sábado, 17 de agosto de 2024

O Imperialismo travestido de amor e ódio

O Imperialismo travestido de amor e ódio

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é de hoje que venho observando a relação de amor e ódio que se estabeleceu entre as Big Techs e a sociedade global.

O ponto nevrálgico do conflito diz respeito à liberdade, plena e irrestrita, das Big Techs. Legislações limitantes que atravessem o caminho da sua lucratividade representam o estopim para as tensões.

As Big Techs não querem quaisquer regulamentações, controles ou ingerências sobre suas atividades, principalmente, em relação as práxis de seus usuários.

E nem é preciso dizer, como a internet e, particularmente, as mídias sociais, têm se tornado arenas de extrema beligerância e de alta propagação de Fake News, interferindo diretamente no equilíbrio social.

É sobre isso, então, que se inicia o fio da reflexão. Não é à toa, por exemplo, que o mundo assistiu nos últimos anos uma demissão em massa de funcionários dessas empresas e uma exposição da realidade da precarização laboral delas.

Não, não se trata exclusivamente de redução de custos, de otimização de processos, de aprimoramento tecnológico, ... Essas demissões constituem instrumentos de obstaculização do atendimento aos usuários. Dificultar o acesso à informação ou à reclamação, abre um espaço favorável à manutenção de conteúdos, que fomentam a toxicidade social no ambiente virtual, porque há uma demora em agir sobre a situação.

Aliás, em relação aos usuários, tudo o que as Big Techs não dispõem é de igualdade e equidade para os seus usuários. Há uma franca disposição ao favorecimento de certas pautas ideológicas em detrimento de outras; bem como, entre celebridades (ou potenciais) e cidadãos comuns. Daí, contas são sumariamente suspensas ou canceladas sem maiores esclarecimentos.

Aos que ainda não entenderam o que essa prática significa, há um comportamento obscuro que afeta o direito do consumidor, porque existem mecanismos para impedir o procedimento de exclusão dos dados dessas contas pelos próprios usuários.

Eles (as) não conseguem exercer esse direito; mas, em contrapartida, a plataforma de mídia social permanece com os seus dados, sem informar qual a necessidade de retenção deles, qual o tipo de uso pode ser feito dessas informações, enfim.  

Lamento dizer, mas as mídias sociais transformam seus usuários em mercadorias de maior ou menor rentabilidade. Ao contrário do que uma gigantesca legião de seres humanos, insiste em acreditar, esses não são espaços de entretenimento e convivência social harmônica e equilibrada. Tudo é milimetricamente pensado e estudado para gerar uma cadeia de lucros cada vez mais significativa para as empresas.

Por isso, as violências, as mentiras, as distorções, os golpes, ... têm encontrado nas mídias sociais um terreno fértil para se estabelecer, considerando que o monitoramento desses conteúdos postados é praticamente inexistente e a sua capacidade de captar visualizações acontece muito rapidamente.

O que, de alguma forma, explica porque as mídias sociais são denominadas arenas. Ao se transformarem em espaços legitimados de confronto e beligerância extrema, retomam um sucesso histórico desse modelo de pseudoentretenimento, o qual vigorou em certos lugares do mundo.

Contudo, há de se reconhecer que esse movimento contemporâneo reflete as marcas da incivilidade humana, apesar das tentativas de domesticação do seu instinto bárbaro. Infelizmente, para muitos, as arenas virtuais alimentam seu primitivismo de uma maneira irresistível. Então, enquanto se perdem nesse deleite abjeto, as Big Techs ampliam seus limites de faturamento, sem qualquer compromisso ético e/ou moral.

Portanto, é uma pena que mesmo diante de todos esses aspectos, o ranço do vira-latismo1 nacional impeça muita gente, por aí, de compreender a verdade dos fatos. Há mais de 500 anos e não aprendemos ainda a fazer escolhas ou tomar decisões, com base em argumentos que não estejam imersos em puro puxa-saquismo estrangeiro. Como se a nossa herança colonial não nos permitisse ser livres de atender aos interesses internacionais ainda que isso nos humilhe, nos rebaixe, nos afronte.

De bajulação em bajulação, o Brasil escancara a sua falta de identidade cidadã, o seu desapreço à Democracia, a sua indiferença ao Estado de Direito, o seu desrespeito às Instituições e sua população. Fazendo parecer que tudo isso é desimportante, desnecessário, obsoleto, diante da euforia inebriante trazida pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), alavancadas pelas Big Techs estrangeiras.

Mas, não se preocupe, as borboletas continuam batendo suas asas, por aí. As metamorfoses não acontecem, na maioria das vezes, por ação humana; mas, do movimento conjuntural que ocorre à revelia dela. Basta observar! Nem sempre os quereres se transformam em poderes. Pelo menos, é o que diz a história do mundo!


1 “Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_de_vira-lata