À revelia das opiniões ...
Por Alessandra Leles Rocha
Olhando
para o mundo contemporâneo é inevitável não ter a impressão de que muitas
pessoas perderam o juízo ou a capacidade de sentir. São tantos absurdos, daqui
e dali, que esse pseudossenso acaba se fortalecendo. No entanto, não creio que
seja exatamente assim.
Por
trás dessa aura, de alienação ensimesmada, ainda existe um ser humano. Que vive.
Que sente. Que se ressente. Que se perturba. ... A grande questão é saber qual
o limite de tolerabilidade das pessoas quanto a demonstrarem a sua percepção do
mundo, do cotidiano.
Afinal
de contas, certas verdades são doídas demais, impalatáveis, indigeríveis. De modo
que é preciso, um certo jogo de cintura, para lidar com elas. O que na maioria
das vezes, acaba sendo através do seu armazenamento no secretíssimo esconderijo
do inconsciente, longe e inacessível ao alcance de estranhos.
Fato
é que isso acontece por força da própria identidade humana. Ser, no mundo atual,
é cada vez mais desafiador. Defender a própria identidade, com unhas e dentes,
é somente para os bravos e destemidos, que não se acanham ou se amedrontam
diante dos ataques, dos cancelamentos, das invisibilizações, das
marginalizações.
Por
incrível que pareça, o movimento blasé que se arrasta pela
contemporaneidade, não passa de um subterfugio para dar proteção para muita
gente, por aí. De alguma maneira, blindá-las da incompreensão, da não
aceitação, do não pertencimento, imposto pela sociedade.
Tornar-se
indiferente aos contínuos e demasiados estímulos sensoriais, afetivos, intelectuais,
... ou dos prazeres e dores do mundo, reduz o surgimento de indisposições, ruídos,
atritos e beligerâncias sociais. Trata-se de um modo peculiar de “agradar a
gregos e a troianos”, o qual muitos acabam definindo como uma maestria
diplomática.
Mas,
eu me pergunto: será? Abafar a identidade humana, a esse ponto, me parece um
preço alto demais a se pagar. Ao contrário do que muitos pensam, a psique
humana é uma força causal, irredutível e indomável às ordens de causas lógicas
conhecidas, portanto, ela não é inerte, isenta de impulso vital.
O
que faz com que os silêncios humanos, as abstenções, as indiferenças, as
negações, sejam apenas pura casca de aparência. No fundo, o cotidiano da vida
continua as afetando, as alfinetando, as instigando a pensar, a sentir, a
inquietar. Até que em algum momento isso extravasa, mesmo que sutilmente. Ora,
a subjetividade humana também tem limites!
Pode
ser que essa manifestação não se dê publicamente. Mas, o que diriam os
travesseiros e as almofadas se pudessem falar, hein?! Porque essa rigidez de
protocolos, esse excesso de autocontrole, para se manter à margem dos acontecimentos,
não é salutar. Aliás, não só adoece como retira das pessoas o brilho fascinante
da sua humanidade.
Talvez,
por esse entendimento é que eu adoro essa reflexão de Martha Medeiros: “Sempre
desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio e nem paixão, as
coisas definidas como mais ou menos. Um filme mais ou menos, um livro mais ou
menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos
anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu
acaso, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que
não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua
biografia” (Divã, 2002).
Afinal, para ser alguém com esse grau de consciência, é sinal de que essa pessoa está verdadeiramente disposta a defender sua identidade e a viver no mundo à revelia das opiniões, das imposições, dos desconfortos, alheios. São pessoas que têm a plena consciência de que “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe” (Oscar Wilde).