quinta-feira, 13 de março de 2025

A reflexão e o respeito


A reflexão e o respeito

 

Por Alessandra Leles Rocha 

 

Enquanto seres humanos, nada deveria nos separar. Sobretudo, decisões de foro íntimo e pessoal, como é o caso da religião. Aliás, em plena contemporaneidade, quando a discussão da liberdade vive em constante efervescência, do ponto de vista religioso, o Brasil sai na dianteira de muitos países, na medida em que a Constituição Federal de 1988, determina em seu artigo 5º, inciso VI, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Bom, pelo menos em tese, em relação a essa liberdade de escolha não é preciso se discutir. No entanto, seria de bom tom refletir. Afinal, cada conjunto de princípios, crenças e práticas doutrinárias religiosas, cuja fundamentação se baseia em livros sagrados, possibilita ao indivíduo encontrar ou não o seu alinhamento ideológico, ético e moral, dentro de uma dada religião. Essa não é, portanto, uma decisão que se resume a um rótulo: Cristão, Muçulmano, Espírita, Budista, Protestante, Hindu,... Não, é algo muito mais profundo.

Há tempos venho observando entre certos grupos de seguidores das designações religiosas ligadas ao Cristianismo, um fenômeno de desvirtuamento nas suas práxis religiosas. É importante ressaltar que tais designações, em tese, estão subordinadas   às mesmas escrituras, ao reconhecimento de Jesus como o Cristo, Filho de Deus e Salvador da humanidade. Isso significa que a base da teologia Cristã reside na consciência em um   Reino de Deus, no amor a Deus e ao próximo, no arrependimento, na fé em Cristo, no perdão e na transformação do coração.

Afinal de contas, Jesus Cristo, filho de Deus e a segunda pessoa da Santíssima Trindade, esteve aos cuidados, nesse mundo, de Maria e de José. Nasceu em uma manjedoura, cresceu e viveu até os 33 anos, sob o contexto de uma vida simples e despojada de bens materiais. Porém, as ideias que compartilhava junto ao povo causaram profundo desconforto entre as grandes autoridades religiosas do judaísmo, bem como as autoridades romanas da Palestina. Razão pela qual acabou traído por um de seus discípulos, sendo entregue às autoridades romanas. Foi preso, torturado e crucificado; mas, em momento algum, negou seus princípios, crenças e valores humanos.

Feitas essas breves considerações, retomo a minha observação quanto ao desvirtuamento das práxis cristãs, por certos fiéis e lideranças religiosas. A impressão que se tem é que Jesus empresta seu rosto e seu nome para as designações religiosas ligadas ao Cristianismo; mas, a sua base teológica foi brutalmente corrompida e/ou deturpada à revelia do seu consentimento. As pregações transpiram intolerância sob diferentes formas e conteúdos. Os púlpitos se transformaram em espaços de apologia ao materialismo social e à política. O perdão voltou a ser vendido por muitas igrejas, sob a promessa da prosperidade.  Infelizmente, a deterioração e a deturpação por certas designações religiosas ligadas ao Cristianismo desumanizou a figura do Cristo através da sua monetização. 

Caro (a) leitor (a), no rol das prioridades contemporâneas das religiões Cristãs, Jesus e suas ideias figuram no final da fila. Daqui e dali soam notícias que contrariam a fé em Deus, o amor ao próximo, a compaixão, a honestidade, a justiça, a humildade, a gratidão, o perdão, a caridade, a solidariedade, a tolerância, o respeito, a dignidade humana. Haja vista todos os episódios ofensivos e violentos ocorridos com o Padre Júlio Lancellotti, um dos poucos discípulos de Cristo remanescentes na contemporaneidade brasileira, por seu trabalho como Vigário Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua e Pároco da Paróquia de São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, em São Paulo. E como dizia Confúcio, pensador e filósofo chinês, “Quem não conhece o valor das palavras não saberá conhecer os homens”.

Escreveu Erasmo de Roterdã, em O Elogio da Loucura, no século XVI, “O cristianismo hoje, em lugar de pregar Jesus Cristo, deixam no esquecimento o seu nome e o põem de lado com leis lucrativas, alteram a sua doutrina com interpretações forçadas e, finalmente, o destroem com exemplos pestilentos”. Daí a necessidade imperiosa da reflexão, para não se permitir enredar-se pela espetacularização da religião. Não se deve banalizar e, nem tampouco, brincar com o Sagrado. A escolha por seguir essa ou aquela religião deve ser voluntária e pautada pelo respeito e pela integridade; não, por mero protocolo social ou quaisquer barganhas com o mundo. Por isso, lembre-se: “O lobo talvez mude a pele, mas nunca a alma” (Erasmo de Roterdã 1), ou seja, pertencer a uma designação religiosa não resume, e nem determina, o valor da sua existência.



1 ROTERDÃ, E. de. Adages. Toronto: University of Toronto Press, 1992.