Uma
boa reflexão antes da Cúpula da Amazônia1
Por
Alessandra Leles Rocha
Para quem não sabe, em 27 de maio
é comemorado o Dia Nacional da Mata Atlântica. Mas, segundo dados da SOS Mata
Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), muito em
breve, não haverá mais sentido para a data, pois o “Bioma perdeu mais de 20 mil hectares em um ano, número equivalente a
um Parque Ibirapuera desmatado a cada três dias” 2.
Então, diante do cenário hostil
em relação às questões ambientais no país, decidi trazer à tona alguns pontos
bastante oportunos para a reflexão. Começo desconstruindo a ideia, compartilhada
por uns e outros, de que apesar de existirem seis Biomas no território
brasileiro – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal – eles
não dialogam biologicamente entre si e, por isso, as investidas devastadoras
sobre alguns não reflete ou interfere em prejuízo aos demais. Lamento, mas não
é assim.
Considerando que os biomas constituem
conjuntos de fauna e de flora organizados a partir de condições morfogeológicas
e climáticas comuns, as quais foram submetidas a processos de formação da
paisagem, há entre eles faixas importantes de transição. O que significa que de
um bioma para outro há uma intersecção de fauna e de flora, como se observa,
por exemplo, com o bioma Amazônia e Pantanal que apresentam certos pontos de convergência
e de similaridade.
Algo que traduz a composição de garantias
para a manutenção do equilíbrio ecossistêmico nacional. Portanto, quando um
bioma é massacrado pelas ações antrópicas de exploração destrutiva, a estabilidade
ecossistêmica é rompida. E essa ruptura impacta diretamente as teias ecológicas
que representam o conjunto de cadeias mantenedoras de diferentes elos de
configuração nutricional, ou seja, posicionando os seres vivos como produtores,
consumidores ou decompositores. Em linhas gerais, espécies são extintas
enquanto outras passam a conviver com uma explosão populacional.
E isso não é pouca coisa. Não pode
ser banalizado ou normalizado. Os impactos negativos sobre os biomas não só repercutem
por décadas e décadas, no sentido de uma tentativa de recuperação e
recomposição ambiental; mas, sobretudo, quanto à construção de um novo padrão
comportamental de ocupação dos espaços. Os seres vivos que resistem a todo tipo
de depredação ambiental buscam mecanismos de sobrevivência para autopreservação
da espécie. Um exemplo clássico disso, tem sido os recorrentes episódios de
animais silvestres encontrados em espaços densamente urbanizados.
Fala-se muito na fauna e na flora
de aparência mais visível, por exemplo, mas se esquecem de que nelas residem a
microfauna e a microflora, com espécies quase imperceptíveis e muitas delas,
desconhecidas da própria Ciência. E é nesse universo biológico quase invisível que,
também, habitam vírus, bactérias e fungos, alguns deles de alto potencial contaminante
e letal para os seres humanos.
No caso de vírus e bactérias, por
exemplo, eles estão presentes em animais e plantas que funcionam como
reservatórios naturais. Então, quando estes são forçados a um deslocamento geográfico
por conta da destruição do seu habitat há um fluxo migratório que acaba aproximando
da população esses eventuais desconhecidos e possibilitando o surgimento de
epidemias, muitas delas de grande repercussão social. Só no Brasil, “mais de 210 espécies de arbovírus foram
isolados no país, 36 relacionados com doenças em seres humanos” 3, dentre eles estão a Febre
Amarela, a Zika e a Chikungunya.
Portanto, muito cuidado com a
ideia de progresso, quando justificar as mais perversas e bárbaras ações antrópicas
sobre os biomas nacionais. Sempre que reflito a esse respeito, lembro-me da
citação da personagem Mr. Smith, do
filme Matrix. Segundo ele, “Todos os mamíferos do planeta
instintivamente entram em equilíbrio com o meio ambiente. Mas os humanos não. Vocês
vão para uma área e se multiplicam e se multiplicam, até que todos os recursos
naturais sejam consumidos. A única forma de sobreviverem é indo para uma outra
área. Há um outro organismo neste planeta que segue o mesmo padrão. Você sabe
qual é? Um vírus. Os seres humanos são uma doença. Um câncer neste planeta. Vocês
são uma praga”. Nenhuma explicação poderia ser mais perfeita.
Lamento; mas, o que a sociedade
brasileira está permitindo realizar não é progresso. Não é desenvolvimento. Tais
práxis não passam de uma reprodução vexatória de padrões históricos coloniais, que
não apenas extinguiram do patrimônio biótico brasileiro, espécies importantíssimas,
como permanecem conduzindo tantas outras ao risco de extinção, pelo imediatismo
que vem ocupando a cena nas relações político-econômicas nacionais. Ora, o
Brasil quando afronta a sobrevivência e manutenção dos povos originários e do
Meio Ambiente, não demonstra somente desapreço, desrespeito, indiferença, ou o
que quer que seja, em relação ao que lhe deveria ser tão caro.
O que está estampado em letras
garrafais nas entrelinhas dessas atitudes, narrativas e comportamentos, é a
dimensão da importância que ele atribui para a monetização da vida. A vida,
seja qual for, é uma commodity rentável demais, na concepção dessas pessoas.
Portanto, não importa matar, destruir, pilhar, ... a mim, a você, a quem (ou o
que) quer que seja. Importa arrecadar, converter tudo em dinheiro. Bilhões. Milhões.
Uma imensidão de notas sobrepostas guardadas devidamente em locais onde possam
render mais e mais e mais. E aí, como tem que ser, “Quando a última árvore for cortada, o último peixe for pescado, o
último rio for envenenado, somente então vamos perceber que não se pode comer
dinheiro” (Provérbio Indígena).
1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/05/26/governo-se-prepara-para-receber-pelo-menos-10-presidentes-da-america-do-sul-na-proxima-semana.ghtml
2 https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2023/05/24/desmatamento-na-mata-atlantica-atinge-a-segunda-maior-taxa-dos-ultimos-6-anos.ghtml