sexta-feira, 26 de maio de 2023

Não, não dá para contemporizar!!!


Não, não dá para contemporizar!!!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não há diálogo sem, no mínimo, duas vozes. Também, não há diálogo quando há resistência de algum dos interlocutores. Por isso, não deveria haver espanto diante da postura da direita e de seus matizes. Afinal, trata-se de um comportamento histórico dessas forças político-partidárias, dominantes no país, no que diz respeito ao completo descaso com a dialogia. Sobretudo, quando o assunto não lhes favorece ou não lhes interessa.

Dito isso, os recentes acontecimentos no Congresso Nacional não deixam dúvidas sobre o fato de o governo estar totalmente equivocado na sua tentativa de construir uma postura diplomática, no que diz respeito a uma plena disposição ao diálogo e à negociação. Até aqui, em diversos e cruciais momentos, ele falou no vazio da sua própria solidão. Lula venceu as eleições; mas, não venceu o ranço colonial histórico, materializado na figura da direita e de seus matizes, que acredita mandar e desmandar no país. Não respeitam instituições. Não respeitam poderes. Não respeitam leis. Não respeitam ninguém.

Por isso mesmo, eles não têm quaisquer interesses dialógicos com o novo governo. Eles têm a plena convicção de que, em um piscar de olhos, podem reassumir o protagonismo novamente e a vida do país voltará a fluir sob a batuta das suas crenças, valores e convicções. Daí a inexistência de qualquer pudor, de qualquer constrangimento, em impor certos comportamentos intimidadores. O problema é que há dentro do governo quem esteja se rendendo a essas intimidações, em um movimento negacionista a tudo o que foi empenhado, como proposta de governo, durante as eleições.

E para entender esse contexto de fogo amigo, quase vexatório, é preciso dissecar camada por camada do país. Desse modo, deve-se partir do fato de que os últimos quatro anos do Brasil representaram o surgimento de uma nova ordem, que de nova não tinha nada. O que ela fez foi, simplesmente, escancarar de vez uma face contemporânea do Brasil colonial. Especialmente no que diz respeito à exploração indiscriminada de recursos vegetais, animais, minerais, humanos, como se a vida, em qualquer de suas expressões, fosse totalmente desimportante e pudesse sim, ser sumariamente monetizada.

O que é curioso, porque o Brasil colonial foi o que foi, porque acompanhava o restante do mundo. As ideologias vigentes que marcavam o pensamento das Metrópoles, entre os séculos XIV e XVII, incidiam diretamente sobre as colônias. Acontece, que estamos em pleno século XXI, e todo esse contexto não existe mais. As ex-Metrópoles que, agora, figuram como países desenvolvidos, mantendo seu status hegemônico e influenciador sobre suas ex-Colônias, as quais tornaram-se ou países em desenvolvimento ou países subdesenvolvidos, pensam e agem sob a perspectiva de um novo alinhamento, dadas as próprias circunstâncias de transformação do planeta.  

Sobretudo, considerando todos os desafios que as Revoluções Industriais, iniciadas na segunda metade do século XVIII, fizeram reverberar. Urbanização desenfreada. Insalubridade. Diversificação de resíduos e efluentes produzidos. Empobrecimento. Desigualdades. Violências. Mudanças extremas do clima. Poluição ambiental diversa. Uso e ocupação do solo desornados. Desflorestamento. Desertificação. Escassez hídrica. ... De modo que todo o investimento capital para as revoluções Industriais, alavancado pelos processos mercantilistas, empregados durante o Colonialismo, esgotou-se diante do flagrante desequilíbrio mensurado pela relação custo/benefício, formulada graças ao advento das Ciências Econômicas e Sociais. Portanto, na realidade do século XXI, se a humanidade quiser sobreviver terá que se ajustar a novos padrões e comportamentos. Simples assim!

Porém, não parece ser esse o caso do nosso país. Infelizmente, o Brasil contemporâneo resiste às mudanças. O passado colonial o assombra de maneira tão inquestionável, que o impede de olhar além dos seus limites. O que me faz pensar, ainda que respeitando as particularidades sócio-históricas do tema, sobre o que teria sido dos EUA, um país que também foi colonizado, se não tivesse havido a Guerra de Secessão (1861-1865), motivada pela divergência sobre o modelo de sociedade que seria implantado nos novos territórios americanos.

