A
reflexão e o respeito
Por Alessandra Leles Rocha
Enquanto seres humanos, nada
deveria nos separar. Sobretudo, decisões de foro íntimo e pessoal, como é o
caso da religião. Aliás, em plena contemporaneidade, quando a discussão da
liberdade vive em constante efervescência, do ponto de vista religioso, o
Brasil sai na dianteira de muitos países, na medida em que a Constituição
Federal de 1988, determina em seu artigo 5º, inciso VI, que “é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto
e a suas liturgias”.
Bom, pelo menos em tese, em
relação a essa liberdade de escolha não é preciso se discutir. No entanto, seria
de bom tom refletir. Afinal, cada conjunto de princípios, crenças e práticas
doutrinárias religiosas, cuja fundamentação se baseia em livros sagrados, possibilita
ao indivíduo encontrar ou não o seu alinhamento ideológico, ético e moral,
dentro de uma dada religião. Essa não é, portanto, uma decisão que se resume a
um rótulo: Cristão, Muçulmano, Espírita, Budista, Protestante, Hindu,... Não, é
algo muito mais profundo.
Há tempos venho observando entre certos
grupos de seguidores das designações religiosas ligadas ao Cristianismo, um fenômeno
de desvirtuamento nas suas práxis religiosas. É importante ressaltar que tais
designações, em tese, estão subordinadas às
mesmas escrituras, ao reconhecimento de Jesus como o Cristo, Filho de Deus e
Salvador da humanidade. Isso significa que a base da teologia Cristã reside na consciência
em um Reino de Deus, no amor a Deus e ao próximo, no
arrependimento, na fé em Cristo, no perdão e na transformação do coração.
Afinal de contas, Jesus Cristo, filho
de Deus e a segunda pessoa da Santíssima Trindade, esteve aos cuidados, nesse
mundo, de Maria e de José. Nasceu em uma manjedoura, cresceu e viveu até os 33
anos, sob o contexto de uma vida simples e despojada de bens materiais. Porém, as
ideias que compartilhava junto ao povo causaram profundo desconforto entre as
grandes autoridades religiosas do judaísmo, bem como as autoridades romanas da
Palestina. Razão pela qual acabou traído por um de seus discípulos, sendo
entregue às autoridades romanas. Foi preso, torturado e crucificado; mas, em
momento algum, negou seus princípios, crenças e valores humanos.
Feitas essas breves considerações,
retomo a minha observação quanto ao desvirtuamento das práxis cristãs, por
certos fiéis e lideranças religiosas. A impressão que se tem é que Jesus empresta
seu rosto e seu nome para as designações religiosas ligadas ao Cristianismo; mas,
a sua base teológica foi brutalmente corrompida e/ou deturpada à revelia do seu
consentimento. As pregações transpiram intolerância sob diferentes formas e conteúdos.
Os púlpitos se transformaram em espaços de apologia ao materialismo social e à
política. O perdão voltou a ser vendido por muitas igrejas, sob a promessa da
prosperidade. Infelizmente, a
deterioração e a deturpação por certas designações religiosas ligadas ao
Cristianismo desumanizou a figura do Cristo através da sua monetização.
Caro (a) leitor (a), no rol das
prioridades contemporâneas das religiões Cristãs, Jesus e suas ideias figuram
no final da fila. Daqui e dali soam notícias que contrariam a fé em Deus, o
amor ao próximo, a compaixão, a honestidade, a justiça, a humildade, a
gratidão, o perdão, a caridade, a solidariedade, a tolerância, o respeito, a
dignidade humana. Haja vista todos os episódios ofensivos e violentos ocorridos
com o Padre Júlio Lancellotti, um dos poucos discípulos de Cristo remanescentes
na contemporaneidade brasileira, por seu trabalho como Vigário Episcopal para a
Pastoral do Povo da Rua e Pároco da Paróquia de São Miguel Arcanjo, no bairro
da Mooca, em São Paulo. E como dizia Confúcio, pensador e filósofo chinês, “Quem
não conhece o valor das palavras não saberá conhecer os homens”.
Escreveu Erasmo de Roterdã, em O
Elogio da Loucura, no século XVI, “O cristianismo hoje, em lugar de pregar
Jesus Cristo, deixam no esquecimento o seu nome e o põem de lado com leis
lucrativas, alteram a sua doutrina com interpretações forçadas e, finalmente, o
destroem com exemplos pestilentos”. Daí a necessidade imperiosa da
reflexão, para não se permitir enredar-se pela espetacularização da religião. Não
se deve banalizar e, nem tampouco, brincar com o Sagrado. A escolha por seguir
essa ou aquela religião deve ser voluntária e pautada pelo respeito e pela
integridade; não, por mero protocolo social ou quaisquer barganhas com o mundo.
Por isso, lembre-se: “O lobo talvez mude a pele, mas nunca a alma” (Erasmo
de Roterdã 1), ou seja, pertencer
a uma designação religiosa não resume, e nem determina, o valor da sua existência.