Os
males da verborragia
Por
Alessandra Leles Rocha
Não sei o que é pior na sociedade
contemporânea: se é o excesso de certezas ou a incapacidade de se constranger
com os absurdos. Algo visível de captar, por conta de uma verborragia explícita
e incontrolável. Pois é, as pessoas falam, falam, falam, ... sem exercitar
nenhum tipo de reflexão, ou de ponderação, ou de filtragem dos seus
pensamentos. Acontece que, em muitos casos, acabam comprometendo a liturgia das
relações sociais e profissionais de maneira muito emblemática 1.
Seja por força das bolhas
individualistas e/ou dos ranços histórico-sociais, fato é que esse movimento,
infelizmente, tem extrapolado as fronteiras da trivialidade cotidiana para
servir aos interesses do controle e da manipulação social. Haja vista um recorrente
resgate de temáticas retrógradas, as quais, pelo menos, no campo científico e acadêmico
já foram devidamente desconstruídas e resignificadas; mas, que impressionam bastante
pelo impacto que ainda conseguem provocar.
Mesmo sabendo se tratar, incialmente,
de um comportamento manifesto por indivíduos, a origem de tudo isso, e que
legitima e respalda a sua propagação, está sim, no amálgama de crenças,
valores, princípios e convicções, que se constituiu secularmente no
inconsciente coletivo. E que, lamentavelmente, dadas as circunstâncias
inerentes à própria sociedade, não conseguiu ser transformado a fim de caber
nas constantes demandas emergidas pelo mundo.
De modo que o recente movimento
expansionista da Direita e de seus matizes, mais ou menos radicais, tem usado
dessa verborragia ideológica para reafirmar a sua sede de dominação e de poder.
O que, no Brasil, fica bastante evidente na expressão de uma consciência mais
tradicional e conservadora na defesa dos interesses das elites e do bem-estar
individual de seus representantes. Impactante se pensarmos na realidade contemporânea
do século XXI!
Vamos e convenhamos, essas são as
marcas profundas do Brasil colonial. É como se os séculos tivessem passado;
mas, a organização sociocultural, política e econômica brasileira permanecesse
estruturada pelos mesmos pilares ideológicos. Portanto, é inevitável que as
elites não levem em conta a vasta extensão territorial do país, a diversidade
das identidades regionais e as práxis e consequências do processo colonial
exploratório, quando decidem falar sobre os problemas e as mazelas que
atravessam a realidade nacional.
Há pouco mais de 500 anos, as
elites brasileiras resistem ensimesmadas na sua concepção eurocêntrica de ser,
de modo que o seu raio de visão não consegue ir além daquilo que garanta a
estabilidade das suas regalias e privilégios, transmitidos historicamente de
geração a geração. Isso faz, por exemplo, com que não consigam perceber que o
processo de desenvolvimento do país foi determinado pelos ciclos exploratórios,
de modo que a pujança socioeconômica não foi linear. Aquelas regiões que se
despontaram prósperas no período colonial acabaram desfrutando de um
desenvolvimento bem-sucedido, enquanto as demais permaneceram à mercê da própria
sorte.
Entretanto, é fundamental
destacar que, mesmo nas regiões onde o desenvolvimento prosperou, o Brasil é um
país marcado pelas desigualdades socioeconômicas. As grandes fortunas se mantêm
nas mãos de uma ínfima minoria, desde os tempos coloniais, enquanto a pobreza
se decompõe em camadas pelo resto da população. Infelizmente, o processo de transição
de colônia para país independente não carregou consigo a consciência da transformação
paradigmática social, a qual faria da sua independência um verdadeiro trampolim
para o protagonismo global.
Afinal de contas, um país de
dimensões continentais, com condições morfoclimáticas exuberantes, poderia
facilmente se consolidar como um expoente de sucesso no mundo. Só que não. A
mentalidade provinciana, estreita, tacanha, de nossas elites não conseguiu
enxergar o óbvio e concentrou, ainda mais, em suas mãos, a riqueza e o poder. Um
dos resultados práticos desse estrabismo nacional foi constituir um abismo de
desigualdade socioeconômica que desenvolveu uma dependência crônica do Estado brasileiro.
Pois é, a miséria e a pobreza chegaram
ao país pelas mãos das elites. E foram fomentadas pelo racismo, pela misoginia,
pela xenofobia, pela aporofobia, pela precarização dos trabalhos e/ou práticas
análogas à escravidão, que foram constituídas para servir ao ideário da
necropolítica. Não perceberam que na medida em que o Estado brasileiro negligência
a eficiência e a suficiência, do ponto de vista da igualdade e da equidade dos
direitos sociais (art. 6º), previstos na Constituição de 1988, ele lança
milhões de pessoas aos braços da dependência do assistencialismo governamental.
Caro (a) leitor (a), na medida em
que a história sempre foi contada pelo viés das elites, não é de se admirar que
as camadas mais vulneráveis e desassistidas da população tenham sido
sumariamente rotuladas como preguiçosas, malandras, desocupadas, encostadas, indolentes.
Tudo para não ter que admitir que o país jamais se preocupou em formar cidadãos
e, nem tampouco, mão de obra qualificada, em razão de que a prioridade foi
sempre investir pouco e capitalizar muito, como rezava a cartilha do
Mercantilismo.
Por conta disso é que no Brasil acabou
emergindo uma categoria de trabalho bastante curiosa, o “faz tudo”. Contrariando a pecha de vagabundo, de dependente do
assistencialismo, das migalhas e das esmolas, milhões de brasileiros se viram
como podem para sobreviver, diante da escassez de trabalhos formais, de salários
nada condizentes à dignidade humana, da baixa qualificação, revelando um
infinito de habilidades e competências luzidas pela força das necessidades. Os
brasileiros e as brasileiras são verdadeiros (as) guerreiros (a), porque além
de lutar contra as adversidades intrínsecas à sua sobrevivência, eles têm que
driblar os obstáculos impostos pelas elites dominantes e o governo.
Aliás, talvez, nem seja coincidência
o fato de que muitos deles não conseguirão se aposentar, o que contribuiria
para reduzir o déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A força
das bolhas individualistas e/ou dos ranços histórico-sociais presentes nas
elites nacionais estão afastando, cada vez mais, as possibilidades de um desenvolvimento
mais igualitário e equitativo no Brasil.
A fome retornou a patamares
assustadores e trouxe com ela um empobrecimento, no que tange ao poder de
compra, devastador. De modo que tanto a ausência de um emprego formal quanto o exercício
da informalidade, impossibilitam o acesso dessas pessoas ao amparo futuro de
uma aposentadoria, por menor que seja.
O que pretendem as elites
defensoras ardorosas da Direita e de seus matizes, eu não consigo saber, dada a
total desconexão com os movimentos contemporâneos que se impõem mundo afora. Por
algum tempo mais, talvez, permaneçam insistindo na sua realidade paralela, no
seu mundinho idealizado, no seu saudosismo colonial.
Entretanto, de repente, o imponderável pode aparecer e virar o jogo, colocar tudo de cabeça para baixo, e fazer prevalecer a sua própria concepção de realidade. Até que isso aconteça, seria no mínimo oportuno estancar a verborragia inútil; pois, segundo o dito popular “Quem fala demais dá bom dia a cavalo! ”.