O
silencioso estiramento das forças
Por
Alessandra Leles Rocha
Há tempos venho apontando para a importância
de não se atribuir os abusos e os absurdos contemporâneos à figura deste ou
daquele sujeito. Os males com os quais a sociedade é obrigada a conviver não
são frutos do protagonismo enviesado de uns e outros; mas, de uma disseminação coletiva
do espírito transgressor e delituoso que tenta, a todo custo, destruir, ou pelo
menos, abalar a ética e a moral. Daí cada um ter seu quinhão de
responsabilidades nos descaminhos do mundo e precisar responder
satisfatoriamente a ele.
E um exemplo clássico para
compreender esse movimento social está no modus
operandi da Direita e seus matizes, sejam eles mais ou menos radicais. A presença
de nomes marcantes desse segmento, de certa forma, traduz o seu impacto qualitativo;
mas, não diz tudo sobre o seu potencial dentro da sociedade. Está no
quantitativo numérico de seguidores e simpatizantes a consequência da legitimidade
para as suas ações. Embora, tenha consciência de que não é majoritariamente
absoluta, a Direita utiliza-se de instrumentos retóricos e de persuasão/
manipulação social para se sobrepor às vozes da Esquerda.
E dentre esses instrumentos está
o silenciamento. A cada oportunidade de exercer, ou de parecer, maioria, a
Direita age raivosa e ruidosamente para calar, desqualificar e negar os
direitos cidadãos de seus eventuais opositores, quase sempre, se fundamentando
por argumentos equivocados, distorcidos ou inconsistentes, apenas no intuito de
interromper qualquer lampejo de ação do contraditório sobre si. Aliás, estou
falando de algo cada vez mais comum no cenário nacional.
Ontem, mesmo, o Conselho de Ética
da Câmara dos Deputados instaurou “processos
contra seis deputadas do bloco de esquerda, que proferiram falas contra
parlamentares que votaram a favor do Projeto de Lei 490/07 – que dispõe sobre o
marco temporal para demarcação de terras indígenas, no final de maio” 1, enquanto dezenas de outros,
ligados a parlamentares da Direita, permanecem engavetados por falta de total
disposição em divergir contra eles. Como dizem, por aí, “dois pesos e milhares de medidas”!
Em seguida, foi a vez da
aprovação relâmpago do Projeto de lei 2720/23, o qual “tipifica crimes de discriminação contra pessoas politicamente expostas”
2, que não só contraria a igualdade
cidadã prevista na Constituição Federal vigente; mas, impõe o abuso de poder
sobre os mecanismos de controle nas relações bancárias existentes no país. Em
linhas gerais, a ideia do referido projeto é criar um tratamento especial e
distintivo, no cenário das instituições financeiras, a um certo grupo de cidadãos
brasileiros, pertencentes ao espectro político-partidário e das instituições de
Poder, os quais juntamente com familiares e pessoas diretamente a eles ligadas.
Nada mais do que um modo de silenciar as práxis já preestabelecidas por essas
instituições, considerando que quaisquer atitudes em contrário implicariam
automaticamente em risco de sanções judiciais.
Como se vê, as cartas estão sobre
a mesa. Por mais que se diga que esses acontecimentos são frutos de um
Congresso Nacional majoritariamente de Direita, conservador etc.etc.etc., e se
aponte o dedo em riste para esses ou aqueles indivíduos, o cerne da questão não
é esse. Gostando ou não, o fato é que essa amostra social representada pelo legislativo
federal brasileiro teve seus discursos e narrativas legitimados por 49,10% de
eleitores, os quais votaram em segundo turno, em 2022, no candidato da
ultradireita, referendando, portanto, todos os valores, crenças, princípios e
convicções defendidos por esse espectro político-partidário.
É com base nesse entendimento que
o direitismo brasileiro está fazendo o jogo político acontecer. Eles estão
demarcando o seu espaço a partir da coesão de suas ideias entre apoiadores e
simpatizantes. Por isso, eles agem tão raivosa e ruidosamente para calar,
desqualificar, negar, impedir os direitos cidadãos de seus opositores. O que de
certo modo, parece já apontar algum nível de sucesso, quando a própria Esquerda
se abstém de uma oposição mais efetiva e contundente. Inclusive, em recente
texto intitulado “O risco de frustrar as
expectativas” 3, eu tratei dessa questão
e chamei a atenção à persistente ameaça que esse movimento representa à Democracia
nacional e, por consequência, internacional.
Há de se entender que o flagrante desequilíbrio de forças entre a Direita e a Esquerda, nos campos de poder, é sim, um facilitador e promotor dos ideários autocratas, despóticos, tiranos. Basta ver como isso reverbera negativamente pelo mundo. Episódios de deslocamento forçado, como o do barco de refugiados que naufragou na Grécia com aproximadamente 100 crianças a bordo 4, estão cada vez mais frequentes em razão de políticas autoritárias e beligerantes. A excessiva permissividade em torno do silenciamento, da negação, da desqualificação, da intimidação explícita ou velada, por quaisquer dos agentes sociais, representa um perigo real e imediato para as liberdades e os direitos. Afinal, eles dão um aval importante para que retrocessos histórico-sociais retornem triunfantes ao poder. Assim, não nos esqueçamos dos tempos de chumbo sombrios, que o Brasil já experimentou, os quais se deram, justamente, pela desarmonia das forças.
1 https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/06/14/interna_politica,1507259/conselho-de-etica-abre-processo-contra-seis-deputadas-de-esquerda.shtml
2 https://www.camara.leg.br/noticias/971608-aprovada-urgencia-para-projeto-que-tipifica-crimes-de-discriminacao-contra-pessoas-politicamente-expostas-acompanhe/