sábado, 26 de fevereiro de 2022

Guerra. Paz. No fim, tudo parte da reflexão.


Guerra. Paz. No fim, tudo parte da reflexão.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A experiência de uma guerra real, talvez, seja capaz de fazer com que uma boa parte da humanidade reavalie os seus pontos de vista políticos. Especialmente, no que diz respeito a desconsiderar ou desqualificar certos discursos e comportamentos de seus representantes, atribuindo-lhes, muitas vezes, um caráter de mera fanfarronice. Afinal, no campo político nada é à toa, nada é brincadeira, nada é blefe, porque por trás das ações há intenções que não se conhece nem em extensão e nem em profundidade.

E o governo russo está provando tudo isso. O movimento da diplomacia internacional em monitorá-lo ao longo de décadas e, particularmente, depois da anexação da Crimeia, em 2014, e o seu apoio e reconhecimento de áreas separatistas na Ucrânia, no mesmo ano, mostrou-se insuficiente para conter quaisquer novas iniciativas ainda mais belicosas. A Ucrânia está sob ataque e ameaça russa nesse momento.  

Isso significa que prevenir ainda é o melhor remédio. Até mesmo, nas relações diplomáticas. Os limites e sanções precisam oferecer a segurança e a consistência exemplificativa, para dissuadir a continuidade dos atos ofensivos e delituosos que um dado país, ou conjunto de países, pretenda colocar em prática. Afinal de contas, a própria Segunda Guerra Mundial provou de todas as maneiras possíveis que a diplomacia dialógica não funciona diante de certas figuras dotadas de poder.

A aura de superioridade, de blindagem, de inacessibilidade que a investidura em cargos de governança e liderança de Estado constitui esbarra em um limite muito tênue entre a razão e a loucura. Quaisquer traços ou sinais de desequilíbrio psicoemocional podem tornar essa aura um instrumento terrível e devastador. Totalmente incontrolável, na medida em que o balizamento entre o certo e o errado, o humano e o desumano, o legítimo e o ilegítimo, o legal e o ilegal, desaparece como fumaça.

E, infelizmente, não é necessário chegar aos extremos para se perceber os caminhos que começam a ser transitados por essas pessoas. As linguagens verbais e não verbais são bastante elucidativas para desencadear um movimento mais atencioso, mais perspicaz a respeito. Pois, em algum momento, o ser humano é traído por sua própria identidade, sua própria essência, em algo muito mais significativo do que um simples ato falho.

Daí o risco imenso que se corre em “bater palma para maluco dançar”. Geralmente, quem age assim, não mede as consequências e, portanto, não sabe desatar os nós que elas podem resultar. A situação, então, sai fora de controle e começa a gerar uma retroalimentação de problemas, cada vez mais complexos e danosos. Como é o caso da guerra que estamos presenciando.

Ora, ainda que as análises diplomáticas se baseiem em um conjunto de fatos, de acontecimentos, de estratégias, de interesses, de perdas e de ganhos, não se pode desconsiderar o elemento surpresa que reside na consciência (ou inconsciência) daquele que detém o poder e pode alterar e interferir de maneira substancial e contundente nos resultados.

É preciso contar com a existência de uma certa perspectiva oculta que reside nesse outro. De modo que, no fundo, as perspectivas diplomáticas acabam se tornando um tipo de especulação, na qual o resultado pode surpreender a todos. Afinal, ninguém conhece plenamente a si mesmo, que dirá constituir certezas e convicções sobre qualquer outra pessoa!

Assim, não considero que o mundo foi pego de surpresa com essa guerra. Minha opinião é de que erraram na aposta, na insistência dialógica, na crença de um possível blefe. Ainda que estivessem certos, arriscar a vida de seres humanos dessa maneira é um preço muito alto. No entanto, eles erraram e um país inteiro está sob uma ameaça bélica, pautada na tirania de um outro país, cuja liderança acredita que não encontrará quaisquer resistências às suas investidas. Ele se habituou a não enxergar nas eventuais perdas e sanções, que possam ser impostas pela diplomacia internacional, nenhum obstáculo ao seu poder e aos seus objetivos.

O que explica a dificuldade de resolução quando a situação chega a esse ponto. Como bem escreveu José Saramago, em seu Ensaio sobre a Cegueira (1995), “[...]se antes de cada ato nosso, nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar”. Afinal, estaríamos guiados pela razão e não, lançados à imprevisibilidade através das paixões mundanas.

A ideia de “Justificar tragédias como vontade divina tira da gente e responsabilidade por nossas escolhas” (Umberto Eco). E governar, tanto quanto viver, é fazer escolhas. Sucesso ou fracasso. Construção ou destruição. Prosperidade ou penúria. Vida ou morte. Igualdade ou desigualdade. Progresso ou atraso. Enfim... A questão é que essa governança, também, existe a partir de escolhas. De modo que, no frigir dos ovos, somos todos responsáveis pelo o que acontece em tempos de guerra ou em tempos de paz.


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