O jogo do
jogo ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Faltando 63 dias para o início
dos Jogos Olímpicos de Paris, é triste perceber a deterioração do seu lema
oficial “Citius, altius, fortius” (mais rápido, mais alto, mais forte),
quando paira sobre a realidade contemporânea desportiva uma névoa tóxica de
parcialidade, promovida pelas bolsas de aposta.
Por mais que existam mecanismos
de controle, de antidoping e/ou de avaliação de imagens, a verdade é que a
magia e o encantamento promovido pelas diversas práxis desportivas vêm se tornando
maculadas por uma aura de suspeição. Como se fosse inevitável desconfiar sempre
dos resultados.
Embora, não seja a primeira e nem
última, a notícia de que um renomado jogador de futebol brasileiro foi denunciado
por envolvimento com apostas no Reino Unido 1,
esse fato revela o desvirtuamento imposto pelo poder capital ao mundo
esportivo.
Há tempos, os atletas não são
somente atletas. No contexto da realidade contemporânea, eles foram alçados à condição
de produtos pela força do marketing.
Alguns possuem suas próprias marcas.
Outros associam sua imagem a determinados bens, produtos e serviços. Há os que
se dedicam às causas sociais; mas, que é algo não dissociado de
repercussão, de visibilidade e de rentabilidade econômica. E aqueles que se envolvem no submundo que contempla
as apostas, manipulações de resultados e subornos.
Como disse, infelizmente, isso não
é uma novidade. Já vimos acontecer em outros países 2.
Mas, não se restringe somente ao futebol. Outros desportos já foram cooptados
por essas práxis. Haja vista o “Escândalo de apostas no tênis: investigação
revela que um top 30 vendeu jogos” 3.
O importante é entender que todo
esse movimento reflete diretamente na desimportância do atleta em relação ao
seu papel desportista, para se deslocar rumo às diversas camadas midiáticas contemporâneas,
incluindo a rentabilidade de cifras astronômicas.
A contabilização de milhões de
seguidores nas redes sociais, por exemplo, dá bem a dimensão desse processo. O nível
de exposição deles se explica pela necessidade de cumprir esse papel de gerar conteúdo,
de gerar divisas, de promover publicidade, com elementos que possam nutrir o imaginário
do seu público.
Na maioria das vezes, as
postagens sequer fazem menção ao esporte. O que significa que os atletas acabam
sendo levados a opinar e se manifestar sobre assuntos diversos, os quais nem
sempre dispõem de um relativo conhecimento a respeito. Algo capaz de gerar, inclusive, situações desconfortáveis
e polêmicas, sem a menor necessidade.
Infelizmente, o que estamos
presenciando é mais um desdobramento nefasto da ingerência do poder capital
sobre a sociedade contemporânea. Esse processo bate, em cheio, no ser humano,
porque mexe com questões subjetivas, tais como autoestima, vaidade, inclusão
social, importância.
De modo que, muitos atletas, por
razões diversas, são enredados pelo fascínio que todo esse midiatismo
desencadeia. Fazendo com que o esporte se torne apenas um trampolim para uma
vida melhor, para o sucesso, para a notoriedade.
Aliás, esse trampolim se sustenta
por certos discursos, os quais, apesar de verdadeiros, não deveriam sinalizar
um caminho livre e distante da ética, como acontece. Sim, a carreira de atleta
é curta. Os desafios são imensos. As oportunidades limitadas.
No entanto, aceitar que os fins possam
justificar os meios anula radicalmente os valores esportivos, ou seja, o fair-play,
o despertar das lideranças, o respeito às normas e regras, o senso de
pertencimento e o espírito de equipe.
Nesse contexto, lembrei-me das
seguintes palavras de Immanuel Kant: “A moral, propriamente dita, não é a
doutrina que nos ensina como sermos felizes, mas como devemos tornar-nos dignos
da felicidade”.
Portanto, que o corpo desportivo,
onde quer que se encontre, lembre-se sempre de que “No reino dos fins tudo
tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em
vez dela qualquer outra como equivalente; mas, quando uma coisa está acima de
todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade” (Immanuel Kant 4).
1 https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-ingles/noticia/2024/05/23/lucas-paqueta-e-acusado-de-ma-conduta-com-relacao-a-apostas-em-quatro-jogos-da-premier-league.ghtml
2 https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/12722360/italia-novo-escandalo-dupla-investigada-perder-vaga-selecao-relembre-outros
3 https://bolamarela.com.br/escandalo-de-apostas-no-tenis-investigacao-revela-que-um-top-30-vendeu-jogos/
4 KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70. p.77.