Guerra.
Paz. No fim, tudo parte da reflexão.
Por
Alessandra Leles Rocha
A experiência de uma guerra real,
talvez, seja capaz de fazer com que uma boa parte da humanidade reavalie os
seus pontos de vista políticos. Especialmente, no que diz respeito a
desconsiderar ou desqualificar certos discursos e comportamentos de seus
representantes, atribuindo-lhes, muitas vezes, um caráter de mera fanfarronice.
Afinal, no campo político nada é à toa, nada é brincadeira, nada é blefe,
porque por trás das ações há intenções que não se conhece nem em extensão e nem
em profundidade.
E o governo russo está provando
tudo isso. O movimento da diplomacia internacional em monitorá-lo ao longo de décadas
e, particularmente, depois da anexação da Crimeia, em 2014, e o seu apoio e
reconhecimento de áreas separatistas na Ucrânia, no mesmo ano, mostrou-se
insuficiente para conter quaisquer novas iniciativas ainda mais belicosas. A Ucrânia
está sob ataque e ameaça russa nesse momento.
Isso significa que prevenir ainda
é o melhor remédio. Até mesmo, nas relações diplomáticas. Os limites e sanções
precisam oferecer a segurança e a consistência exemplificativa, para dissuadir
a continuidade dos atos ofensivos e delituosos que um dado país, ou conjunto de
países, pretenda colocar em prática. Afinal de contas, a própria Segunda Guerra
Mundial provou de todas as maneiras possíveis que a diplomacia dialógica não
funciona diante de certas figuras dotadas de poder.
A aura de superioridade, de
blindagem, de inacessibilidade que a investidura em cargos de governança e
liderança de Estado constitui esbarra em um limite muito tênue entre a razão e
a loucura. Quaisquer traços ou sinais de desequilíbrio psicoemocional podem
tornar essa aura um instrumento terrível e devastador. Totalmente incontrolável,
na medida em que o balizamento entre o certo e o errado, o humano e o desumano,
o legítimo e o ilegítimo, o legal e o ilegal, desaparece como fumaça.
E, infelizmente, não é necessário
chegar aos extremos para se perceber os caminhos que começam a ser transitados
por essas pessoas. As linguagens verbais e não verbais são bastante
elucidativas para desencadear um movimento mais atencioso, mais perspicaz a
respeito. Pois, em algum momento, o ser humano é traído por sua própria identidade,
sua própria essência, em algo muito mais significativo do que um simples ato
falho.
Daí o risco imenso que se corre
em “bater palma para maluco dançar”. Geralmente,
quem age assim, não mede as consequências e, portanto, não sabe desatar os nós que
elas podem resultar. A situação, então, sai fora de controle e começa a gerar
uma retroalimentação de problemas, cada vez mais complexos e danosos. Como é o
caso da guerra que estamos presenciando.
Ora, ainda que as análises diplomáticas
se baseiem em um conjunto de fatos, de acontecimentos, de estratégias, de
interesses, de perdas e de ganhos, não se pode desconsiderar o elemento
surpresa que reside na consciência (ou inconsciência) daquele que detém o poder
e pode alterar e interferir de maneira substancial e contundente nos
resultados.
É preciso contar com a existência
de uma certa perspectiva oculta que reside nesse outro. De modo que, no fundo,
as perspectivas diplomáticas acabam se tornando um tipo de especulação, na qual
o resultado pode surpreender a todos. Afinal, ninguém conhece plenamente a si
mesmo, que dirá constituir certezas e convicções sobre qualquer outra pessoa!
Assim, não considero que o mundo
foi pego de surpresa com essa guerra. Minha opinião é de que erraram na aposta,
na insistência dialógica, na crença de um possível blefe. Ainda que estivessem
certos, arriscar a vida de seres humanos dessa maneira é um preço muito alto. No
entanto, eles erraram e um país inteiro está sob uma ameaça bélica, pautada na
tirania de um outro país, cuja liderança acredita que não encontrará quaisquer resistências
às suas investidas. Ele se habituou a não enxergar nas eventuais perdas e
sanções, que possam ser impostas pela diplomacia internacional, nenhum
obstáculo ao seu poder e aos seus objetivos.
O que explica a dificuldade de
resolução quando a situação chega a esse ponto. Como bem escreveu José
Saramago, em seu Ensaio sobre a Cegueira (1995), “[...]se antes de cada ato nosso, nos puséssemos a prever todas as consequências
dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis,
depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos
de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar”. Afinal, estaríamos guiados
pela razão e não, lançados à imprevisibilidade através das paixões mundanas.
A ideia de “Justificar tragédias como vontade divina tira da gente e
responsabilidade por nossas escolhas” (Umberto Eco). E governar, tanto
quanto viver, é fazer escolhas. Sucesso ou fracasso. Construção ou destruição. Prosperidade
ou penúria. Vida ou morte. Igualdade ou desigualdade. Progresso ou atraso. Enfim...
A questão é que essa governança, também, existe a partir de escolhas. De modo
que, no frigir dos ovos, somos todos responsáveis pelo o que acontece em tempos
de guerra ou em tempos de paz.