terça-feira, 16 de maio de 2023

A Educação nacional longe do pódio, da consagração, do futuro...


A Educação nacional longe do pódio, da consagração, do futuro...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Até quando vamos continuar culpando a COVID-19 pelas carências, insuficiências e ineficiências nacionais? Muito antes desse vírus ilustre e desconhecido, chamado Sars-Cov-2, entrar em cena e assolar o mundo com o seu poderio letal, já arrastávamos correntes de mazelas historicamente crônicas, incluindo a Educação.

O que tem havido desde os tempos pandêmicos foi apenas um gigantesco holofote lançado sobre elas, dando-lhes a devida visibilidade e importância. Daí a manchete “Brasil fica atrás de Uzbequistão e Kosovo em avaliação de leitura para alunos do ensino fundamental” 1, demandar uma análise profunda e franca, para não se deixar cair em eventuais tentações rasas e inconsistentes.

Primeiro, porque Educação não é assunto simples. Na medida em que o campo é vastíssimo e complexo, não dá para se resumir somente aos aspectos técnicos didático-pedagógicos, de infraestrutura, de contingente humano, de investimentos e/ou de inovações.

Segundo, porque o Brasil carece de uma objetividade em relação ao que espera do processo educacional para a sua formação identitária. Está sempre correndo atrás de satisfazer aos interesses econômicos das elites enquanto se permite abdicar da efetivação de uma educação que seja plenamente cidadã. De modo que ficamos no meio do caminho, dando passos à frente e outros tantos para trás, o que no frigir dos ovos resulta em uma perene inação.

Por fim, e não menos importante, há o fato de que não nos apropriamos da construção de um modelo de ensino que se adeque à identidade multicultural brasileira. Lamento, mas a Educação no país tem mais a semelhança de uma colcha de retalhos importados de outros lugares, o que acaba por não refletir as demandas nacionais. E, particularmente, penso que este é o ponto de partida para pensarmos a respeito.

Vamos e convenhamos, o mundo não fala de outra coisa senão a efervescência tecnológica que explode no mundo virtual, colocando a vida cotidiana para orbitar nesse novo universo. Acontece que fizemos do planeta um lugar dividido e marcado pelas fronteiras da desigualdade, portanto, as novidades não alcançam em tempo real e da mesma forma, países e pessoas, considerando todas as disparidades socioeconômicas existentes. Afinal, o que dita esse movimento é a capacidade material de produção e consumo das novas tecnologias.

Desse modo, o Brasil, identificado no cenário mundial como um país em desenvolvimento (ou emergente), produz uma realidade de busca frenética pela experienciação tecnológica de última geração, nos mais diferentes segmentos da sociedade.  No entanto, dada a sua dimensão territorial e à sua diversidade socioeconômica, isso não acontece de maneira harmônica e linear. O que, no campo da Educação, é facilmente perceptível pela desconexão entre a teoria e a prática.

Daqui e dali se ouve e se lê, inclusive, em documentos oficiais, inúmeras propostas de alinhamento da Educação nacional a essa realidade virtual. Acontece que isso não traduz a realidade em curso, imposta pelas discrepâncias regionais e econômicas que atravessam impiedosamente o cotidiano educacional de milhões de brasileiros e brasileiras.

E nesse afã de correr parelha com a realidade dos países desenvolvidos, o Brasil acaba negligenciando as bases didático-pedagógicas e o seu projeto curricular em nome de uma educação digital. Ora, o Brasil já falha na alfabetização, ou seja, no desenvolvimento das habilidades e competências de escrita e de leitura, como revelam os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), de 2012-2019, ao manifestar que “A taxa de analfabetismo para os homens de 15 anos ou mais de idade foi 6,9% e para as mulheres, 6,3%. Para as pessoas pretas ou pardas (8,9%), a taxa de analfabetismo foi mais que o dobro da observada entre as pessoas brancas (3,6%)” 2.

Mas, imagine pensar sobre a dimensão do abismo instituído, quando o assunto é o letramento, ou seja, a capacitação quanto aos usos, às práticas e aos significados da língua escrita. A ausência do letramento se expressa pelo analfabetismo funcional, o qual se revela “quando a pessoa reconhece letras e números, mas não consegue compreender textos simples nem realizar operações matemáticas”, o que no Brasil “atinge cerca de 1/3 dos brasileiros” 3.

Isso significa que se o cidadão está inapto para o mundo analógico, para o mundo digital é ainda pior. Ele está imerso em uma lacuna educacional que o lança sumariamente à exclusão, à submissão, à dependência social e à desqualificação para o mercado de trabalho. Simplesmente, porque ele foi privado também do letramento digital. O que significa dizer que há uma flagrante obstaculização à incorporação cotidiana das práticas sociais de leitura e produção textual em ambientes tecnológicos como, por exemplo, e-mails, redes sociais, internet.

Portanto, a formação intelectual e cognitiva do cidadão se torna rasa e objetivamente comprometida. O que explica a popularização das Fake News, por exemplo. Além da escassez de tempo, imposta pelo ritmo alucinado da dinâmica contemporânea, com seu volume acachapante de informações e conhecimentos em circulação, a limitação da formação educacional torna os indivíduos vorazes consumidores da opinião alheia, não importando a qualidade e a veracidade do que lhes chega pelos olhos e ouvidos.

Sem contar que o seu próprio histórico de fragilidades e deficiências de leitura e escrita constroem no seu inconsciente uma convicção de incapacidade e de inferioridade que o leva a se render aos pseudopoderes alheios. Pois é, esses indivíduos tornam-se presas fáceis da persuasão e da manipulação social mal-intencionada, tornando-se fiéis seguidores do efeito manada. Tudo em razão de que, lá no início do seu processo de formação educacional, lhes foi negligenciada as bases didático-pedagógicas e curriculares, em nome de uma recente idolatria exclusivista à educação digital.

Nesse sentido, a aplicação do teste Pirls (Progress in International Reading Literacy Study), organizado pela IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), não aponta somente o fracasso da Educação nacional, em termos de leitura e interpretação textual. Na verdade, o que fazem os resultados obtidos é não deixar dúvidas quanto ao fato de que o Brasil insiste em depositar apenas nos seus discursos, a convicção plena de consolidação do desenvolvimento, do progresso e da cidadania. Não planeja, não estrutura, não investe, não age em prol da transformação, como se as palavras tivessem mesmo a capacidade de funcionar como um passe de mágica.

Dizia Eduardo Galeano, “Tenho saudades de um país que ainda não existe no mapa” (Dias e Noites de Amor e Guerra). Penso que padecemos historicamente desse semelhante mal! Enquanto nos mantivermos sob os equívocos e distorções dessa filosofia, sem pé e nem cabeça, a tendência será colecionar resultados pífios e desconstrutores de quaisquer pretensões e ousadias para o futuro, ou seja, estaremos mais e mais distantes de nos inserirmos no mapa do mundo.

Não, não há desenvolvimento, progresso e cidadania que não tenha como prioridade a Educação. Afinal, é ela que pressupõe o pleno e livre exercício de habilidades e de competências que satisfaçam as demandas sociais, de cada tempo, e em suas mais diferentes formas e conteúdos.