A
insalubridade e seus vieses na contemporaneidade
Por
Alessandra Leles Rocha
Recentemente, o mundo foi
surpreendido com o afastamento de um importante ator de filmes de ação, das suas
atividades cinematográficas, após o diagnóstico de Afasia 1.
Agora, é a vez de um dos mais renomados
cartunistas brasileiros 2. Querendo
ou não, esses episódios acabam por acender o alerta sobre o adoecimento
populacional.
De doenças consideradas comuns
até as mais complexas, como é o caso da Afasia, as conjunturas começam a
mostrar um cenário no qual o adoecimento e a expansão da expectativa de vida no
planeta tendem a estabelecer uma disputa acirrada entre si. Algo que promete
uma série de desdobramentos e consequências que irão impactar, tanto direta
quanto indiretamente, as relações socioeconômicas daqui por diante.
Daí a necessidade de nos
atentarmos para esses fatos e nos despertarmos em relação as implicações que
eles representam dentro do contexto de um mundo já conturbado e permeado de
problemas graves. Sobretudo, porque ainda que se imagine muitas dessas doenças
como uma sentença de morte, o processo até culminar no inevitável fim pode ser
longo, sofrido e demasiadamente oneroso.
Considerando que o corpo humano é
uma máquina biológica, não é de se espantar que vez por outra os desajustes e os
desgastes venham se apresentar na forma de doenças. A grande questão é que o
adoecimento não para por aí. A evolução científica e tecnológica da humanidade impôs
aos seres vivos uma exposição a energias, substâncias e produtos que vieram
impactar diretamente às condições naturais dos ambientes.
Ondas eletromagnéticas de alta potência.
Radioatividade. Metais pesados. Agrotóxicos. Medicamentos. Produtos de limpeza.
Hidrocarbonetos e derivados. Organismos geneticamente modificados (OGM). ...
São alguns dos exemplos que compõem a realidade humana há algumas décadas. No entanto,
seja por falta de genuíno interesse ou pela própria omissão dos responsáveis,
muito pouco se sabe a respeito das consequências e repercussões deles sobre a
qualidade de vida e do ambiente.
Ora, e eles estão presentes em
todos os lugares. No solo. Na água. No ar. Nos alimentos. Em equipamentos que
fazem parte do cotidiano contemporâneo. Enfim... De modo que não há como
dissociar a presença deles da dinâmica social. Talvez, reduzir. Mas, isso não
representaria uma mitigação dos impactos tão significativa a ponto de resguardar
a salubridade humana, dada a quantidade de produção deles no planeta.
Assim, basta somar um mais um,
para desencadear uma certa especulação em relação à existência de uma
correlação desse processo à disparada do adoecimento global. Sobretudo, em
relação a uma expansão importante de doenças raras, que atualmente contemplam
um espectro de aproximadamente 8 mil patologias.
Dentre elas estão a esclerose
múltipla, a hemofilia, a neuromielite óptica, o autismo, a acromegalia, a
doença de Cushing, a tireoidite autoimune, a doença de Addison, a anemia de
Fanconi, a demência vascular, a fibrose cística, a mucopolissacaridose e a
Síndrome de Guillain-Barré.
A verdade, é que a grande maioria
da população sequer tem reais condições de tecer uma reflexão sobre as
condições do mundo em que vive. Ela simplesmente vive e convive com os
resultados da evolução científica e tecnológica; de modo que, acaba sendo
conduzida e manipulada com base na disseminação de informações distorcidas, ou erráticas
e/ou insuficientes.
Sem contar que, na maioria das
vezes, as fragilidades que compõem o seu acesso aos serviços
médico-hospitalares exercem um tipo de filtragem que impede uma investigação
dos quadros clínicos mais aprofundada e suficiente para traçar um panorama
real.
Considerando que cada organismo é
único, do ponto de vista do seu mapa genético, a relação que estabelecemos com
tais energias, substâncias e produtos tem um grau de especificidade próprio,
que impossibilita a defesa de um protocolo padrão que contemple com efetividade
a coletividade humana.
Há organismos mais frágeis. Outros
mais resistentes. Há presença ou não de comorbidades preexistentes. Além disso,
a periodicidade e a intensidade de exposição são componentes que não podem ser
desconsiderados na análise desse processo.
Então, quando olho para a humanidade
e a vejo tão cheia de certezas, de convicções, me preocupo. Talvez, nada seja
tão imprevisivelmente devastador quanto o surgimento de uma doença. Adoecer é
um jogo de azar, ou seja, 50% de chances de se salvar e 50% de morrer.
Dinheiro, infraestrutura, bons
profissionais, acesso aos tratamentos mais vanguardistas, nada disso é garantia
de nada. Todos os dias milhares de pessoas morrem, apesar de muitas disporem de
condições sociais satisfatórias para enfrentar os desafios impostos pelas
doenças.
A questão não está meramente em
ter ou não recursos. Deveríamos estar preocupados, portanto, em prevenir o
adoecimento humano, o qual de maneira acachapante ceifa diariamente do planeta,
uma gigantesca parcela da população economicamente ativa, a qual em condições
satisfatórias poderia desfrutar da expectativa de vida que lhe é pertinente.
É bizarro, como a humanidade se
permite não só amontoar perdas na figura de pilhas de cadáveres; mas,
proliferar doenças a fim de não interromper esse ciclo funesto e involutivo. Há
uma necessidade real de compreender que é desse estranho comportamento social
que o Brasil, por exemplo, permite constituir um movimento de judicialização da
saúde.
Diante da desigualdade no trato do
orçamento público, a gestão corrói os recursos e os investimentos para a saúde
da população, desde os orçamentos com educação superior e pesquisas até a
manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, em contrapartida, também não
trabalha no sentido de mitigar o volume de demandas, através da prevenção e da
melhoria das condições de sobrevivência social dos seus cidadãos.
A conta, então, não fecha e um
gargalo se estabelece. É quando entra em cena o Poder Judiciário para mediação
dos conflitos e fazer cumprir as previsões legais. Assim, precisamos nos
perguntar se a judicialização é mesmo o suficiente.
Será que podemos lidar com todas
as imprevisibilidades do adoecimento populacional por meio da Justiça? Creio que
não, dada a dimensão da complexidade desse assunto. A doença no ser humano é
feita por camadas que ultrapassam o campo de visão das ciências médicas para
alcançar o mais profundo da verdade social, trazendo à tona discussões pouco agradáveis
a certas parcelas da sociedade.
Não nos esqueçamos, portanto, do
que escreveu Helen Adams Keller, “É um
erro sempre contemplar o bom e ignorar o ruim, porque fazendo isso os povos
negligenciam os desastres. Há um otimismo perigoso do ignorante e do
indiferente”. Por isso, o adoecimento populacional representa sim, uma
chaga aberta e dolorosa nesses tempos contemporâneos, que se não for tratada a
contento pode ameaçar a sobrevivência da nossa espécie.