Abandone
os manuais e os protocolos. A maternidade não obedece às regras!
Por
Alessandra Leles Rocha
Para quem defende a ideia de que
mãe só muda de nome e de endereço, eu me permito fazer oposição. Não, mães não
são todas iguais! E penso que insistir nessa ideia, um tanto quanto equivocada,
traz muita angústia e tristeza para a sociedade, em geral.
Esse péssimo hábito de
homogeneizar pessoas e coisas, não só tira o brilho das individualidades, como
lança um peso desnecessário de se fazer caber em certos pseudomanuais, ou pseudoprotocolos.
Sobretudo, quando paramos para admitir que a maternidade é só uma, dentre
tantas outras possibilidades existenciais, na vida da mulher.
Ora, antes de se tornar mãe, uma
mulher já carrega consigo uma infinidade de facetas no espectro da sua identidade.
Então, quando se tenta criar um modelo padrão de maternidade para a mulher se
ajustar e seguir, a sociedade sutilmente desqualifica um ser humano que existe
e responde por qualidades e defeitos, acertos e tropeços, vitórias e derrotas,
... que transita por aí.
De certa forma, cria um ser
idealizado com uma obrigação de corresponder a uma série de expectativas, à
revelia das suas possibilidades e vontades reais. O que gera muita frustração e
conflitos, inclusive, no curso da construção relacional entre mães e filhos.
Pois é, o que muita gente chama de erros e acertos, não passam de um excesso de
idealizações e de projeções totalmente desnecessárias!
Vai dizer que nunca reparou como
filhos e mães tendem a atribuir certas crenças, valores e concepções à sua
relação cotidiana? Isso acaba maculando e impossibilitando uma vivência real desse
processo maternal, porque não permite aos atores envolvidos exalarem a sua própria
personalidade identitária. Estão sempre, pisando em ovos, para satisfazer o
manual da mãe perfeita e do filho perfeito, que nunca existiu e nem vai
existir.
Afinal de contas, somos seres em
franca construção. Incompletos. Inacabados. Vivemos a experiência diária do
aprendizado, da evolução contínua. Portanto, nossas relações sociais, do ponto
de vista psico-comportamental, são ajustadas de acordo com os acontecimentos. Não
existe certo ou errado, nessa história! Somos sempre levados a oferecer o que
temos de melhor dentro das conjunturas disponíveis.
É uma pena que muita gente, por
aí, não entenda isso e fique se martirizando ad aeternum! Quanta frustração! Quanto desapontamento! Quantos
abismos criados! Quantos conflitos deflagrados! Porque nenhum dos lados se
permite respeitar a sua essência e a do outro. A reconhecer que trazemos
conosco certos limites, certas imperfeições, certas dificuldades, no exercício diário
do ser.
Alguns, inclusive, tentam
transpor essa incapacidade através da exacerbação materialista. Transferem para
a materialidade dos presentes, das mesadas, dos passeios, das viagens, e de
tudo mais que possa ser adquirido pelo poder econômico, a compensação por não
conseguir caber nas tais idealizações e projeções marcadas no inconsciente
coletivo da sociedade. Puro efeito placebo! Mas, que de algum modo, e em algum
momento da vida, acabam impondo a necessidade de atenção e auxílio psicológico e/ou
psiquiátrico, a fim de curar e ressignificar essas experiências desalinhadas.
E quanto mais o tempo passa, mais
a urgência de redescobrir a capacidade de enxergar o ser humano em todas as
suas camadas se faz essencial. É através desse exercício simples e trivial que
se torna possível entender as manifestações individuais do afeto, do amor, do
carinho, da atenção, dos cuidados, da preocupação, do respeito, da
solidariedade, da comunhão, ... sem cair na tentação de buscar nos
pseudoprotocolos. Só com olhos de enxergar se consegue, efetivamente, compreender
o valor da aceitação e descobrir a beleza da pluralidade humana.
E a maternidade não é, e nem
precisa ser, uma receita de bolo! Veja bem, o simples fato de existir, de marcar
presença, nesse mundo contemporâneo, já é um desafio e tanto para qualquer um. Então,
que a maternidade seja experenciada em todos os seus altos e baixos, aventuras
e desventuras, alegrias e tristezas, dias de chuva e de sol, porque é nisso que
reside a sua autenticidade e a sua paz.
Talvez, isso desconforte,
perturbe, doa e incomode muita gente; mas, no fim das contas, é esse processo
áspero e complexo que torna possível a construção de relações humanas sólidas. Porque
não há mascaras, nem personagens, nem scripts. Há pessoas sendo o que são, com
a mais completa e genuína disposição de conviver, de coexistir, de interagir,
respeitosamente.
Como escreveu Martha Medeiros, na
sua crônica NÃO PODE TOCAR, de
2004, “Todas as relações do mundo possuem
sua prateleira de cristais. Há sempre um suspense, uma delicadeza ao transitar
pela fragilidade do outro. Melhor não falar muito alto, é mais prudente ir
devagar e com cuidado. Para não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos
séculos”.
Por isso, digo sem medo de errar
que, só compreendendo palavra por palavra desse movimento, a maternidade,
dentro de suas infinitas perspectivas, ganha contornos ainda mais ternos e
encantadores. Como se a vida pudesse ter muito mais dias de alegria e
contentamento do que aqueles que cabem no calendário. Simplesmente, porque
abdicamos de nos apegar a supérfluos bobos e irrelevantes para nos ater à consciência
de que “Só se vê bem com o coração, o
essencial é invisível aos olhos” (Antoine de Saint-Exupéry – O Pequeno
Príncipe, 1943).
Aí, lembrei-me de uma citação do filme UMA MENTE BRILHANTE (2001), que resume muita bem essa reflexão: “Eu sempre acreditei em números, nas equações, na lógica que leva à razão. Mas depois de uma vida inteira nesta jornada, eu me pergunto: O que realmente é a lógica? Quem decide a razão? Minha busca me levou pelo físico, o metafísico, o ilusório... E de volta. E eu fiz a descoberta mais importante da minha carreira. É apenas nas misteriosas equações do amor que qualquer lógica ou razão pode ser encontrada. Eu só estou aqui por causa de você. Você é a razão do meu ser. Você é todas as minhas razões”.