Nada
como um dia após o outro...
Por
Alessandra Leles Rocha
Nada como colocar os pingos nos
is, para se ter uma real dimensão da vida. Durante muito tempo o país vendeu seus
discursos e narrativas como manifestação de uma representatividade popular coletiva,
a qual, no fundo, nunca existiu.
Então, os últimos três anos
vieram definitivamente sacodir as poeiras, revirar os guardados, mexer com as
estruturas, faxinar geral a história, a fim de colocar tudo no seu devido
lugar. Dando a cada coisa ou situação a denominação precisa, a compreensão
exata.
Já diz o provérbio popular, “Quando a esmola é demais o santo desconfia”.
Há pouco mais de 130 anos de República no Brasil, que questões tais como
liberdade, corrupção, carga tributária, desenvolvimento e progresso, circulam
como anseios comuns à população local, quando não é bem assim.
O que acontece é que os
mandatários do poder sempre precisaram da legitimidade popular para os seus próprios
interesses. Era preciso inflamar a opinião pública a respeito dos problemas,
para postarem-se como exímios servidores capazes de dar cabo às aflições populares.
No entanto, na hora de colocar a
mão na massa, de resolver mesmo a situação, tudo era devidamente enviesado para
satisfazer aos interesses de uma pequena parcela da sociedade brasileira. Aquela
que já vinha, desde os tempos coloniais, desfrutando de todas as regalias, privilégios,
poderes e status, e que a partir da República constituiu a base do ideário direitista.
Portanto, todos os caminhos da
vida brasileira sempre orbitaram o universo dessas pessoas, o universo da Direita,
ainda que de uma maneira disfarçada, ocultada por uma aparência de boas
intenções e apreço pelo povo.
Então, agora, em plena
contemporaneidade, inspirados pelos movimentos de Direita, especialmente, os
mais extremistas, essa parcela da população brasileira saiu do seu pseudoanonimato
para hastear bem alto as suas convicções. Deixando, bem claro, ao restante da
população que o seu lugar deve ser o de permanecer a margem da história.
Ora, não se trata de nenhuma
especulação; mas, de uma constatação com base na experimentação diária do
cotidiano brasileiro. A Direita está, como se diz por aí, “deitando e rolando” nas suas regalias, privilégios, poderes e
status, ainda que sejam representativamente uma ínfima camada da população.
Isso explica, sem quaisquer
chances de dúvida, a razão pela qual o país transita em círculos repetitivos,
sem que suas mazelas jamais sejam resolvidas. Nossos problemas e maiores
desafios não estão concentrados nas figuras A, B ou C; mas, nessa estrutura
secular denominada Direita.
Basta um pouco de atenção, sobre
quaisquer dos 3 Poderes da República, por exemplo, para perceber como os
discursos acabam, de um jeito ou de outro, convergindo na mesma direção. Porque
a base deles é constituída por elementos da Direita.
O que significa que, o país vira
daqui mexe dali, mas não consegue se livrar do ranço de certas ideias retrógradas
e absurdas, porque elas garantem a estabilidade de uma zona de conforto há mais
de 500 anos.
Assim, essa estrutura ideológica cria
um emaranhado de desafios sociais que contêm de maneira incisiva, qualquer
eventual arroubo da população, que se encontra nas demais camadas do estrato
social, impedindo-a de insurgir contra esse Status
quo.
As pessoas ficam tão cansadas,
tão desgastadas, tão exaustas do seu cotidiano, das longas jornadas pela sobrevivência,
que não conseguem manter a atenção sobre o que realmente acontece de mais
importante no país e que afeta a sua própria realidade.
É sempre muito bom lembrar do que
escreveu George Orwell, em sua obra “1984”, “
Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”; pois, “Quem controla o passado, controla o futuro;
quem controla o presente, controla o passado”.
Isso significa que até aqui, os
caminhos transitaram pela seguinte lógica, “se
lazer e segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande massa de
seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e
aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde
essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função
nenhuma e acabaria com ela” (George Orwell).
A manutenção das desigualdades é
uma ferramenta, portanto, de alienação e controle social. Porque ela priva a
grande massa da população do exercício contínuo da sua cidadania, relegando-o
ao mero ato de um voto, que não traduz a construção de uma consciência política,
apenas um movimento autômato.
Aliás, a instituição do sufrágio universal,
não deixa de ser um mecanismo para fazer as pessoas se sentirem importantes e
participantes do processo político, a partir da oferta consolidada de um
direito. No entanto, ele permanece um direto vazio que não cumpre o papel transformador
da sociedade.
E apesar de tudo isso ser triste
e terrivelmente impactante, na ótica da contemporaneidade, na verdade, não
passa de uma espuma que esconde algo ainda maior e mais terrível que está em
curso. Esse processo que se desenha ao longo de mais de 500 anos no Brasil e
que, também, aconteceu em tantos outros países, agora adquire novas formas e
contornos que podem ser mais brutais e perversos.
A matéria publicada há dois dias,
pelo MIT Technology Review, intitulada “A
inteligência artificial está criando uma nova ordem mundial colonial” 1, merece sem dúvida alguma uma leitura plena
e reflexiva. Segundo a referida publicação, “o
impacto da IA está repetindo os padrões da história colonial”, o que
significa que ela “está usando outros
meios mais insidiosos para enriquecer os ricos e poderosos às custas dos pobres”.
Portanto, o objetivo desse artigo
é “ampliar a visão do impacto da IA na sociedade
para começar a descobrir como as coisas poderiam ser diferentes”. O que em
linhas gerais se traduz em um movimento de análise crítico-reflexiva em torno
da cidadania, a partir da destruição de camadas de escombros sociais seculares
que vieram se depositando e se agregando à revelia da grande massa das
populações.
Afinal, os tempos atuais nos impõem
a seguinte reflexão, “A verdadeira
divisão não é entre revolucionários e conservadores, mas entre autoritários e
libertários” (George Orwell). E só se compreende isso, com a precisão
necessária, quando a ideia de que “sem
contato com o mundo externo e o passado, o cidadão [...] é como um homem no
espaço interestelar que não tem meios de saber que direção leva para baixo ou
para cima” (George Orwell).
Desse modo, antes que fiquemos à
deriva, de fato, na nossa República Colonial ou Colônia Republicana, não nos
esqueçamos de que ainda há possibilidade de desconstrução, de transformação, de
ressignificação; pois, segundo Jean-Paul Sartre, “O homem deve ser inventado a cada dia”. Bora, então, que o tempo urge!