quinta-feira, 15 de junho de 2023

O silencioso estiramento das forças


O silencioso estiramento das forças

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há tempos venho apontando para a importância de não se atribuir os abusos e os absurdos contemporâneos à figura deste ou daquele sujeito. Os males com os quais a sociedade é obrigada a conviver não são frutos do protagonismo enviesado de uns e outros; mas, de uma disseminação coletiva do espírito transgressor e delituoso que tenta, a todo custo, destruir, ou pelo menos, abalar a ética e a moral. Daí cada um ter seu quinhão de responsabilidades nos descaminhos do mundo e precisar responder satisfatoriamente a ele.   

E um exemplo clássico para compreender esse movimento social está no modus operandi da Direita e seus matizes, sejam eles mais ou menos radicais. A presença de nomes marcantes desse segmento, de certa forma, traduz o seu impacto qualitativo; mas, não diz tudo sobre o seu potencial dentro da sociedade. Está no quantitativo numérico de seguidores e simpatizantes a consequência da legitimidade para as suas ações. Embora, tenha consciência de que não é majoritariamente absoluta, a Direita utiliza-se de instrumentos retóricos e de persuasão/ manipulação social para se sobrepor às vozes da Esquerda.

E dentre esses instrumentos está o silenciamento. A cada oportunidade de exercer, ou de parecer, maioria, a Direita age raivosa e ruidosamente para calar, desqualificar e negar os direitos cidadãos de seus eventuais opositores, quase sempre, se fundamentando por argumentos equivocados, distorcidos ou inconsistentes, apenas no intuito de interromper qualquer lampejo de ação do contraditório sobre si. Aliás, estou falando de algo cada vez mais comum no cenário nacional.

Ontem, mesmo, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados instaurou “processos contra seis deputadas do bloco de esquerda, que proferiram falas contra parlamentares que votaram a favor do Projeto de Lei 490/07 – que dispõe sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas, no final de maio” 1, enquanto dezenas de outros, ligados a parlamentares da Direita, permanecem engavetados por falta de total disposição em divergir contra eles. Como dizem, por aí, “dois pesos e milhares de medidas”!

Em seguida, foi a vez da aprovação relâmpago do Projeto de lei 2720/23, o qual “tipifica crimes de discriminação contra pessoas politicamente expostas” 2, que não só contraria a igualdade cidadã prevista na Constituição Federal vigente; mas, impõe o abuso de poder sobre os mecanismos de controle nas relações bancárias existentes no país. Em linhas gerais, a ideia do referido projeto é criar um tratamento especial e distintivo, no cenário das instituições financeiras, a um certo grupo de cidadãos brasileiros, pertencentes ao espectro político-partidário e das instituições de Poder, os quais juntamente com familiares e pessoas diretamente a eles ligadas. Nada mais do que um modo de silenciar as práxis já preestabelecidas por essas instituições, considerando que quaisquer atitudes em contrário implicariam automaticamente em risco de sanções judiciais.

Como se vê, as cartas estão sobre a mesa. Por mais que se diga que esses acontecimentos são frutos de um Congresso Nacional majoritariamente de Direita, conservador etc.etc.etc., e se aponte o dedo em riste para esses ou aqueles indivíduos, o cerne da questão não é esse. Gostando ou não, o fato é que essa amostra social representada pelo legislativo federal brasileiro teve seus discursos e narrativas legitimados por 49,10% de eleitores, os quais votaram em segundo turno, em 2022, no candidato da ultradireita, referendando, portanto, todos os valores, crenças, princípios e convicções defendidos por esse espectro político-partidário.

É com base nesse entendimento que o direitismo brasileiro está fazendo o jogo político acontecer. Eles estão demarcando o seu espaço a partir da coesão de suas ideias entre apoiadores e simpatizantes. Por isso, eles agem tão raivosa e ruidosamente para calar, desqualificar, negar, impedir os direitos cidadãos de seus opositores. O que de certo modo, parece já apontar algum nível de sucesso, quando a própria Esquerda se abstém de uma oposição mais efetiva e contundente. Inclusive, em recente texto intitulado “O risco de frustrar as expectativas” 3, eu tratei dessa questão e chamei a atenção à persistente ameaça que esse movimento representa à Democracia nacional e, por consequência, internacional.

Há de se entender que o flagrante desequilíbrio de forças entre a Direita e a Esquerda, nos campos de poder, é sim, um facilitador e promotor dos ideários autocratas, despóticos, tiranos. Basta ver como isso reverbera negativamente pelo mundo. Episódios de deslocamento forçado, como o  do barco de refugiados que naufragou na Grécia com aproximadamente 100 crianças a bordo 4, estão cada vez mais frequentes em razão de políticas autoritárias e beligerantes. A excessiva permissividade em torno do silenciamento, da negação, da desqualificação, da intimidação explícita ou velada, por quaisquer dos agentes sociais, representa um perigo real e imediato para as liberdades e os direitos. Afinal, eles dão um aval importante para que retrocessos histórico-sociais retornem triunfantes ao poder. Assim, não nos esqueçamos dos tempos de chumbo sombrios, que o Brasil já experimentou, os quais se deram, justamente, pela desarmonia das forças.