Só uma
fezinha!
Por Alessandra
Leles Rocha
É interessante observar como o
arsenal de tecnologias na contemporaneidade contribui significativamente para o
entorpecimento mental das pessoas.
Muitos são os exemplos desse fenômeno;
mas, um tem me causado profunda reflexão, dados os impactos negativos que
começam a se desenhar no horizonte.
Aliás, vale ressaltar, mais uma
vez, como a dinâmica da vida não possibilita, como muitos querem acreditar, uma
dissociação de acontecimentos.
Quem nunca ouviu falar em jogos
de azar? Pois é, assunto antigo. Segundo registros históricos, sua existência remonta
de antes de Cristo.
Mas como a própria expressão
popular denomina, jogos de azar não são cercados por uma aura socialmente
positiva. Não só pelo fato de mexerem com o psicológico das pessoas, através da
adrenalina da aposta, do risco; mas, contribuindo para que muitas delas experimentem
a penúria.
Não é de hoje, que os jogos de
azar são alvos de interesses escusos, por parte de grupos ligados à
contravenção. Muitas vezes, a maioria das estruturas de apostas, sejam elas físicas
ou virtuais, possibilitam a articulação de esquemas de lavagem de dinheiro e
sonegação de impostos, além de outros delitos.
Acontece que, até o advento da
internet, havia quem defendesse as casas de aposta e os cassinos, por exemplo,
sob o argumento da geração de uma vasta estrutura de empregos, da movimentação da
economia local, da ampliação do círculo cultural e do turismo.
Então, de repente, o cenário
virou de ponta-cabeça. Com a internet, um ambiente totalmente virtual,
empresários do setor poderiam enxugar ao máximo seus investimentos e aumentar
seus lucros.
Em um mundo onde cada pessoa dispõe
de, no mínimo, um celular para suas atividades cotidianas, as apostas estão ao
alcance dos dedos. E aí se desenrola o fio dessa meada.
Não preciso dizer que as
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) já são objeto de estudos científicos
importantes, no campo da saúde mental e das compulsões, dada a intensidade com
que os seres humanos, inclusive, crianças, têm sido expostos às telas.
Ora, o espaço virtual é construído
para captar a atenção e o tempo do usuário a fim de gerar rentabilidade para as
empresas do setor. Tudo é pensado e planejado para persuadir as pessoas a permanecerem
cada vez mais conectadas.
E os jogos, caro (a) leitor (a),
são uma dessas ferramentas. Aliás, uma das mais eficazes. Porque jogos, por si
só, já atuam no (in) consciente humano, despertando o sentimento desafiador da competição,
o qual remonta da nossa origem primitiva. Seres humanos foram forjados às
disputas. Ganhar ou perder é algo que mexe com as pessoas.
Então, considerando a realidade contemporânea
profundamente modelada pelo consumo, os jogos tendem a amplificar esses
sentimentos e emoções.
Valendo-se de um pseudopretexto de
entretenimento, elas são atraídas e estimuladas a jogar. O jogo passa, então, a
fazer parte da sua rotina.
Não haveria desconforto sobre
isso, se a realidade mundial não apontasse para certos senões extremamente
perversos e cruéis. Desigualdades históricas. Empobrecimento populacional.
Precarização do trabalho e desemprego. Altos índices de depressão e outras
doenças mentais.
Isso sem contar que, no caso das
apostas desportivas, corre-se o risco da adulteração dos resultados e do
comprometimento dos valores e princípios esportivos. Cartas marcadas fazem o
esporte perder seu brilho, sua emoção, seu sentido de ser; enquanto, criam uma
cultura de apologia à falta de ética.
Assim, com todo tipo de apostas
ao alcance das mãos, não apenas se intensificam esses cenários; mas, se lança
luz sobre a realidade do endividamento em diversos segmentos da sociedade.
Diante de um quadro pseudodemocrático,
em que qualquer indivíduo pode apostar, quem tem menos recurso tende a perder
muito mais e a se enovelar dentro de uma realidade econômica totalmente desfavorável.
É bom destacar que não perdem as
empresas de apostas. Os bancos e financeiras. Os agiotas, ainda que tal prática
seja crime no Brasil. Estes não perdem;
mas, lamentavelmente, fazem o país todo perder.
O endividamento do cidadão em apostas
retira dele a sua dignidade cidadã. Gradual e lentamente, ele vai perdendo seu
poder de compra, de subsistência, algo que impacta diretamente na economia do
país.
Sem conseguir atender aos seus
direitos sociais básicos, esse indivíduo passa a ser cada vez menos autônomo e mais
dependente do Estado, que precisa construir soluções para esse problema através
de suas políticas públicas.
Vejam, a ausência de uma
regulação mais firme e consistente sobre as apostas; sobretudo, no espaço
virtual, dá início a esse tipo de crise.
Portanto, se o Estado não age desde
o começo, terá de se responsabilizar pelas consequências e desdobramentos
nefastos da sua omissão.
É preciso compreender que não adianta
apostar na construção de uma realidade idealizada a respeito dos jogos de azar.
Especialmente, em relação a países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.
Afinal, o que já se tem bem diante dos olhos é uma aposta que emerge de cartas marcadas, cujas perdas se mostram bastante desafiadoras e difíceis de dimensionar.