sábado, 27 de maio de 2023

Uma boa reflexão antes da Cúpula da Amazônia


Uma boa reflexão antes da Cúpula da Amazônia1

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Para quem não sabe, em 27 de maio é comemorado o Dia Nacional da Mata Atlântica. Mas, segundo dados da SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), muito em breve, não haverá mais sentido para a data, pois o “Bioma perdeu mais de 20 mil hectares em um ano, número equivalente a um Parque Ibirapuera desmatado a cada três dias” 2.

Então, diante do cenário hostil em relação às questões ambientais no país, decidi trazer à tona alguns pontos bastante oportunos para a reflexão. Começo desconstruindo a ideia, compartilhada por uns e outros, de que apesar de existirem seis Biomas no território brasileiro – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal – eles não dialogam biologicamente entre si e, por isso, as investidas devastadoras sobre alguns não reflete ou interfere em prejuízo aos demais. Lamento, mas não é assim.

Considerando que os biomas constituem conjuntos de fauna e de flora organizados a partir de condições morfogeológicas e climáticas comuns, as quais foram submetidas a processos de formação da paisagem, há entre eles faixas importantes de transição. O que significa que de um bioma para outro há uma intersecção de fauna e de flora, como se observa, por exemplo, com o bioma Amazônia e Pantanal que apresentam certos pontos de convergência e de similaridade.

Algo que traduz a composição de garantias para a manutenção do equilíbrio ecossistêmico nacional. Portanto, quando um bioma é massacrado pelas ações antrópicas de exploração destrutiva, a estabilidade ecossistêmica é rompida. E essa ruptura impacta diretamente as teias ecológicas que representam o conjunto de cadeias mantenedoras de diferentes elos de configuração nutricional, ou seja, posicionando os seres vivos como produtores, consumidores ou decompositores. Em linhas gerais, espécies são extintas enquanto outras passam a conviver com uma explosão populacional.

E isso não é pouca coisa. Não pode ser banalizado ou normalizado. Os impactos negativos sobre os biomas não só repercutem por décadas e décadas, no sentido de uma tentativa de recuperação e recomposição ambiental; mas, sobretudo, quanto à construção de um novo padrão comportamental de ocupação dos espaços. Os seres vivos que resistem a todo tipo de depredação ambiental buscam mecanismos de sobrevivência para autopreservação da espécie. Um exemplo clássico disso, tem sido os recorrentes episódios de animais silvestres encontrados em espaços densamente urbanizados.

Fala-se muito na fauna e na flora de aparência mais visível, por exemplo, mas se esquecem de que nelas residem a microfauna e a microflora, com espécies quase imperceptíveis e muitas delas, desconhecidas da própria Ciência. E é nesse universo biológico quase invisível que, também, habitam vírus, bactérias e fungos, alguns deles de alto potencial contaminante e letal para os seres humanos.

No caso de vírus e bactérias, por exemplo, eles estão presentes em animais e plantas que funcionam como reservatórios naturais. Então, quando estes são forçados a um deslocamento geográfico por conta da destruição do seu habitat há um fluxo migratório que acaba aproximando da população esses eventuais desconhecidos e possibilitando o surgimento de epidemias, muitas delas de grande repercussão social. Só no Brasil, “mais de 210 espécies de arbovírus foram isolados no país, 36 relacionados com doenças em seres humanos” 3, dentre eles estão a Febre Amarela,  a Zika e a Chikungunya.

Portanto, muito cuidado com a ideia de progresso, quando justificar as mais perversas e bárbaras ações antrópicas sobre os biomas nacionais. Sempre que reflito a esse respeito, lembro-me da citação da personagem Mr. Smith, do filme Matrix. Segundo ele, “Todos os mamíferos do planeta instintivamente entram em equilíbrio com o meio ambiente. Mas os humanos não. Vocês vão para uma área e se multiplicam e se multiplicam, até que todos os recursos naturais sejam consumidos. A única forma de sobreviverem é indo para uma outra área. Há um outro organismo neste planeta que segue o mesmo padrão. Você sabe qual é? Um vírus. Os seres humanos são uma doença. Um câncer neste planeta. Vocês são uma praga”. Nenhuma explicação poderia ser mais perfeita.

Lamento; mas, o que a sociedade brasileira está permitindo realizar não é progresso. Não é desenvolvimento. Tais práxis não passam de uma reprodução vexatória de padrões históricos coloniais, que não apenas extinguiram do patrimônio biótico brasileiro, espécies importantíssimas, como permanecem conduzindo tantas outras ao risco de extinção, pelo imediatismo que vem ocupando a cena nas relações político-econômicas nacionais. Ora, o Brasil quando afronta a sobrevivência e manutenção dos povos originários e do Meio Ambiente, não demonstra somente desapreço, desrespeito, indiferença, ou o que quer que seja, em relação ao que lhe deveria ser tão caro.

O que está estampado em letras garrafais nas entrelinhas dessas atitudes, narrativas e comportamentos, é a dimensão da importância que ele atribui para a monetização da vida. A vida, seja qual for, é uma commodity rentável demais, na concepção dessas pessoas. Portanto, não importa matar, destruir, pilhar, ... a mim, a você, a quem (ou o que) quer que seja. Importa arrecadar, converter tudo em dinheiro. Bilhões. Milhões. Uma imensidão de notas sobrepostas guardadas devidamente em locais onde possam render mais e mais e mais. E aí, como tem que ser, “Quando a última árvore for cortada, o último peixe for pescado, o último rio for envenenado, somente então vamos perceber que não se pode comer dinheiro” (Provérbio Indígena).