Nem
contra, nem a favor, muito pelo contrário!
Por
Alessandra Leles Rocha
Nada de errado quanto às opiniões
diferentes. Sinal de que o mundo ainda mantém a sua gênese plural. É assim que
deve ser, pessoas díspares, cada uma contribuindo com a sua perspectiva, o seu
ponto de vista, a respeito de um determinado assunto. No entanto, os tempos
contemporâneos fizeram da dicotomia do contra e a favor a síntese da
discordância opinativa.
Distante dos argumentos bem
construídos, bem fundamentados, bem organizados, o ser humano simplesmente
transformou a dialogia em uma praça de guerra das paixões mundanas.
Concordantes e discordantes se digladiam para firmar a sua certeza, como
princípio absoluto da razão. Algo que, no caso do Brasil, fica demasiadamente evidente.
Não sei se trazido do espírito
competitivo presente no status de país do futebol, a verdade é que esse
sentimento afoito e intempestivo tomou conta do cenário mais importante da
sociedade brasileira, que é a política. O que foi profundamente impactante, do
ponto de vista negativo, tendo em vista a fragilidade notória da consciência
cidadã nacional.
Foi como se uma linha tivesse
sido marcada, com giz, no chão de algum lugar qualquer. De repente, de maneira
quase automática, pessoas se dispuseram de um lado e de outro sem muita noção
do aquilo significava, apenas tendo sido movidas por um palavrório inflamado
que exercia um papel motivador contagiante.
Porém, essa descrição
exemplificativa, não traduz exatamente esse movimento, na inteireza da sua
complexidade. O Brasil é um país historicamente de matriz colonial, o que
significa que suas bases sociais foram configuradas a partir da discussão sobre
dominados e dominadores (ou explorados e exploradores). Em síntese, um berço de
desigualdades em estado bruto.
Foram elas, então, que permitiram
a construção de perspectivas sociais profundamente diferentes, apesar da
convivência e da coexistência sob um mesmo espaço geográfico. Isso explica um
grupo dominador, minoritário em relação ao dominado, desfrutando de todas as
regalias e privilégios por conta do conjunto de poderes que sempre deteve em suas
mãos. E um grupo majoritário de dominados, sobrevivendo sem vez e voz na
sociedade, a mercê de uma indignidade social aceita e exercida pelos
dominadores.
É dessa gênese que emerge a
sociedade brasileira contemporânea. Dessa fragmentação histórica que não
conseguiu superar, pela passagem do tempo, o ranço dessas perspectivas sociais
tão distintas. De modo que a construção política se deu atrelada a esse cenário,
fazendo das diferenças sociais uma impossibilidade de desconstrução de velhos
paradigmas e dessa compreensão uma justificativa para a manutenção de uma
rivalidade entre lados opostos.
Por conta disso, tudo o que não
está na pauta de discussão política nacional é o país. O inconsciente coletivo
do brasileiro foi tão desastrosamente impregnado por essa tensão histórica, que
o desenvolvimento dos interesses nacionais, os quais beneficiariam a todos
indistintamente, não conseguem ser trabalhados. Tanto que as velhas mazelas,
como é o caso dos crimes contra a administração pública 1,
por exemplo, encontram espaço livre para se perpetuar.
Então, a cada ciclo eleitoral o
país se expõe ao acirramento dessa dicotomia, até mesmo, de maneira
inconsciente. O medo de que haja uma expansão do exercício cidadão, por parte dos
partidos políticos que apoiam aqueles que vieram secularmente sendo alijados
dos seus direitos e participação social, é diretamente proporcional ao medo
daqueles que não querem a continuidade da ala política que defende
ardorosamente a supremacia dos beneficiados por todo tipo de regalias e
privilégios.
Até que, o jogo de discursos e
narrativas passa a ultrapassar o equilíbrio da diplomacia política e social, para
atentar a paz por meio da beligerância de atitudes extremas e irrefletidas.
Pois, o desejo de ter razão, na contemporaneidade, ganhou, portanto, contornos
muito mais perigosos.
A começar pela Pós-Verdade, que é
disseminada aos milhões de informações meticulosamente criadas para modelar a
opinião pública e satisfazer aos interesses de uns e outros. Como se a
dicotomia do contra e a favor abdicasse da análise crítica e reflexiva dos
fatos, para se render à vulnerabilidade que reside no apelo as emoções e às crenças
pessoais.
De modo que não escapa ninguém,
nem mesmo aqueles que possam ser considerados aptos para opinar com isenção. Gente
com largo conhecimento e experiência profissional e de vida. Como se tivessem
sido contaminados por uma superficialidade que não só limita a possibilidade de
aprofundamento dos assuntos; mas, também, cria um certo tipo de entorpecimento
aos sentidos.
De repente, todos precisam se
tornar partidários de um lado ou de outro das questões, ainda que não saibam
exatamente o que isso quer dizer ou possa vir a representar. São movidos por ego,
por sentimentos, por interesses, por supostas vantagens, por algo que está
alheio ao que de fato importa coletivamente.
E assim, vamos andando em
círculos nessa espiral de loucura. Criando convicções, como quem faz bolhas de
sabão. Repetindo histericamente comportamentos e linguagens contrárias aos
padrões de civilidade conhecidos. Reproduzindo a história dentro de cenários
absolutamente desajustados ao trânsito do tempo. Abdicando da consciência, da
reflexão, do pensamento, em nome de uma unanimidade parcial e previamente
definida. No fim das contas, nada mais nada menos do que escrevendo a mesma
história por meio de sinônimos, só para fazer tudo parecer uma grande novidade.