Sob um morticínio
chuvoso
Por Alessandra
Leles Rocha
Tenho escrito com frequência
sobre a questão do adoecimento populacional, em todo o planeta; mas, não é sem
motivo. O caso do desmatamento químico realizado por um pecuarista, na região
do Pantanal, exemplifica muito bem como os seres humanos vêm sendo expostos a inúmeros
riscos, à revelia do seu próprio conhecimento.
A ciência e a tecnologia no campo
agronômico podem ter evoluído, a passos largos; mas, uma coisa não mudou. Do
controle existente nos protocolos de laboratório para a realidade do ambiente
externo, os produtos adquirem outras dimensões. Ventos, chuvas, animais e
insetos podem sim, disseminar os produtos além do espaço onde foram aplicados.
Engana-se que o problema se dê, exclusivamente,
por conta da pulverização aérea. Não. A própria interação natural existente entre
clima, relevo, vegetação, solo e hidrografia, retiram qualquer possibilidade de
controle sobre a aplicação dos produtos. De modo que a vegetação é destruída pela
contaminação intensa dos agrotóxicos utilizados; mas, estes afetarão na mesma
proporção a fauna, o solo e a hidrografia local. O que significa que um raio
muito maior do que o planejado será contaminado.
E a poluição invisível, caro (a)
leitor (a), é muitas vezes pior do que a poluição visível, porque ela transmite
uma falsa ideia de que está tudo bem, que não há perigo. Ora, considerando o histórico
da raça humana, desde sempre os indivíduos aprenderam a fazer uso dos recursos naturais
para sua sobrevivência. O que significa que aprenderam a caçar, a pescar, a
utilizar as fontes hídricas, enfim. E se o ambiente é contaminado, todas essas
atividades estão comprometidas.
Segundo as informações sobre o caso
no Pantanal, “O fazendeiro usou 25 agrotóxicos diferentes, um deles tem a
substância 2,4-D – a mesma presente na composição do chamado agente laranja. Trata-se
de um desfolhante químico altamente tóxico usado pelos Estados Unidos na Guerra
do Vietnã” 1.
De modo que os dados obtidos a
partir de “Análises laboratoriais realizadas por peritos no Pantanal
confirmaram a contaminação de amostras de vegetação, solo e água pelos
agrotóxicos, classificados como altamente perigosos para o meio ambiente” 2.
No entanto, se há risco ao meio
ambiente, há também o risco à saúde pública. De acordo com a Ficha de
Informação Toxicológica (FIT), da Divisão de Toxicologia Humana e Saúde
Ambiental, da CETESB, em 2022, “Estudos epidemiológicos sugerem associação entre
a exposição aos herbicidas clorofenóxicos, como o 2,4-D, e duas formas de
câncer: sarcoma de tecidos moles e linfoma não-Hodgkin” 3.
Assim, partindo-se do fato de que
houve “a aplicação de herbicidas ao longo de três anos, e as notas fiscais
apreendidas revelam que, só com a compra de agrotóxicos, ele (o fazendeiro) gastou
R$25 milhões” 4, estima-se um risco real
naquela região.
Tendo em vista que esses produtos
têm grande potencial mutagênico, teratogênico, carcinogênico e no sistema reprodutivo,
a possibilidade de serem absorvidos e retidos pelos organismos (Bioacumulação) é
bastante preocupante.
Sigmund Freud já dizia, no início
do século passado, que “Há numerosos indivíduos civilizados que recuariam
aterrados perante a ideia do assassínio ou do incesto, mas que não desdenham
satisfazer a sua cupidez, a sua agressividade, as suas cobiças sexuais, que não
hesitam em prejudicar os seus semelhantes por meio da mentira, do engano, da
calúnia, contanto que o possam fazer com impunidade” 5.
É por essas e por outras, que as práxis
poluidoras trazem à tona “Reflexões sobre o fracasso civilizatório” 6, seja a partir de pesquisas científicas,
de matérias jornalísticas, de textos literários e/ ou de filmes 7. Todos esses mecanismos permitem não
apenas entender a realidade dos fatos; mas, gerar uma resposta ética e cidadã. Afinal,
segundo escreveu Albert Camus: “Agora, sei que o homem é capaz de grandes
ações. Mas se não for capaz de um grande sentimento, não me interessa” 8.
1 https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/04/14/agente-laranja-pecuarista-desmata-o-pantanal-com-substancia-altamente-toxica.ghtml
https://www.dw.com/pt-br/agente-laranja-o-legado-fat%C3%ADdico-dos-eua-no-vietn%C3%A3/a-18421288
2 https://www.terra.com.br/planeta/pecuarista-e-suspeito-de-desmatar-pantanal-com-substancia-altamente-toxica,53fa159820289d3bceeca77b73038016u9x7k1hv.html
4 Idem
1.
5 O
Futuro de uma ilusão (1927) - https://www.amazon.com.br/futuro-uma-ilus%C3%A3o-849/dp/8525419982
6 https://emprosaeverso-alr.blogspot.com/2024/04/reflexoes-sobre-o-fracasso-civilizatorio.html
https://alrocha-antenacultural.blogspot.com/2024/04/reflexoes-sobre-o-fracasso-civilizatorio.html
7 O
preço da verdade – Dark Waters - https://www.youtube.com/watch?v=cuW1RmJHIgI
Minamata (2021) - https://www.youtube.com/watch?v=WP3pKTssw_E
Erin Brockovich (2000) - https://www.youtube.com/watch?v=lSTdvGy3UNs
A Plastic Ocean - https://www.youtube.com/watch?v=6zrn4-FfbXw
8 CAMUS, A. A Peste. Tradução de Valerie Rumjanek. Ed. Record, 1993. p.114.