quarta-feira, 29 de maio de 2024

A arte de lançar as sujeiras debaixo do tapete


A arte de lançar as sujeiras debaixo do tapete

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ao contrário do que muitos pensam, os radicais e extremistas contemporâneos, que adoram apostar na política do medo e da insegurança, quanto mais expostos às incertezas da vida mais se exasperam e deixam evidentes as suas fragilidades e vulnerabilidades.

É simples, basta observar como as situações críticas amplificam, por exemplo, o derrame de Fake News nas mídias sociais. Sem saber como lidar com a gravidade e urgência dos fatos, esses indivíduos apelam para práxis disruptivas da estabilidade social. Foi assim durante a pandemia. É assim na catástrofe antrópico-climática do Rio Grande do Sul. ...

Quaisquer assuntos ou acontecimentos que afetem, direta ou indiretamente, os seus interesses é motivo, mais do que suficiente, para lançarem mão das estratégias nefastas e irresponsáveis disponíveis na contemporaneidade. Como se criar uma realidade paralela, idealizada, pudesse, de algum modo, atenuar ou interromper definitivamente o curso da história.

Só que não. Não são as suas vontades e quereres que determinam os eventos do mundo. No máximo, o que essas pessoas têm conseguido fazer é catalisar efeitos exatamente contrários às suas expectativas. Dentro desse contexto, muito tem sido falado a respeito do negacionismo. Pois é, cada vez mais, certos elementos da sociedade querem que a realidade seja validada segundo as suas próprias perspectivas.

Bem, isso é uma escolha que não gira, necessariamente, em torno de conhecimento ou de ignorância; mas, de pura vaidade e excessivo ímpeto de liberdade, tão comuns em tempos contemporâneos. Seja porque motivo for, o que importa é que a realidade permanece com suas verdades desconfortáveis batendo à nossa porta.

Vejam, o não vacinar não impede que o vírus Sars-COV-2 ou quaisquer outros vírus, para os quais já existem imunizantes disponíveis, continuem circulando livremente, por aí. Portanto, a negação não interrompe o ciclo de adoecimento, de mortes e de eventuais sequelas, entre os seres humanos.

A desconstrução das legislações e protocolos ambientais não impede que os episódios de emergências climáticas assolem o planeta, de diferentes maneiras. Portanto, a negação não interrompe o recrudescimento e a intensificação das enchentes, dos desmoronamentos, da elevação das águas oceânicas, do desmatamento, ... que têm consequências devastadoras para a humanidade.

A criminalização das drogas não impede que os usuários busquem caminhos alternativos para satisfazer o seu vício, como sempre aconteceu na história da humanidade. Portanto, a negação não interrompe os gatilhos que impulsionam a deterioração da saúde mental das pessoas, fazendo-as utilizar drogas, lícitas e ilícitas.

Enfim. Tudo isso só faz, ou deveria fazer, perceber que a verdade é bem mais potente e resistente do que a mentira, a ilusão. O mundo não deixa de ser o que é por isso ou por aquilo. O fluxo da vida não deixa de seguir seus caminhos porque uns e outros não querem que seja assim. Tentar represar a dinâmica do planeta é desconsiderar o poder da sua fúria incontrolável.

Decisões, escolhas, opiniões, ... só resistem até a página dois. As conjunturas da vida têm uma capacidade de se impor e de fazer acontecer, inimaginável. Não há dinheiro, no mundo, que consiga domar esse fato. É como dizia o célebre colunista Ibrahim Sued, “os cães ladram e a caravana passa” (Ditado Árabe).

O fato de vociferarem, de derramarem o seu fel odioso pelos veios das mídias sociais e pelas esquinas da vida, não significa que serão satisfeitas as suas aberrações delirantes. Não. O mundo segue o baile. Se inventa, se reinventa, se descobre, se transforma. Sempre dentro do que melhor lhe convém, do que lhe é pertinente.

E, talvez, esse seja o ponto de reflexão. Porque significa que o mundo não se curva para satisfazer as vontades de ninguém. Então, todas as expectativas, sonhos, idealizações, do ser humano acabam se esvaindo pelo ralo. Por mais que façam e aconteçam, o resultado acaba distante, anos luz, das projeções. 

A cada volta completa que os ponteiros do relógio realizam, muitas águas correm por debaixo das pontes, muitas ondas se formam e desaparecem no oceano, ... De modo que nada na vida é taxativo. Há muito mais incertezas do que certezas nos rodeando. Sem contar que as respostas, sobre tudo o que é mais importante, não chegam necessariamente por palavras.

Bem, há quem esteja apostando todas as fichas na sua própria ilusão. Não se permitindo ver a realidade como ela é, ou perceber os sinais que evitam os tropeços, os fracassos. E essa tormenta de inquietude tende a ser o caminho mais curto para que essas pessoas alcancem a sua própria ruína.

Sim, porque “O que não enfrentamos em nós mesmos encontramos como destino”, ou seja, “O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera. Elas se mudam para a casa vizinha e poderão atear o fogo que atingirá sua casa sem que ele perceba. Se abandonarmos, deixarmos de lado, e de algum modo esquecermo-nos excessivamente de algo, corremos o risco de vê-lo reaparecer com a violência redobrada” (Carl Gustav Jung). Pensemos a respeito!