Enquanto os estados do Norte dedicaram-se ao desenvolvimento manufatureiro e de pequenas propriedades agrícolas com trabalho livre assalariado, os estados do Sul defendiam a existência de grandes latifúndios, baseados na monocultura e totalmente dependentes do trabalho escravo. De modo que o resultado do conflito não poderia ser outro, 600 mil mortos, a abolição da escravidão se deu em todo o país com a promulgação da 13ª Emenda Constitucional, e o Sul ficou arrasado e acabou sendo reintegrado à União.

E por que pensar sobre isso? Bem, porque um dos pecados que o Brasil insiste em cometer, em pleno século XXI, é justamente não se permitir oportunizar um debate franco e honesto em torno da identidade nacional, sob a ótica da contemporaneidade. O olhar do país sobre si é o mesmo de quando era Colônia portuguesa. Submisso, subserviente, subjugado, dominado, dependente, pela ação dos açoites e chibatas, reais e subjetivos, que as elites dominantes presentes nos espaços sociais permanecem utilizando.

O que significa que apesar de todas as voltas que o mundo deu, e continua a dar, o Brasil não consegue vislumbrar um outro modelo de sociedade e desenvolvimento. Se mantém cativo à reprodução de padrões retrógrados, nocivos e desajustados, os quais cada vez mais entram em conflito direto com a realidade atual, na medida em que o resto do mundo não se baseia nas mesmas crenças, valores e convicções. Algo que nos faz perceber que o protagonismo que o país idealiza nas suas pretensões é totalmente frágil e inatingível.

Portanto, sem essa de se refugiar debaixo das asas de uma narrativa sobre frente ampla ou governo de coalizão, para justificar os seus recentes apequenamentos. Isso não cola! Se esse tipo de agregação existiu, em algum momento, durante a disputa eleitoral, foi porque 50,90% dos votos válidos depositados nas urnas ansiavam desesperadamente por esse tipo de discussão em torno da identidade nacional e de um outro modelo de sociedade e desenvolvimento. Isso, sem contar o fato de que a Democracia, o Estado de Direito, a Constituição e a Cidadania estavam sob fogo cruzado intenso expresso na forma de ataques reais e virtuais de natureza golpista.

Foi, então, uma esperança aspergida através de palavras propositivas o que moveu grande parte da população a acreditar na mudança; mas, agora, diante dos recentes movimentos evasivos do governo, a realidade frustra e desaponta profundamente o contingente de eleitores e simpatizantes, mundo afora. Na medida em que, nem o governo e nem os cidadãos foram pegos de surpresa com uma formação do Congresso Nacional majoritariamente alinhada com a direita e seus matizes, o excesso de dialogia diplomática que o governo tenta aplicar nesse momento já causa desgastes significativos. Ora, onde está a tal frente ampla ou o tal governo de coalizão que contribuiriam para colocar de pé as propostas transformadoras?

Eis que, de repente, ao contrário destes cumprirem esse papel, notoriamente difundido durante as eleições, o que se viu foi a sua debandada oportunista para o lado dos interesses rançosos nacionais. O que torna difícil, então, não perguntar a quem o governo deve manter a dignidade de ser respeitoso e leal? Ao Congresso Nacional, no viés da direita e seus matizes, ou aos eleitores e simpatizantes que tornaram possível à sua eleição? Às máculas históricas coloniais ou às realidades impostas pelo mundo contemporâneo?  Ao retrocesso ou ao progresso sustentável? Essas são questões urgentes que precisam ser respondidas.

Afinal de contas, os recentes acontecimentos no Congresso Nacional fazem com que os projetos do governo soem, agora, como propagandas enganosas, incapazes de serem levadas adiante, porque falta a pujança convicta em sustentá-los, discursiva e objetivamente, como parecia acontecer durante a campanha eleitoral. Sendo assim, a população brasileira tem o direito de saber, de uma vez por todas, sobre qual terreno político-ideológico coloca seus pés e sua confiança, a fim de não ser surpreendida e usurpada nos seus direitos e nas suas expectativas mais importantes.