quarta-feira, 29 de maio de 2024

Nós e nossas gradações ...


Nós e nossas gradações ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Parece que chegamos ao ápice da desconexão com a realidade. De repente, uns e outros começam a defender, no Brasil, a ideia de extremismo moderado! O que dizer, não é mesmo?! A tendenciosa criatividade humana é sempre espantosa!

Isso é que dá estabelecer estereótipos e mais estereótipos, por aí. O extremismo não está somente na ignorância, na brutalidade, na incivilidade, na crueldade, das manifestações alheias. O extremismo quase sempre chega de maneira sutil na sociedade, pela força retórica de ideias que encontram consonância nas insatisfações populares.

Acontece que, passado algum tempo, o extremismo se reafirma através do fundamentalismo que cerceia o pensamento, exigindo uma obediência irrestrita a interpretação dada a um conjunto de princípios fundamentais. Algo tão forte que, segundo Umberto Eco, “Fundamentalistas dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não compartilham suas visões de mundo”.

Fácil perceber, então, diante de um mundo tão consumido pelo fanatismo ideológico! O que no caso do Brasil, carrega o peso da herança histórica colonial, no que diz respeito, principalmente, à construção do próprio modelo social. A fragmentação desencadeada pelas camadas de desigualdade, presentes no país, é o que sustenta esse fanatismo.

O topo da pirâmide social nunca esteve disposto a negociar seus espaços de poder, suas regalias e seus privilégios, em nenhum momento da história. Por isso esses indivíduos exercem, de maneira extremista, o seu papel social de controlar, vigiar e punir, aqueles que ousam transgredir e ultrapassar as fronteiras predeterminadas.

E a forma de exercer esse extremismo se dá pelo fato de possuírem uma representatividade estrategicamente alocada nas instituições, nos poderes, nos meios de produção e comércio, nos templos religiosos, enfim. De modo que o fundamentalismo das suas ideias possa ser continuamente reverberado e reafirmado no inconsciente coletivo nacional.

A grande questão é que o extremismo, como é possível constatar nas páginas da história, costuma se perder em si mesmo. A ânsia que reside nesse comportamento é, muitas vezes, indomável e faz perder o foco nos seus próprios objetivos. O extremismo é afoito, intempestivo, a tal ponto que negligencia a prudência e o planejamento, em suas atitudes.

Moldando-se a partir de seus interesses imediatos, ele se esquece do amanhã, do depois. Ora, pensando na perspectiva contemporânea, o cotidiano nunca esteve tão submetido à efemeridade quanto agora. Da noite para o dia, as conjunturas cotidianas se realinham e se organizam totalmente diferentes das projeções iniciais.

Haja vista o exemplo de duas guerras em curso. Cada vez mais, controlar, vigiar e punir ultrapassam as possibilidades internas e externas de qualquer país. A dinâmica dos acontecimentos é, simplesmente, frenética. Além das beligerâncias, inúmeros componentes socioambientais também contribuem para fortalecer os níveis de tensão no planeta.

Epidemias. Fome. Empobrecimento. Eventos extremos do clima. ... De modo que é importante ressaltar que esses aspectos têm uma participação direta dos agentes do extremismo global. Afinal de contas, suas escolhas, decisões, opiniões, historicamente, sempre passaram à margem de quaisquer preocupações com o ser humano; sobretudo, aqueles oriundos das camadas mais frágeis e vulneráveis da população.

Daí, quando se tem colocado sobre a mesa a pseudoideia de extremismo moderado, deve-se ter em mente um conjunto de expectativas nefastas sobre o que isso representa. Basicamente, será um contínuo efeito bumerangue, ou seja, o conjunto de responsabilidades e obrigações inerentes ao extremismo, tende a recair exatamente sobre os extremistas, dada a sua imprevidência negligente e imediatismo individualista.  

Sem medir as consequências de suas escolhas, decisões e/ou opiniões, alicerçados exclusivamente em suas crenças, valores e princípios absolutos, a realidade contemporânea, então, impõe o gosto amargo do revés, ao extremismo. Os resultados insatisfatórios começam a ser contabilizados muito rapidamente. O seu fundamentalismo começa a se esfacelar diante da inconsistência e do enviesamento das suas ideias.

Aí, quanto mais tentam fanatizar o fundamentalismo a fim de assegurar o extremismo, mais o gelo se quebra sob seus pés.  A realidade dos fatos é sempre mais contundente do que as mentiras, as idealizações, os delírios. E ela nem precisa, de discursos ou palavras, para responder, para reagir. Gostem ou não, a realidade está sempre no controle da vida.

Portanto, é prudente arrefecer quaisquer ímpetos de entusiasmo envolvendo essa recente pseudoideia de extremismo moderado. Extremismo é como qualquer outro rótulo, não tem gradação para atenuar-lhe os efeitos. O que significa que não há extremismo maior, menor ou moderado.

E nesse sentido, lembremo-nos das palavras de Eric Hobsbawm quando disse que “Mito e invenção são essenciais à política de identidade pela qual grupos de pessoas, ao se definirem hoje por etnia, religião ou fronteiras nacionais passadas ou presentes, tentam encontrar alguma certeza em um mundo incerto e instável, dizendo: ‘Somos diferentes e melhores do que os Outros’”. Afinal de contas, já sabemos, ou pelo menos deveríamos, o que isso significa.