quinta-feira, 21 de abril de 2022

Nada como um dia após o outro...


Nada como um dia após o outro...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nada como colocar os pingos nos is, para se ter uma real dimensão da vida. Durante muito tempo o país vendeu seus discursos e narrativas como manifestação de uma representatividade popular coletiva, a qual, no fundo, nunca existiu.

Então, os últimos três anos vieram definitivamente sacodir as poeiras, revirar os guardados, mexer com as estruturas, faxinar geral a história, a fim de colocar tudo no seu devido lugar. Dando a cada coisa ou situação a denominação precisa, a compreensão exata.

Já diz o provérbio popular, “Quando a esmola é demais o santo desconfia”. Há pouco mais de 130 anos de República no Brasil, que questões tais como liberdade, corrupção, carga tributária, desenvolvimento e progresso, circulam como anseios comuns à população local, quando não é bem assim.

O que acontece é que os mandatários do poder sempre precisaram da legitimidade popular para os seus próprios interesses. Era preciso inflamar a opinião pública a respeito dos problemas, para postarem-se como exímios servidores capazes de dar cabo às aflições populares.

No entanto, na hora de colocar a mão na massa, de resolver mesmo a situação, tudo era devidamente enviesado para satisfazer aos interesses de uma pequena parcela da sociedade brasileira. Aquela que já vinha, desde os tempos coloniais, desfrutando de todas as regalias, privilégios, poderes e status, e que a partir da República constituiu a base do ideário direitista.

Portanto, todos os caminhos da vida brasileira sempre orbitaram o universo dessas pessoas, o universo da Direita, ainda que de uma maneira disfarçada, ocultada por uma aparência de boas intenções e apreço pelo povo.

Então, agora, em plena contemporaneidade, inspirados pelos movimentos de Direita, especialmente, os mais extremistas, essa parcela da população brasileira saiu do seu pseudoanonimato para hastear bem alto as suas convicções. Deixando, bem claro, ao restante da população que o seu lugar deve ser o de permanecer a margem da história.

Ora, não se trata de nenhuma especulação; mas, de uma constatação com base na experimentação diária do cotidiano brasileiro. A Direita está, como se diz por aí, “deitando e rolando” nas suas regalias, privilégios, poderes e status, ainda que sejam representativamente uma ínfima camada da população.

Isso explica, sem quaisquer chances de dúvida, a razão pela qual o país transita em círculos repetitivos, sem que suas mazelas jamais sejam resolvidas. Nossos problemas e maiores desafios não estão concentrados nas figuras A, B ou C; mas, nessa estrutura secular denominada Direita.

Basta um pouco de atenção, sobre quaisquer dos 3 Poderes da República, por exemplo, para perceber como os discursos acabam, de um jeito ou de outro, convergindo na mesma direção. Porque a base deles é constituída por elementos da Direita.

O que significa que, o país vira daqui mexe dali, mas não consegue se livrar do ranço de certas ideias retrógradas e absurdas, porque elas garantem a estabilidade de uma zona de conforto há mais de 500 anos.

Assim, essa estrutura ideológica cria um emaranhado de desafios sociais que contêm de maneira incisiva, qualquer eventual arroubo da população, que se encontra nas demais camadas do estrato social, impedindo-a de insurgir contra esse Status quo.

As pessoas ficam tão cansadas, tão desgastadas, tão exaustas do seu cotidiano, das longas jornadas pela sobrevivência, que não conseguem manter a atenção sobre o que realmente acontece de mais importante no país e que afeta a sua própria realidade.

É sempre muito bom lembrar do que escreveu George Orwell, em sua obra “1984”, “ Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”; pois, “Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”.

Isso significa que até aqui, os caminhos transitaram pela seguinte lógica, “se lazer e segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela” (George Orwell).

A manutenção das desigualdades é uma ferramenta, portanto, de alienação e controle social. Porque ela priva a grande massa da população do exercício contínuo da sua cidadania, relegando-o ao mero ato de um voto, que não traduz a construção de uma consciência política, apenas um movimento autômato.  

Aliás, a instituição do sufrágio universal, não deixa de ser um mecanismo para fazer as pessoas se sentirem importantes e participantes do processo político, a partir da oferta consolidada de um direito. No entanto, ele permanece um direto vazio que não cumpre o papel transformador da sociedade.  

E apesar de tudo isso ser triste e terrivelmente impactante, na ótica da contemporaneidade, na verdade, não passa de uma espuma que esconde algo ainda maior e mais terrível que está em curso. Esse processo que se desenha ao longo de mais de 500 anos no Brasil e que, também, aconteceu em tantos outros países, agora adquire novas formas e contornos que podem ser mais brutais e perversos.

A matéria publicada há dois dias, pelo MIT Technology Review, intitulada “A inteligência artificial está criando uma nova ordem mundial colonial” 1, merece sem dúvida alguma uma leitura plena e reflexiva. Segundo a referida publicação, “o impacto da IA está repetindo os padrões da história colonial”, o que significa que ela “está usando outros meios mais insidiosos para enriquecer os ricos e poderosos às custas dos pobres”.

Portanto, o objetivo desse artigo é “ampliar a visão do impacto da IA na sociedade para começar a descobrir como as coisas poderiam ser diferentes”. O que em linhas gerais se traduz em um movimento de análise crítico-reflexiva em torno da cidadania, a partir da destruição de camadas de escombros sociais seculares que vieram se depositando e se agregando à revelia da grande massa das populações.

Afinal, os tempos atuais nos impõem a seguinte reflexão, “A verdadeira divisão não é entre revolucionários e conservadores, mas entre autoritários e libertários” (George Orwell). E só se compreende isso, com a precisão necessária, quando a ideia de que “sem contato com o mundo externo e o passado, o cidadão [...] é como um homem no espaço interestelar que não tem meios de saber que direção leva para baixo ou para cima” (George Orwell).

Desse modo, antes que fiquemos à deriva, de fato, na nossa República Colonial ou Colônia Republicana, não nos esqueçamos de que ainda há possibilidade de desconstrução, de transformação, de ressignificação; pois, segundo Jean-Paul Sartre, “O homem deve ser inventado a cada dia”.  Bora, então, que o tempo urge!