesquisa
no país é um modo de pressionar para privatização das universidades e
instituições de ensino federais.
Por mais tosco e repugnante que possa ser, a elite
brasileira não quer perder a oportunidade de se diferenciar do resto da
população por meio da desigualdade de acesso a bens, produtos e riquezas. Como já
disse anteriormente, para ela tanto fez como tanto faz a inexistência das políticas
públicas. Não importa a perda de royalties das pesquisas, dos avanços científicos
e tecnológicos, do salto qualitativo e quantitativo da Educação nacional. Ela tem
dinheiro. Ela tem poder. Ela tem acesso. Ela dita as regras.
Contudo, não se esqueça. Embora seja chocante admitir,
o Brasil do século XXI é o Brasil do século XVI. O Brasil da “Casa Grande e Senzala”. O Brasil
elitista, racista, escravocrata, aporofóbico, preconceituoso e violento até o
último grau. O Brasil do imobilismo social. O Brasil que grita, xinga e bate na
mesa dentro dos seus limites territoriais; mas, fala calmo e suave, na mais vexatória
subserviência, quando está no contexto das grandes potências mundiais. Afinal,
uma vez Colônia sempre Colônia!
1 https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/05/24/entenda-o-que-diz-a-pec-que-propoe-cobrar-mensalidade-em-universidades-publicas.ghtml
2 https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/05/27/governo-bloqueia-145percent-da-verba-para-custeio-e-investimento-de-universidades-federais.ghtml
4 https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/04/17/classe-media-encolhe-na-pandemia-e-ja-tem-mesmo-tamanho-da-classe-baixa.ghtml
5 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/07/medalhas-idh-covid-pib-per-capita-como-o-brasil-se-compara-aos-outros-paises-do-mundo.ghtml
6 https://veja.abril.com.br/brasil/desigualdade-social-aumenta-e-felicidade-do-brasileiro-cai-na-pandemia/