quinta-feira, 16 de março de 2023

Quando a liberdade não tem asas inteiras


Quando a liberdade não tem asas inteiras

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Deve ser triste descobrir que a liberdade foi roubada! Pois é, nesse exato momento, há milhares de brasileiros despencando de um céu de ilusões fajutas e descobrindo que eram livres sob o guarda-chuva de uma liberdade vigiada.

Depois de revelado, pelos veículos de comunicação e informação, que o chefe da inteligência da Receita Federal do ex-governo “acessou e copiou dados fiscais sigilosos de opositores do ex-presidente” 1, entra em cena a notícia de que a “Abin usou sistema secreto para monitorar pessoas por meio do celular” 2, na gestão federal anterior.

Pois é, triste fim de um dos pilares mais propagados pela contemporaneidade, ou seja, a liberdade. Liberdade de escolha, de decisão ... Livres, pero no mucho! Porque aos moldes do que viveu o Brasil no Estado Novo de Vargas havia a intenção de reimplantar uma polícia política para atender aos interesses do governo, no que diz respeito ao combate a eventuais oposições.

Entretanto, ao contrário de aplicar essa práxis exatamente como fez Getúlio Vargas, o ex-governo decidiu dar asas para a instrumentalização da liberdade no campo ideológico. Assim, conseguia ampliar as fronteiras limitadas do estrato político-partidário e alcançar a massa.  Estabelecendo uma clara associação entre direito e liberdade, o ex-governo passou, então, a tecer uma narrativa de empoderamento de decisões e de escolhas por parte do cidadão.

Haja vista, por exemplo, o tamanho do estrago desencadeado pelo negacionismo científico durante a Pandemia, incluindo  o fato de que o “Ministério da Saúde deixou vencer 39 milhões de vacinas contra covid, avaliadas em R$2 bi” 3. Isso sem contar a desaceleração vertiginosa da imunização infantil que fez retornar doenças como o Sarampo e a Poliomielite.

Mas, não parou por aí. A propaganda libertária instituída no país também falava sobre aquisição de armas e munições, manifestações afrontosas contra à Constituição Federal e demais legislações, desrespeito às Instituições e pessoas a elas ligadas, ensino domiciliar (Homeschooling), guerra contra o comunismo, e por aí vai.  De modo que, da liberdade para o fanatismo, foi um pulo!

Inebriados pela legitimidade dada à sua liberdade, milhares de cidadãos renderam-se submissos e cordatos à condição de ovelhas do rebanho governamental. Pode-se dizer, inclusive, que esse tipo de alienação produzida alcançou um bom êxito, quando analisados os parâmetros eleitorais do ex-governo. Afinal, conseguiram 49,10% dos votos no segundo turno das Eleições de 2022.

Porém, todo esse processo não desconstrói a criminalidade investida nas ações de vigilância e controle recém descobertas. Sim, porque tratam-se de práxis criminosas, que não estão amparadas por nenhum instrumento jurídico nacional. Então, sem essa de que “os fins justificam os meios”, porque a administração pública tem plena consciência de que se rege pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Daí a necessidade de se perceber, cada vez mais, como “A linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez” (George Orwell – Politics and the English Language, 1954).

Em suma, o que se viu, portanto, foi a propaganda libertária figurando como mais uma cortina de fumaça para encobrir atos criminosos que ocorriam atrás das cortinas do poder federal. Esvaziando a liberdade da sua própria essência. Porque tudo que precisa ser escondido, invisibilizado, ocultado, deixa de ser livre.