Não,
não dá para contemporizar!!!
Por
Alessandra Leles Rocha
Não há diálogo sem, no mínimo,
duas vozes. Também, não há diálogo quando há resistência de algum dos
interlocutores. Por isso, não deveria haver espanto diante da postura da direita
e de seus matizes. Afinal, trata-se de um comportamento histórico dessas forças
político-partidárias, dominantes no país, no que diz respeito ao completo
descaso com a dialogia. Sobretudo, quando o assunto não lhes favorece ou não lhes
interessa.
Dito isso, os recentes
acontecimentos no Congresso Nacional não deixam dúvidas sobre o fato de o
governo estar totalmente equivocado na sua tentativa de construir uma postura diplomática,
no que diz respeito a uma plena disposição ao diálogo e à negociação. Até aqui,
em diversos e cruciais momentos, ele falou no vazio da sua própria solidão. Lula
venceu as eleições; mas, não venceu o ranço colonial histórico, materializado
na figura da direita e de seus matizes, que acredita mandar e desmandar no
país. Não respeitam instituições. Não respeitam poderes. Não respeitam leis.
Não respeitam ninguém.
Por isso mesmo, eles não têm
quaisquer interesses dialógicos com o novo governo. Eles têm a plena convicção de
que, em um piscar de olhos, podem reassumir o protagonismo novamente e a vida do
país voltará a fluir sob a batuta das suas crenças, valores e convicções. Daí a
inexistência de qualquer pudor, de qualquer constrangimento, em impor certos
comportamentos intimidadores. O problema é que há dentro do governo quem esteja
se rendendo a essas intimidações, em um movimento negacionista a tudo o que foi
empenhado, como proposta de governo, durante as eleições.
E para entender esse contexto de
fogo amigo, quase vexatório, é preciso dissecar camada por camada do país. Desse
modo, deve-se partir do fato de que os últimos quatro anos do Brasil representaram
o surgimento de uma nova ordem, que de nova não tinha nada. O que ela fez foi, simplesmente,
escancarar de vez uma face contemporânea do Brasil colonial. Especialmente no
que diz respeito à exploração indiscriminada de recursos vegetais, animais,
minerais, humanos, como se a vida, em qualquer de suas expressões, fosse
totalmente desimportante e pudesse sim, ser sumariamente monetizada.
O que é curioso, porque o Brasil
colonial foi o que foi, porque acompanhava o restante do mundo. As ideologias
vigentes que marcavam o pensamento das Metrópoles, entre os séculos XIV e XVII,
incidiam diretamente sobre as colônias. Acontece, que estamos em pleno século
XXI, e todo esse contexto não existe mais. As ex-Metrópoles que, agora, figuram
como países desenvolvidos, mantendo seu status hegemônico e influenciador sobre
suas ex-Colônias, as quais tornaram-se ou países em desenvolvimento ou países
subdesenvolvidos, pensam e agem sob a perspectiva de um novo alinhamento, dadas
as próprias circunstâncias de transformação do planeta.
Sobretudo, considerando todos os
desafios que as Revoluções Industriais, iniciadas na segunda metade do século
XVIII, fizeram reverberar. Urbanização desenfreada. Insalubridade.
Diversificação de resíduos e efluentes produzidos. Empobrecimento.
Desigualdades. Violências. Mudanças extremas do clima. Poluição ambiental diversa.
Uso e ocupação do solo desornados. Desflorestamento. Desertificação. Escassez hídrica.
... De modo que todo o investimento capital para as revoluções Industriais, alavancado
pelos processos mercantilistas, empregados durante o Colonialismo, esgotou-se
diante do flagrante desequilíbrio mensurado pela relação custo/benefício, formulada
graças ao advento das Ciências Econômicas e Sociais. Portanto, na realidade do
século XXI, se a humanidade quiser sobreviver terá que se ajustar a novos
padrões e comportamentos. Simples assim!
Porém, não parece ser esse o caso
do nosso país. Infelizmente, o Brasil contemporâneo resiste às mudanças. O passado
colonial o assombra de maneira tão inquestionável, que o impede de olhar além
dos seus limites. O que me faz pensar, ainda que respeitando as particularidades
sócio-históricas do tema, sobre o que teria sido dos EUA, um país que também
foi colonizado, se não tivesse havido a Guerra de Secessão (1861-1865),
motivada pela divergência sobre o modelo de sociedade que seria implantado nos
novos territórios americanos.
