Só
mais uma gota de hipocrisia!
Por
Alessandra Leles Rocha
Vamos e convenhamos, há limite
até para a hipocrisia! Sim, porque todo o espanto, toda a perplexidade,
manifestado nos últimos dias não passa disso, hipocrisia. Sim, porque é só uma
forma bastante fajuta de tentar aplacar a consciência pelo pecado da omissão,
da inação, da covardia negligente. Afinal, quem nunca ouviu que “é melhor prevenir do que remediar”,
hein?! Pois é.
Nunca as verdades estiveram tão
às claras como na contemporaneidade. Talvez, pela ideia de que tudo é efêmero,
passageiro, volátil, as pessoas perderam o pudor de dissimular, de esconder, de
ofuscar o que, de fato, lhes habitava alma. Assim, perderam o freio, os modos,
a compostura, e transbordaram a sua verborragia de maneira incontrolável. Só não
viu e ouviu quem não quis ver e ouvir!
Sem contar, que é de a natureza
humana testar os limites. Verificar até onde se é permitido e tolerável transitar
nas relações sociais. Desde pequenino é assim. Então, a medida em que a
permissividade flexibiliza as regras do jogo, as situações vão saindo
naturalmente fora do controle. Não é à toa o alerta trazido por um outro
provérbio, que diz “é de menino que se
torce o pepino”!
Mas, todos querem liberdade de
maneira ampla e irrestrita. Para fazer e acontecer, sem medir as consequências.
Então, começam a se constranger em impor limites uns aos outros. Afinal de
contas, não querem melindrar nem constranger seus pares, para não terem que
provar do mesmo remédio. Vão fazendo, portanto, vista grossa para tudo e para
todos. Não importa se é uma bobagem ou algo gravíssimo. O padrão definido passou
a ser “lavar as mãos” para quaisquer
absurdos.
Entretanto, eis o dia em que a
vida cobra a fatura. Às vezes, até mesmo, com certo requinte de crueldade e
escárnio. Foi o que aconteceu pelas mãos do decreto da graça concedido, há dois
dias, pelo Presidente da República.
Depois de tudo que ele já disse e
fez na sua longa carreira política, tal atitude só manteve a linearidade da sua
própria coerência. Tomando por base os cenários configurados por suas atitudes,
totalmente isentos de represálias ou punições contundentes e assertivas, ele
deu continuidade ao seu repertório de distensões aos limites.
Paremos de tampar o sol com
peneiras, porque ele se sente plenamente confortável com a retórica hipócrita que
se manifesta diante de suas atitudes intempestivas. Tratam-se de discursos e
narrativas vazias de qualquer efeito inibidor ou resolutivo, que só fazem
satisfazer as manchetes midiáticas e nada mais. Ele sabe que no jogo dos
interesses políticos, no fim das contas, ninguém quer se indispor, como já
ficou claro até aqui.
É contemporização aqui, outra
acolá. Sempre no aguardo que os ânimos esfriem e o assunto caia no esquecimento
da opinião pública. Não importando os prejuízos que se avolumem para o país, em
decorrência dessa total desgovernança.
Sim, porque o país está
nitidamente à deriva. Padecendo de um emaranhado de crises socioeconômicas gravíssimas,
sem que ninguém tome providências cabíveis a respeito. E nem se pode dizer que
a inação que se vê seja produto do ano eleitoral, porque não é. Ela está presente
há tempos bem anteriores à eleição desse ano. Vai ter a coragem de dizer que
não?
Foi essa dinâmica toda que deixou
a população à mercê do próprio azar. Sim, azar. Aliás, algo que é fruto de um
excesso de confiança no que ela chama de esperteza, de malandragem; mas, que
não passa de uma preguiça ignorante de assumir as responsabilidades inerentes à
sua cidadania. Porque o silêncio da população referenda a inação do poder
público. Não dizem por aí que “a voz do
povo é a voz de Deus”, então...
O adoecimento da nossa República,
da nossa Democracia, do nosso Estado de Direito, então, é o efeito cumulativo
de todo tipo de hipocrisia que se tece no país. O pior disso é ter a certeza de
que “As nossas maiores dissimulações são
desenvolvidas não para esconder o que há de ruim e feio em nós, mas o nosso
vazio. A coisa mais difícil de esconder é aquilo que não existe” (Eric Hoffer –
escritor norte-americano).
O que em síntese é a inexistência
de uma identidade nacional que seja verdadeiramente capaz de sustentar o nosso compromisso
cidadão. Infelizmente, não conseguimos ter uma identidade que vai além do nosso
individualismo selvagem. Vivemos com os olhos fixos no próprio umbigo, nos próprios
interesses, o que significa que, na maior parte do tempo, “os seres humanos definem a realidade através da desgraça e do
sofrimento” (Matrix) 1.
Então, quando a situação aperta, se torna insustentável, o mecanismo mais prático para lidar com a inconveniência é a hipocrisia. Dessa forma, parafraseando o escritor francês, Honoré de Balzac, os costumes acabam se tornando a hipocrisia de uma nação. A tal ponto de que, gota a gota desse veneno, vamos adoecendo rumo ao fim.