quinta-feira, 5 de outubro de 2023

O tempo urge!


O tempo urge!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Em 25 de maio deste ano, eu escrevi uma reflexão intitulada É PRECISO NOMEAR CORRETAMENTE AS COISAS! 1, na qual, em um dado momento, tratando da voracidade ideofisiológica que mostra o atual cenário do Congresso Nacional, eu escrevi que “se nada for feito para conter os arroubos dessa gente, pode ser que amanhã, sua sanha recaia sobre o Judiciário. De repente não mais vão se contentar em legislar; mas, em se apropriar da autoridade para proferir sentenças, julgar e punir quem quer que seja”.

Não, não quero com isso dizer que foi uma fala premonitória; mas, uma constatação com base no que havia acontecido para a aprovação da Medida Provisória que propôs a reestruturação ministerial. Porque o Congresso Nacional, quando dessa votação, ultrapassou afrontosamente as fronteiras da separação dos poderes e imiscuiu em uma decisão que só cabia ao Executivo federal, que era organizar a estrutura que conduziria os trabalhos da sua gestão. E ninguém disse absolutamente nada. Não houve oposição, contestação. E como diz o velho provérbio “Quem cala consente”!

O grande equívoco que me parece estar acontecendo, no Brasil, trata justamente do fato de se tentar dissociar os fatos das pessoas. Uns e outros gostam de dizer que o Congresso, eleito em 2022, é em sua maioria, conservador, para abster-se do que realmente precisa ser considerado. Ora, o Brasil já se cansou, ao longo da sua história, de ter em seu Legislativo bancadas majoritariamente conservadoras. Portanto, não é esse o ponto.

Acontece que dessa vez, o que está por trás desse pano de fundo é um projeto de poder, liderado pela ultradireita nacional e seus simpatizantes, o qual teve o curso interrompido pela derrota do candidato à reeleição para a Presidência da República, no último pleito eleitoral. Não preciso me alongar, recapitulando todos os acontecimentos abjetos e nefastos, materializados pelas mais diversas expressões terroristas, que se sucederam por conta disso, a partir da divulgação do resultado das urnas.

Mas, como é facilmente perceptível, o inconformismo dessas pessoas é milhares de vezes maior do que a lucidez e o bom senso. O arraigamento convicto que eles têm de que irão, custe o que custar, impor a sua visão de país, o seu ideário de governança, nem sequer lhes permite enxergar os caminhos pelos quais segue a realidade global contemporânea. Sem quaisquer lampejos de racionalidade e de coerência temporal, então, eles se armam do extremismo, do radicalismo, da beligerância, da distorção da realidade, para se firmar de algum modo no cenário atual.

E é justamente aí que está o cerne da sua fúria contra o Poder Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal (STF). Governos autoritários têm por tendência natural solapar a justiça para moldá-la segundo as suas próprias crenças, princípios e convicções. Vamos e convenhamos que esse entendimento não esteve oculto de quem quer que seja. Especialmente, considerando que em 2018, um deputado federal, que por sinal é filho do ex-Presidente da República, já afirmava publicamente que para fechar o STF bastaria um soldado e um cabo.

Vejam, a ultradireita nacional e seus simpatizantes nutrem pelo STF um ódio, um desprezo, uma repulsa, justificado pelo fato de que ele representa uma ameaça concreta ao seu projeto de poder, tendo em vista que “as raízes da necropolítica se encontram no histórico colonial brasileiro, nesse modo de organização e relação social quem vem vigorando pela força do poder das elites, ao longo desses pouco mais de 500 anos. Portanto, há um interesse claro na preservação e manutenção das regalias e dos privilégios daqueles que sempre detiveram os poderes no país” 2.

E aproveitando-se, talvez, de um espírito demasiadamente condescendente e cordial, que vigora há séculos nessa terra, essas pessoas se armaram da legitimidade nutrida; sobretudo, ao longo do último governo, para se despirem por completo de quaisquer pudores ou constrangimentos para exercitar a sua radicalização e extremismo, seja no ambiente real ou virtual, social ou institucional. Bem, já dizia Rui Barbosa, no início do século XX, mais precisamente em 1920, que “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta” 3.

Afinal, quando a inação impera, o silêncio paira pesado sobre a sociedade, as pretensões nada ortodoxas fervilham nas mentes de uns e outros, o corporativismo repleto de rapapés e mesuras vigora, a injustiça sob a face dos mais diversos desdobramentos nocivos, então, torna-se o único resultado possível de se alcançar. E a ultradireita nacional e seus simpatizantes sempre esperam por isso. Eles contam com essa junção de fatores para prosperar a injustiça. Porque para eles a justiça está balizada pela subjetividade das importâncias sociais, ou seja, a justiça é para quem pode e não para quem quer. Por isso, eles precisam se apropriar da justiça também.



3 Presente na Oração aos Moços, um discurso escrito por Rui Barbosa para paraninfar os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, e depois publicado em 1921.