A
íntima relação entre as guerras e as desigualdades
Por
Alessandra Leles Rocha
Vira daqui, mexe dali, e no fim
das contas historicamente tudo converge para as desigualdades. Haja vista o que
foi a dizimação de inúmeros povos originários, durante o período colonial, dada
a disparidade de forças que se estabeleceu entre colonizados e colonizadores.
Acontece que os séculos se passaram
e essa realidade no campo dos conflitos não só permaneceu; mas, se acirrou com
o advento das armas nucleares, biológicas e químicas, as quais nem todos os
países tiveram o mesmo nível de acessibilidade.
Isso significa que nos rearranjos
geopolíticos que vieram se estabelecendo, principalmente depois da Segunda Guerra
Mundial, de maneira explícita ou implícita, a verdade é que diversos países se colocam
sob uma eventual guarida bélica das potências que realmente desfrutam desse
poder.
Portanto, a desigualdade no campo
do confronto armamentista tece certas alianças e aproximações necessárias para
mitigar eventuais investidas surpresa. Mas, é lógico que essa proteção cobra um
preço.
Afinal, ela amplia o poder de influência
geopolítica de quem protege, sob diferentes aspectos. O que significa manter-se
numa zona de conforto bastante útil, pelo fato de ter cartas na manga muito
poderosas e que não enfrentam uma resistência maciça.
Daí a razão de ela ser
questionada a respeito de não se dispor a mostrar qualquer interesse em atuar a
favor da redução da desigualdade, ao invés de manter esse tipo de controle. Agora,
diante da invasão da Ucrânia pela Rússia se tem a perspectiva real desses
movimentos.
A Rússia tenta justificar sua incursão
no país vizinho, com base em suposto temor da proximidade da Ucrânia com os
países ocidentais, como se isso representasse uma ameaça a sua estabilidade e
segurança.
Ora, na verdade, os russos
provaram que quaisquer países em condições bélicas inferiores as suas, como no
caso da Ucrânia, podem se tornar seus alvos de ataque, sem qualquer pudor ou
argumento plausível. Então, eles não deveriam ter o direito de se proteger, de
se defender?
Talvez, por isso, antecipando
esse tipo de deslocamento, é que alguns países como a Estônia, Letônia e Lituânia,
tenham se integrado à União Europeia (UE), tão logo, o fim do antigo bloco da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o qual eles faziam parte. Algo
que a Ucrânia, diante da atual guerra, agora pretende formalizar.
Assim, considerando que alguns
desses países estão, também, na rota geográfica da Rússia, no leste europeu, o
desalinhamento da Ucrânia às influências de Moscou, graças ao fortalecimento dela
através da UE, significaria prejuízos importantes aos interesses geopolíticos russos.
Sim, porque uma a adesão à UE representa
o fortalecimento de aspectos econômicos e políticos, incluindo militares, por
meio de parcerias entre os 27 países-membros, ou seja, Alemanha, Áustria, Bélgica,
Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia,
França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia,
Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, República Tcheca, Romênia e Suécia.
De repente, se percebe que a
desigualdade que fortalece alguns desfavorece aos outros. No caso da Rússia, a
sua imponência bélico-militar tende a se fragilizar diante de um coletivo de
forças equivalentes as suas.
E foi justamente nesse ponto que
a tática russa se equivocou, ao gerar um conflito sem pé nem cabeça. Ela não só
agregou, ainda mais, aqueles que ela gostaria de desagregar no continente europeu;
mas, também, aproximou o apoio norte-americano deles.
Desde o fim da URSS, a Rússia
parece insistir em lutar contra um fantasma que quer ameaçar o seu quinhão de poder
e influência no mundo, como ela desfrutava nos áureos tempos da Guerra Fria.
Tudo isso, então, nos dá pistas importantes
sobre as razões que levam o mundo a viver sob eterna tensão. A presença da
desigualdade, independentemente da forma ou conteúdo que ela se configure, é um
instrumento antipacifista por excelência, na medida em que frustra a possibilidade
de igualdade e equidade, parcial ou integralmente, das nações.
De modo que ela desequilibra e
desregula as relações humanas a tal ponto de conseguir promover a destruição da
autonomia, da independência, da liberdade, de um dos lados em questão, ou seja,
aquele que está em desvantagem sob algum aspecto.
Porém, apesar dos pesares, ela
sinaliza de uma maneira bastante contundente uma verdade incontestável. Ninguém,
e nem quaisquer países, são autossuficientes em tudo. Razão pela qual o mundo
precisa equacionar e reequilibrar o seu conjunto de forças, para que a
cooperação, as parcerias, as colaborações, o auxílio mútuo, o esforço conjunto,
possa acontecer de maneira distensionada e distante de conflitos de alta beligerância.
Por isso, acredito que a
desigualdade a ser eliminada prioritariamente seja essa, a bélico-militar. Afinal
de contas, a existência humana tem um leque de demandas a serem supridas e que
se tornam reféns de disputas totalmente antiproducentes.
Então, enquanto todos tentam
segurar suas cartas na manga, na materialidade de seus arsenais, um sinal claro
e objetivo de desconfiança e ameaça iminente ronda a humanidade e não leva nada
a lugar algum.
De modo que todas as demais
relações diplomáticas, comerciais e humanitárias, que pareciam urgentes, se
mostram, na verdade, como um transpirar de teatralidade ficcional absurdo. De repente,
todos se esquecem da miséria, da fome, do desemprego, das doenças, ... Porque
todos passam a saber que cada um dos atores esconde consigo uma arma prestes a
destruir o outro.
Aí, basta uma falha de
comunicação, um mal-entendido, um desinteresse repentino, uma aliança
equivocada, ... e as rupturas são deflagradas ao ritmo dos tanques e das
bombas. Os mais pobres ficarão mais
pobres. Os mais ricos ficarão mais ricos. Enquanto a desigualdade triunfa, como
sempre fez, o seu esplendor nefasto. Assim, a humanidade se entorpece e
continua acreditando que “A guerra é a
paz. A liberdade é a escravatura. A ignorância é a força” (George Orwell,
1984).