Sobre nós e
nossos Infernos
Por Alessandra
Leles Rocha
Parece que o mundo entrou mesmo em “inferno astral”! Instalada uma pandemia
decorrente de um vírus, até então, desconhecido, eis que uma guerra, sem razão
de ser, foi deflagrada no leste europeu. Sem contar todas as catástrofes
climáticas recentes ocorridas em diferentes partes do planeta.
De modo que esse “inferno”, então, vem transformando os cenários, fechando ciclos,
desconstruindo paradigmas, para um novo alinhamento da humanidade sob diferentes
aspectos.
Mas, até que tudo se acomode, muita água vai
rolar por debaixo da ponte da história. E nenhuma dessas circunstâncias chegou
encontrando um terreno organizado e preparado para os solavancos que elas
inevitavelmente promoveriam. Afinal, o inesperado não manda recado de que está
chegando, simplesmente, ele chega.
Aos habituados a fazer o dever de casa bem
feito, de cumprirem as obrigações regiamente, de planejarem com antecedência e
previdência, os desafios são sempre menos amargos.
Porém, para aqueles que são o contraponto
disso, os tempos tendem a ser, de fato, infernais, no sentido mais horroroso e
diabólico da palavra. Infelizmente, o Brasil faz parte desse grupo.
Quando fomos surpreendidos pela pandemia, o
desmantelamento das estruturas institucionais e seus serviços já estava em
curso, por conta da proposta de política pública e de economia delineado pelo
atual governo federal.
Acontece que não houve tempo hábil, nem mesmo,
para acomodar mudanças tão radicais e impactantes, antes que a pandemia e seus
sucessivos desdobramentos apresentassem suas credenciais. O tsunami dos
acontecimentos varreu tudo de uma vez e deslocou quaisquer possibilidades de
reorganização, deixando o cotidiano transitar sobre escombros dessa imensa
confusão.
O resultado desse processo, as estatísticas informam
sem deixar dúvidas. O país que já não crescia, apresentou estagnação em diversos
setores, puxando o Produto Interno Bruto (PIB) para abaixo das expectativas. A
inflação ressurgiu das cinzas com toda a sua voracidade. A política de juros
teve que entrar em cena, elevando os seus patamares.
Assim, enquanto centenas de milhares de pessoas
morreram (e centenas, ainda, morrem diariamente) pela COVID-19, em consequência
da má gestão da pandemia pelo governo, que ficou registrada devidamente nos
anais da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada pelo Senado da
República, outros milhões vêm sendo expostos gradativamente aos infortúnios e
mazelas decorrentes dos vieses da má gestão da economia pelo governo.
Acontece que, no meio dessa situação, eventos
extremos do clima trouxeram calamidade e destruição para diversos municípios,
em diferentes estados brasileiros, enovelando ainda mais os problemas
socioeconômicos, os quais já vinham sendo experimentados.
Não, não foi apenas a situação de desalento e
de perdas materiais e humanas. Tais eventos não apenas destruíram vias
importantes de transporte e escoamento de mercadorias, tendo em vista que a
malha rodoviária nacional é que garante quase a totalidade desse fluxo; mas,
também, e de maneira total ou parcial, áreas de produção e armazenamento
agrícola, estações de tratamento de água e esgoto, pontes, barragens,...
Promovendo, assim, impactos de ordem econômica
bastante significativos, por demandarem longos prazos de recuperação e
reestabelecimento do equilíbrio. De modo que as estatísticas dos cenários
nacionais ganharam contornos ainda mais sérios e preocupantes.
Mas, ninguém cogitava que uma guerra
internacional estaria por se efetivar e sacudir a poeira, como mostram os
veículos de informação e comunicação, nos últimos cinco dias. As investidas
russas sobre o território da Ucrânia elevaram as tensões a tal ponto que as
respostas diplomáticas internacionais tiveram que ser proporcionais à gravidade
da situação.
O que significa que os mercados, em breve,
terão a dimensão dos desdobramentos sobre a economia do mundo. Especialmente,
no que diz respeito ao que rege os interesses econômicos russos no contexto global,
tais como petróleo, combustíveis, commodities
e relações cambiais.
No caso do Brasil, então, as sanções impostas
à Rússia pela diplomacia internacional representarão impactos aos combustíveis,
fertilizantes (o que eleva o preço do trigo e seus derivados) e ao sistema
financeiro que poderá resultar em uma disparada, ainda maior, da inflação.
Em suma, o que estava ruim, agora, vai ficar
péssimo. E quem mais sofre nesse cenário são as populações mais vulneráveis e
desassistidas. De modo que se há um aprendizado extremamente relevante nesse
momento é o fato de as conjunturas nos chamarem a atenção para a
impossibilidade de levar a vida com displicência, sem planejamentos, sem
responsabilidade, sem previdência.
O mundo contemporâneo não cabe amadores. Para
viver nele é preciso ser expert, ou
seja, profissional altamente qualificado e capacitado para lidar com tantas
adversidades simultâneas. A realidade de curto prazo que se vislumbra para o
Brasil, então, não é ruim apenas pelo fato da guerra em si; mas, por este
possibilitar o aprofundamento do buraco socioeconômico em que o país já se
encontra.
Afinal, o contexto globalizante, analisado
tanto em relação à pandemia quanto à guerra, demanda uma recuperação coletiva
que seja suficientemente capaz de se refletir nos atores envolvidos de maneira
individual.
Ou seja, não adianta que alguns se recuperem
mais rápido do que outros, considerando as teias sociais e comerciais estabelecidas.
As economias precisar estar minimamente equilibradas para o processo fluir.
O Brasil está, portanto, sendo confrontado
direta e objetivamente pelo modo como vem construindo suas perspectivas
governamentais e políticas. Descobrindo como é jogar um jogo que acontece
simultaneamente em dois tabuleiros distintos, um nacional e outro global, os
quais precisam se compatibilizar a fim de gerar um resultado minimamente
positivo. Um jogo em que prevalece a razão e não, a emoção.
Afinal, segundo Anthony Giddens, “A consciência humana está condicionada em
uma interação dialética entre sujeito e objeto, na qual o homem molda
ativamente o mundo em que vive ao mesmo tempo em que é moldado por ele” (Capitalismo
e Teoria Social Moderna, 1971, p.21).
Tudo porque a contemporaneidade vem exigindo cada
vez mais da participação humana uma consciência factual do que meramente uma encenação
ficcional.
Portanto, estamos diante de uma situação
conjuntural em que se torna necessário o protagonismo estadista. Saber o que
quer, porque quer e como fazer para alcançar tal objetivo. Algo que demanda
preparo, conhecimento, capacidade dialógica e de articulação; mas, que a poucos
pertence.
Daí, voltamos ao marco zero das nossas
escolhas e percebemos o quão delicado é não levá-las a sério, pois nunca se
sabe o dia de amanhã. Talvez, por isso,
é que os textos judaicos nos alertem para o fato de que “Os homens são criadores do seu próprio inferno”.