Nós e
nossas gradações ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Parece que chegamos ao ápice da desconexão
com a realidade. De repente, uns e outros começam a defender, no Brasil, a
ideia de extremismo moderado! O que dizer, não é mesmo?! A tendenciosa
criatividade humana é sempre espantosa!
Isso é que dá estabelecer estereótipos
e mais estereótipos, por aí. O extremismo não está somente na ignorância, na
brutalidade, na incivilidade, na crueldade, das manifestações alheias. O extremismo
quase sempre chega de maneira sutil na sociedade, pela força retórica de ideias
que encontram consonância nas insatisfações populares.
Acontece que, passado algum tempo,
o extremismo se reafirma através do fundamentalismo que cerceia o pensamento,
exigindo uma obediência irrestrita a interpretação dada a um conjunto de
princípios fundamentais. Algo tão forte que, segundo Umberto Eco, “Fundamentalistas
dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles
que não compartilham suas visões de mundo”.
Fácil perceber, então, diante de um
mundo tão consumido pelo fanatismo ideológico! O que no caso do Brasil, carrega
o peso da herança histórica colonial, no que diz respeito, principalmente, à construção
do próprio modelo social. A fragmentação desencadeada pelas camadas de
desigualdade, presentes no país, é o que sustenta esse fanatismo.
O topo da pirâmide social nunca
esteve disposto a negociar seus espaços de poder, suas regalias e seus privilégios,
em nenhum momento da história. Por isso esses indivíduos exercem, de maneira
extremista, o seu papel social de controlar, vigiar e punir, aqueles que ousam transgredir
e ultrapassar as fronteiras predeterminadas.
E a forma de exercer esse extremismo
se dá pelo fato de possuírem uma representatividade estrategicamente alocada
nas instituições, nos poderes, nos meios de produção e comércio, nos templos
religiosos, enfim. De modo que o fundamentalismo das suas ideias possa ser
continuamente reverberado e reafirmado no inconsciente coletivo nacional.
A grande questão é que o
extremismo, como é possível constatar nas páginas da história, costuma se
perder em si mesmo. A ânsia que reside nesse comportamento é, muitas vezes,
indomável e faz perder o foco nos seus próprios objetivos. O extremismo é
afoito, intempestivo, a tal ponto que negligencia a prudência e o planejamento,
em suas atitudes.
Moldando-se a partir de seus
interesses imediatos, ele se esquece do amanhã, do depois. Ora, pensando na
perspectiva contemporânea, o cotidiano nunca esteve tão submetido à efemeridade
quanto agora. Da noite para o dia, as conjunturas cotidianas se realinham e se
organizam totalmente diferentes das projeções iniciais.
Haja vista o exemplo de duas
guerras em curso. Cada vez mais, controlar, vigiar e punir ultrapassam as
possibilidades internas e externas de qualquer país. A dinâmica dos
acontecimentos é, simplesmente, frenética. Além das beligerâncias, inúmeros componentes
socioambientais também contribuem para fortalecer os níveis de tensão no
planeta.
Epidemias. Fome. Empobrecimento. Eventos
extremos do clima. ... De modo que é importante ressaltar que esses aspectos
têm uma participação direta dos agentes do extremismo global. Afinal de contas,
suas escolhas, decisões, opiniões, historicamente, sempre passaram à margem de
quaisquer preocupações com o ser humano; sobretudo, aqueles oriundos das
camadas mais frágeis e vulneráveis da população.
Daí, quando se tem colocado sobre
a mesa a pseudoideia de extremismo moderado, deve-se ter em mente um conjunto
de expectativas nefastas sobre o que isso representa. Basicamente, será um contínuo
efeito bumerangue, ou seja, o conjunto de responsabilidades e obrigações
inerentes ao extremismo, tende a recair exatamente sobre os extremistas, dada a
sua imprevidência negligente e imediatismo individualista.
Sem medir as consequências de suas
escolhas, decisões e/ou opiniões, alicerçados exclusivamente em suas crenças,
valores e princípios absolutos, a realidade contemporânea, então, impõe o gosto
amargo do revés, ao extremismo. Os resultados insatisfatórios começam a ser
contabilizados muito rapidamente. O seu fundamentalismo começa a se esfacelar
diante da inconsistência e do enviesamento das suas ideias.
Aí, quanto mais tentam fanatizar
o fundamentalismo a fim de assegurar o extremismo, mais o gelo se quebra sob
seus pés. A realidade dos fatos é sempre
mais contundente do que as mentiras, as idealizações, os delírios. E ela nem
precisa, de discursos ou palavras, para responder, para reagir. Gostem ou não, a
realidade está sempre no controle da vida.
Portanto, é prudente arrefecer
quaisquer ímpetos de entusiasmo envolvendo essa recente pseudoideia de
extremismo moderado. Extremismo é como qualquer outro rótulo, não tem gradação
para atenuar-lhe os efeitos. O que significa que não há extremismo maior, menor
ou moderado.
E nesse sentido, lembremo-nos das palavras de Eric Hobsbawm quando disse que “Mito e invenção são essenciais à política de identidade pela qual grupos de pessoas, ao se definirem hoje por etnia, religião ou fronteiras nacionais passadas ou presentes, tentam encontrar alguma certeza em um mundo incerto e instável, dizendo: ‘Somos diferentes e melhores do que os Outros’”. Afinal de contas, já sabemos, ou pelo menos deveríamos, o que isso significa.