sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Crônica

Voando nas asas da “criatividade”!

Por Alessandra Leles Rocha

            Aos que acreditavam convictos de que o invento do avião era o máximo da “criatividade aérea”, lamento em informar que há quem esteja inovando no setor; pena, a ideia não ser das melhores. Depois do caos aéreo vivenciado por milhares de brasileiros e estrangeiros nos últimos meses, em razão da gigantesca demanda de viajantes e de problemas logísticos no setor, agora somos surpreendidos por uma empresa que decidiu vender o lanche aos passageiros. Talvez inspirada na prática comumente exercida por empresas aéreas estrangeiras, uma empresa brasileira está implantando gradativamente a oferta de um cardápio variado de opções alimentícias a serem adquiridas pelos passageiros durante o trajeto de sua viagem.
        A ideia a princípio parece até interessante; mas, só a princípio. Gente, em primeiro lugar atente para o fato de que há bem pouco tempo viajar de avião era bastante oneroso e tal ônus era justificado pelas empresas aéreas em parte pelo tipo de refeição oferecida a bordo. Foi esse um dos motivos a se desenvolver as tarifas “Low Cost e Low Fare” 1; já que, com a redução ou eliminação do serviço de bordo, as áreas destinadas à estocagem dos alimentos e bebidas abrem mais espaço para assentos, além de reduzir mais um gasto operacional. Como as viagens aéreas encurtam as distâncias e o tempo gasto, rapidamente todos se acostumaram com um simples copo de refrigerante, uma barra de cereais e uma tarifa bem mais atrativa do que viajar de ônibus! Porém, o barato pode a partir de agora sair caro em todos os sentidos!
        No contexto da agilidade e da economia temporal, as empresas aéreas brigam minuto a minuto pelo menor prazo em solo; o avião pousado em um aeroporto significa tarifas elevadíssimas para elas. Desse modo, quanto menos lixo a ser armazenado durante o voo e recolhido durante o desembarque, mais economia computada para a empresa e em uma reação em cadeia, ao próprio passageiro. E se não bastasse o lixo convencional – copos descartáveis, embalagens plásticas e de papel, resíduos de alimentos, guardanapos, canudos etc. - há de se pensar também, que essa nova diversidade de produtos oferecida – chocolates, cafés, sucos, sanduíches, sopas, bebidas alcoólicas – pode eventualmente ocasionar uma desordem ou mal estar entre os passageiros e resultar em um volume de resíduos de higiene superior ao padrão; bem como, em sujeira de difícil limpeza, num curto espaço de tempo (como é o caso das paradas de desembarque e embarque), nos bancos e corredor da aeronave. Nem todo mundo dispõe de bom senso na hora de se alimentar e promove uma verdadeira miscelânea degustativa, crê que pelo fato de estar pagando pelo produto pode cometer todos os desatinos possíveis e impossíveis sem merecer repreensão; resultado: isso quase nunca termina bem. E se houver uma turbulência, uma situação de pânico, em meio à compra e venda de lanchinhos, hein? Melhor não pensar!
        A equipe de comissários de bordo, geralmente composta por quatro funcionários, teve triplicado seu trabalho, conforme pude verificar in loco durante uma viagem. Segundo as novas orientações da empresa, eles primeiro fazem a distribuição do lanche convencional – incluso na tarifa e composto basicamente por um copo de refrigerante, suco ou água mineral e um mini pacote individual de biscoito -, depois do recolhimento dos resíduos desse lanche, eles passam a entregar o cardápio aos passageiros do que pode ser comprado. Se for uma sopa instantânea, por exemplo, eles têm que prepará-la em copo descartável; algo “complicado” de fazer nessas condições. Assim, eles seguem o percurso atendendo aos mais variados pedidos e ainda lidando com o recebimento em dinheiro do pagamento dessas compras; o que acaba significando uma postura anti-higiênica – não porque desconhecem o conceito de higiene, mas porque a demanda lhes impõe a tarefa de atender a um público superior a cem passageiros com a entrega e pagamento dos produtos quase que simultaneamente. A boa e velha atenção, e cuidado, dos comissários aos passageiros fica postergado ao que restar do tempo de viagem!
        Não querendo pensar no pior; mas, já pensando: o que dizer quanto a total inconveniência da presença de bebidas alcoólicas durante o voo? É! Nem todo mundo conhece exatamente bem o seu limite, a sua tolerância ao álcool e, muito além do mero vexame, causa muito tumulto e agressão, independente se em um avião ou em quaisquer outros lugares. Neste caso, mais uma tarefa para os comissários de plantão! 
        Por tudo isso e, talvez situações ainda mais inusitadas do que estas acima citadas, é que clamo ao criativo proponente dessa ideia a reflexão para a exclusão da mesma. Exceto aos viajantes dos longos trajetos internacionais, uma medida como essa fomentasse um efeito satisfatório; embora, ainda sim, não pudesse eximir todos os inconvenientes apresentados. Mas, aqui dentro das fronteiras nacionais, ela é totalmente dispensável. Quem opta por uma viagem aérea pode muito bem se programar e fazer suas refeições antes do embarque ou entre as conexões; já que os aeroportos estão repletos de lanchonetes e fast foods para atender ao crescente público de passageiros e isso lhes proporciona, inclusive, uma busca pela melhor qualidade e valor do produto, pois há livre concorrência. Além disso, nos meios de transporte atuais, não dispomos de um espaço especial como aqueles existentes nos trens, os chamados vagões refeitório ou vagões restaurante; o espaço coletivo já restrito se torna, portanto, insuficiente para atender a essa proposta e abre espaço a deselegância, aos excessos, aos desrespeitos e aos conflitos em suas diversas proporções. Até as aves quando querem se alimentar interrompem seu voo e param em solo firme para fazê-lo; lição da natureza que merece sem dúvida alguma ser levada em conta, não acha?



1 http://www.aquelapassagem.com.br/low-cost-e-low-fare/