domingo, 18 de agosto de 2024

Só uma fezinha!

Só uma fezinha!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É interessante observar como o arsenal de tecnologias na contemporaneidade contribui significativamente para o entorpecimento mental das pessoas.

Muitos são os exemplos desse fenômeno; mas, um tem me causado profunda reflexão, dados os impactos negativos que começam a se desenhar no horizonte.

Aliás, vale ressaltar, mais uma vez, como a dinâmica da vida não possibilita, como muitos querem acreditar, uma dissociação de acontecimentos.

Quem nunca ouviu falar em jogos de azar? Pois é, assunto antigo. Segundo registros históricos, sua existência remonta de antes de Cristo.

Mas como a própria expressão popular denomina, jogos de azar não são cercados por uma aura socialmente positiva. Não só pelo fato de mexerem com o psicológico das pessoas, através da adrenalina da aposta, do risco; mas, contribuindo para que muitas delas experimentem a penúria.

Não é de hoje, que os jogos de azar são alvos de interesses escusos, por parte de grupos ligados à contravenção. Muitas vezes, a maioria das estruturas de apostas, sejam elas físicas ou virtuais, possibilitam a articulação de esquemas de lavagem de dinheiro e sonegação de impostos, além de outros delitos.

Acontece que, até o advento da internet, havia quem defendesse as casas de aposta e os cassinos, por exemplo, sob o argumento da geração de uma vasta estrutura de empregos, da movimentação da economia local, da ampliação do círculo cultural e do turismo.

Então, de repente, o cenário virou de ponta-cabeça. Com a internet, um ambiente totalmente virtual, empresários do setor poderiam enxugar ao máximo seus investimentos e aumentar seus lucros.

Em um mundo onde cada pessoa dispõe de, no mínimo, um celular para suas atividades cotidianas, as apostas estão ao alcance dos dedos. E aí se desenrola o fio dessa meada.

Não preciso dizer que as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) já são objeto de estudos científicos importantes, no campo da saúde mental e das compulsões, dada a intensidade com que os seres humanos, inclusive, crianças, têm sido expostos às telas.    

Ora, o espaço virtual é construído para captar a atenção e o tempo do usuário a fim de gerar rentabilidade para as empresas do setor. Tudo é pensado e planejado para persuadir as pessoas a permanecerem cada vez mais conectadas.

E os jogos, caro (a) leitor (a), são uma dessas ferramentas. Aliás, uma das mais eficazes. Porque jogos, por si só, já atuam no (in) consciente humano, despertando o sentimento desafiador da competição, o qual remonta da nossa origem primitiva. Seres humanos foram forjados às disputas. Ganhar ou perder é algo que mexe com as pessoas.  

Então, considerando a realidade contemporânea profundamente modelada pelo consumo, os jogos tendem a amplificar esses sentimentos e emoções.

Valendo-se de um pseudopretexto de entretenimento, elas são atraídas e estimuladas a jogar. O jogo passa, então, a fazer parte da sua rotina.  

Não haveria desconforto sobre isso, se a realidade mundial não apontasse para certos senões extremamente perversos e cruéis. Desigualdades históricas. Empobrecimento populacional. Precarização do trabalho e desemprego. Altos índices de depressão e outras doenças mentais.  

Isso sem contar que, no caso das apostas desportivas, corre-se o risco da adulteração dos resultados e do comprometimento dos valores e princípios esportivos. Cartas marcadas fazem o esporte perder seu brilho, sua emoção, seu sentido de ser; enquanto, criam uma cultura de apologia à falta de ética.

Assim, com todo tipo de apostas ao alcance das mãos, não apenas se intensificam esses cenários; mas, se lança luz sobre a realidade do endividamento em diversos segmentos da sociedade.

Diante de um quadro pseudodemocrático, em que qualquer indivíduo pode apostar, quem tem menos recurso tende a perder muito mais e a se enovelar dentro de uma realidade econômica totalmente desfavorável.  

É bom destacar que não perdem as empresas de apostas. Os bancos e financeiras. Os agiotas, ainda que tal prática seja crime no Brasil.  Estes não perdem; mas, lamentavelmente, fazem o país todo perder.  

O endividamento do cidadão em apostas retira dele a sua dignidade cidadã. Gradual e lentamente, ele vai perdendo seu poder de compra, de subsistência, algo que impacta diretamente na economia do país.

Sem conseguir atender aos seus direitos sociais básicos, esse indivíduo passa a ser cada vez menos autônomo e mais dependente do Estado, que precisa construir soluções para esse problema através de suas políticas públicas.

Vejam, a ausência de uma regulação mais firme e consistente sobre as apostas; sobretudo, no espaço virtual, dá início a esse tipo de crise.

Portanto, se o Estado não age desde o começo, terá de se responsabilizar pelas consequências e desdobramentos nefastos da sua omissão.

É preciso compreender que não adianta apostar na construção de uma realidade idealizada a respeito dos jogos de azar. Especialmente, em relação a países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

Afinal, o que já se tem bem diante dos olhos é uma aposta que emerge de cartas marcadas, cujas perdas se mostram bastante desafiadoras e difíceis de dimensionar.