É
preciso nomear corretamente as coisas!
Por
Alessandra Leles Rocha
Se há uma necessidade urgente na contemporaneidade,
ela diz respeito a nomear corretamente as coisas, os acontecimentos. É só dessa
maneira que se consegue afastar o fantasma das más interpretações oportunistas ou
os vieses de ocasião, que tanto se valem das Fake News para atingir seus propósitos.
Tudo tem nome. E nome traz significado. Traz significância. Traz reflexão. Traz
ação.
Depois de permitir decantar as
notícias impactantes produzidas em Brasília, no dia de ontem, 24 de maio de
2023, confesso que esperava um pouco mais das autoridades e dos veículos de
comunicação e de informação, no que diz respeito às suas considerações e
análises. Afinal, não é de hoje que o país assiste perplexo a todo o tipo de
afrontas e desrespeitos à Democracia, ao Estado de Direito e à Constituição
Federal; bem como, aos indivíduos a eles associados, mas reluta em dar o nome
correto. Mas minhas expectativas se frustraram. Até o momento, não vi quem
ousasse traduzir os recentes acontecimentos da maneira mais objetiva, franca e
direta.
Bem, o que se viu acontecer,
ontem, sob o manto de uma pseudolegalidade no Congresso Nacional foi mais um
ato golpista, como tem se tornado praxe acontecer no país. Primeiro, porque
considerando a Teoria de Freios e Contrapesos que atua sobre os três Poderes da
República brasileira, extrapola aviltantemente o poder Legislativo Federal
quando decide interferir sobre assunto de competência privativa do Poder Executivo,
como estabelece o artigo 84 da Constituição Federal de 1988.
Segundo, porque tal atitude se
manifesta como uma tentativa de subverter o sistema de governo do país, que é
presidencialista 1. Ao usurpar de uma
prerrogativa do Poder Executivo, a ideia parece ser transformar, à revelia das
decisões populares, o sistema de governança em semipresidencialista, ferindo novamente
os princípios constitucionais vigentes de maneira bem mais ofensiva e insultuosa,
do que fizeram os bárbaros invasores, em 08 de janeiro, ao depredar um exemplar
da Carta Magna de 1988.
Foi, então, que algo me pareceu
bastante plausível, quando se abstém de olhar a fotografia para dar atenção ao
filme inteiro. Seja antes, durante ou depois do pleito eleitoral de 2022, a
direita brasileira e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas,
davam sinais claros de que um retorno de seus opositores ao poder, jamais seria
tolerado ou admitido. O fato de o Brasil e o mundo assistirem às mobilizações em
portas de quartéis-generais, bloqueios de estradas e rodovias, avalanches de
Fake News na Web e na Deep Web, e muitas ameaças explícitas e veladas propagadas,
por aí, foram a resposta mais contundente ao silêncio palaciano que reverberou nos
poucos meses após o fim da eleição.
Até que, em 12 de dezembro de
2022, Brasília assistiu a um ensaio de luxo da barbárie que iria assolar a
capital federal em 08 de janeiro de 2023. Não, não havia silêncio. Nunca houve.
Enquanto os movimentos visíveis ocupavam a atenção dos veículos de comunicação
e informação, o silêncio ruidoso urdia. Como em todos os quatro anos de governo
comandado pela direita brasileira e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e
extremistas, havia método, planejamento e estratégia sendo configurados para a deflagração
de um Golpe de Estado.
Aliás, recentemente, durante as
investigações da Polícia Federal em torno dos Atos Terroristas de 08 de
janeiro, descobriu-se uma minuta de golpe na casa do ex-Ministro da Justiça, o
que vamos e convenhamos parece, agora, só uma isca para ofuscar o verdadeiro
plano. Ora, depois de ontem, é possível entender que tudo o que aconteceu até
aqui não passou de pirotecnia para roubar tempo e esforços humanos, materiais e
financeiros, enquanto o caminho perfeito ficava desguarnecido de atenção, tanto
pelo Judiciário quanto pelo Executivo.
Para que um golpe seja um golpe, o
necessário é destituir o poder de governança, minar a capacidade de gestão,
conduzindo a uma insuficiência e a uma ineficiência aguda. E para isso,
bastaria contar com o staff representativo da direita brasileira e seus
matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, no Congresso Nacional,
obstaculizando toda e qualquer pauta do governo eleito que pudesse conferir a
este prestígio e popularidade. Essa é, sem dúvida, a grande estratégia para que
a direita brasileira e seus matizes não perdesse o controle do poder, o que em miúdos,
não passa da garantia de históricas regalias e privilégios.
Isso sem contar que, no campo econômico,
a direita brasileira e seus matizes, oportunamente, deixou também seus fiéis
representantes, em espaços estratégicos, para desempenhar o papel de manter a
condução dos trabalhos, segundo os seus interesses e não, os do país. O que se traduz,
portanto, em um claro desrespeito a escolha majoritária expressa nas urnas (50,90%
dos votos válidos)2, que não escolheu somente
figuras humanas da sua simpatia; mas, a convicção de uma proposta de governança
diferente daquela que estava no poder.
Ontem, o Congresso Nacional exibiu,
como jamais teve a ousadia de fazer, a sua face mais ideofisiológica, ou seja,
um misto repugnante do fisiologismo tradicional com o ranço colonial ideológico.
Mostrou toda a sua voracidade pelo poder, na ruptura flagrante com os limites
constitucionais da República. Mostrou que quer fazer do atual governo uma
marionete das suas vontades, dos seus quereres, através do resgate das suas
propostas e políticas. E se nada for feito para conter os arroubos dessa gente,
pode ser que amanhã, sua sanha recaia sobre o Judiciário. De repente não mais
vão se contentar em legislar; mas, em se apropriar da autoridade para proferir
sentenças, julgar e punir quem quer que seja.
Agora, talvez, a sociedade
brasileira entenda a extensão e a profundidade das ameaças que se colocam para o
Estado de Direito, a Democracia e a Cidadania nacional. Não, o fim do pleito
eleitoral de 2022 não pôs fim às tensões. As ameaças permanecem pairando no ar.
O golpismo respira e transpira suas intenções. A direita brasileira e seus matizes;
sobretudo, os mais radicais e extremistas, não estão, e nem nunca estiveram,
preocupados com desenvolvimento, o progresso e o bem-estar do país. Seu
trabalho é legislar em causa própria. Mas, não para por aí. Eles estão plenos e dispostos a lutar para
implantar a sua visão de mundo ainda que na contramão da realidade.
O que significa que estamos,
então, mais susceptíveis e vulneráveis ao racismo, à xenofobia, à misoginia, à
homo e à transfobia, ao à aporofobia, ao trabalho análogo à escravidão, ao genocídio
de povos originários, à apropriação indébita de terras indígenas, à devastação
ambiental, à contaminação de recursos hídricos, ... Sim,
porque não é possível dissociar essas questões da direita brasileira e seus
matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.
Afinal de contas, toda vez que
essa tentativa de dissociação acontece se chega à estarrecedora conclusão de como
“Tudo o que Hitler fez na Alemanha era
legal” (Martin Luther King Jr.). Simplesmente,
porque “Democracias podem morrer não nas
mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros
que subvertem o próprio processo que os levou ao poder”, basta que estes usem
“crises econômicas, desastres naturais e,
sobretudo, ameaças à segurança – guerras, insurreições armadas ou ataques
terroristas – para justificar medidas antidemocráticas” (Steven Levitsky).