Enquanto os estados do Norte dedicaram-se
ao desenvolvimento manufatureiro e de pequenas propriedades agrícolas com
trabalho livre assalariado, os estados do Sul defendiam a existência de grandes
latifúndios, baseados na monocultura e totalmente dependentes do trabalho
escravo. De modo que o resultado do conflito não poderia ser outro, 600 mil
mortos, a abolição da escravidão se deu em todo o país com a promulgação da 13ª
Emenda Constitucional, e o Sul ficou arrasado e acabou sendo reintegrado à
União.
E por que pensar sobre isso? Bem,
porque um dos pecados que o Brasil insiste em cometer, em pleno século XXI, é
justamente não se permitir oportunizar um debate franco e honesto em torno da
identidade nacional, sob a ótica da contemporaneidade. O olhar do país sobre si
é o mesmo de quando era Colônia portuguesa. Submisso, subserviente, subjugado,
dominado, dependente, pela ação dos açoites e chibatas, reais e subjetivos, que
as elites dominantes presentes nos espaços sociais permanecem utilizando.
O que significa que apesar de
todas as voltas que o mundo deu, e continua a dar, o Brasil não consegue
vislumbrar um outro modelo de sociedade e desenvolvimento. Se mantém cativo à
reprodução de padrões retrógrados, nocivos e desajustados, os quais cada vez
mais entram em conflito direto com a realidade atual, na medida em que o resto
do mundo não se baseia nas mesmas crenças, valores e convicções. Algo que nos
faz perceber que o protagonismo que o país idealiza nas suas pretensões é
totalmente frágil e inatingível.
Portanto, sem essa de se refugiar
debaixo das asas de uma narrativa sobre frente ampla ou governo de coalizão,
para justificar os seus recentes apequenamentos. Isso não cola! Se esse tipo de
agregação existiu, em algum momento, durante a disputa eleitoral, foi porque 50,90%
dos votos válidos depositados nas urnas ansiavam desesperadamente por esse tipo
de discussão em torno da identidade nacional e de um outro modelo de sociedade
e desenvolvimento. Isso, sem contar o fato de que a Democracia, o Estado de
Direito, a Constituição e a Cidadania estavam sob fogo cruzado intenso expresso
na forma de ataques reais e virtuais de natureza golpista.
Foi, então, uma esperança
aspergida através de palavras propositivas o que moveu grande parte da
população a acreditar na mudança; mas, agora, diante dos recentes movimentos evasivos
do governo, a realidade frustra e desaponta profundamente o contingente de eleitores
e simpatizantes, mundo afora. Na medida em que, nem o governo e nem os cidadãos
foram pegos de surpresa com uma formação do Congresso Nacional majoritariamente
alinhada com a direita e seus matizes, o excesso de dialogia diplomática que o
governo tenta aplicar nesse momento já causa desgastes significativos. Ora,
onde está a tal frente ampla ou o tal governo de coalizão que contribuiriam
para colocar de pé as propostas transformadoras?
Eis que, de repente, ao contrário
destes cumprirem esse papel, notoriamente difundido durante as eleições, o que
se viu foi a sua debandada oportunista para o lado dos interesses rançosos
nacionais. O que torna difícil, então, não perguntar a quem o governo deve manter
a dignidade de ser respeitoso e leal? Ao Congresso Nacional, no viés da direita
e seus matizes, ou aos eleitores e simpatizantes que tornaram possível à sua
eleição? Às máculas históricas coloniais ou às realidades impostas pelo mundo contemporâneo?
Ao retrocesso ou ao progresso
sustentável? Essas são questões urgentes que precisam ser respondidas.
Afinal de contas, os recentes acontecimentos no Congresso Nacional fazem com que os projetos do governo soem, agora, como propagandas enganosas, incapazes de serem levadas adiante, porque falta a pujança convicta em sustentá-los, discursiva e objetivamente, como parecia acontecer durante a campanha eleitoral. Sendo assim, a população brasileira tem o direito de saber, de uma vez por todas, sobre qual terreno político-ideológico coloca seus pés e sua confiança, a fim de não ser surpreendida e usurpada nos seus direitos e nas suas expectativas mais importantes.