22
de abril de um ano qualquer...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não sei se foi descuido, ou se
foi proposital; mas, fato é que mais um 22 de abril se registra pelos
burburinhos em torno de um mesmo ponto em comum, a ingerência.
Há 522 anos, ela se apresentava
pela introdução do país ao sistema colonialista que vigorava na época. Eram as ingerências
da Metrópole sobre a Colônia, segundo seus interesses, incluindo, até mesmo, os
mais escusos.
Agora, em pleno século XXI, no
contexto da história Republicana, são as ingerências dos mandatários do poder
que fazem corar e constranger a sociedade.
Aliás, no presente contemporâneo,
as falas do Presidente da República não necessitam ser lidas nas entrelinhas
para esclarecer seus sentidos e suas intenções. O papo é reto, como dizem por
aí, e como provam, por exemplo, as gravações daquela reunião ministerial de
2020 1.
A ingerência não visa atender aos
interesses da nação brasileira; mas, surge enviesada pela natureza privada da
pessoa humana, abstraindo-se qualquer formalidade da figura do Chefe de Estado e
de Governo.
Dessa vez, foi na expressão de uma
velha prática absolutista, a qual veio se constituir como instituto constitucional
brasileiro a partir da Independência e da promulgação da Constituição de 1824.
Simplesmente, o Presidente da
República decidiu conceder a graça constitucional a um recém-condenado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), ou seja, um perdão individual manifesto a alguém
condenado ou em cumprimento de pena.
Mas, não foi qualquer condenado. Foi
um aliado direto do governo, uma pessoa muito próxima da seara palaciana. Além disso,
ele nem se deu ao trabalho de aguardar o trânsito em julgado do processo,
surpreendendo a todos.
Porém, a utilização de um instrumento
legítimo não subtrai ou descaracteriza a manifestação da ingerência, da interferência
política, tendo em vista que as prerrogativas que sustentam o poder do Presidente
da República para a concessão da graça são expressas com base em condições
específicas.
Isso significa que ele pode
muito; mas, não pode tudo. A atitude rompante aponta para um claro desvio de
finalidade, afrontando não só o princípio da impessoalidade, que sustenta a
administração pública 2; mas, também,
a separação dos poderes.
O recurso da graça constitucional
veio desconsiderar de maneira aviltante o curso do processo, a sua fundamentação
comprobatória e a gravidade dos crimes apontados, os quais levaram ao resultado
condenatório, como se a única perspectiva a ser considerada e aceita pelo
Presidente da República, para o caso, fosse a absolvição do réu.
Em um piscar de olhos, o Brasil se
apequenou. Não só do ponto de vista interno; mas, também, externo. Mesmo nos
áureos tempos coloniais, a fragilização do sistema de governança metropolitana,
por meio de certas práxis bastante questionáveis, abriu um flanco importante
para invasões de outras metrópoles. Franceses. Holandeses. Ingleses. ...
Ora, as tomadas de decisões
precisam ser muito bem medidas e pesadas, para não culminar em consequências
além do imprevisível. Desafiar as leis, colocar em risco a estabilidade
interna, pode sim, configurar uma mensagem de desorganização anárquica,
despertando interesses alheios além das fronteiras.
Talvez, nada de apropriação
territorial nos moldes coloniais; mas, um acirramento de posições nas mesas de
negociações diplomáticas e comerciais. Uma imposição muito mais incisiva de
interesses externos em detrimento dos nossos, estabelecendo regras duras e bem
mais desiguais as quais, se não forem cumpridas, podem resultar em retaliações
significativas.
Tudo porque o Brasil abalou as
suas bases de credibilidade, de confiança, de eventual pujança, quando decidiu intempestivamente
afrontar os seus princípios democráticos, as suas leis e instituições, em nome
de interesses pouco ortodoxos.
No fundo, esses acontecimentos só
fazem esclarecer o tamanho do abandono que a governança nacional padece. Sim,
porque não só de mazelas seculares crônicas vive o Brasil. O que era ruim
tornou-se ainda pior nos últimos três anos, diante dos desmantelamentos
promovidos pela administração pública.
Escassez de recursos para
manutenção e aprimoramento das políticas e projetos nacionais. Aparelhamento nitidamente
carente de habilidade e competência na gestão das instituições. Desestabilização
decorrente da Pandemia do Sars-Cov-2 e suas variantes. Efeitos da recente
guerra na Ucrânia, e por todas as crises que emergiram desses movimentos.
Pois é, como no Titanic, faltam
botes salva-vidas para uma imensa maioria de cidadãos brasileiros. As atenções,
as preocupações, as ações, estão voltadas para uma elite da elite, um seleto
grupo de asseclas. A grande verdade é que, a governança do país gira em torno
da órbita dessas pessoas. Nada mais importa a não ser a sobrevivência e o
bem-estar delas.
Também não importam questões como decoro, integridade, honra, honestidade, correção, dignidade. De modo que não dá para esquecer as palavras do Padre António Vieira, em pleno século XVII, de que “A restituição do respeito é muito mais difícil do que a do dinheiro”. Afinal, certas atitudes inevitavelmente suscitam a seguinte dúvida, “Se nos vendemos tão baratos, porque nos avaliamos tão caros? ”.
1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/leia-integra-da-transcricao-do-video-da-reuniao-ministerial-de-22-de-abril-entre-bolsonaro-e-ministros.ghtml
2 O qual “busca traduzir a noção de que a administração pública deve tratar todos os cidadãos e cidadãs sem discriminações. Divergências e convergências políticas/ideológicas, simpatias ou desavenças pessoais não podem interferir na atuação e tratamento por parte dos servidores públicos”. (Fonte: https://www.clp.org.br/limpe-os-5-principios-da-administracao-publica-mlg2/).