Quando
a liberdade não tem asas inteiras
Por
Alessandra Leles Rocha
Deve ser triste descobrir que a
liberdade foi roubada! Pois é, nesse exato momento, há milhares de brasileiros
despencando de um céu de ilusões fajutas e descobrindo que eram livres sob o
guarda-chuva de uma liberdade vigiada.
Depois de revelado, pelos veículos
de comunicação e informação, que o chefe da inteligência da Receita Federal do
ex-governo “acessou e copiou dados
fiscais sigilosos de opositores do ex-presidente” 1,
entra em cena a notícia de que a “Abin
usou sistema secreto para monitorar pessoas por meio do celular” 2, na gestão federal anterior.
Pois é, triste fim de um dos
pilares mais propagados pela contemporaneidade, ou seja, a liberdade. Liberdade
de escolha, de decisão ... Livres, pero
no mucho! Porque aos moldes do que viveu o Brasil no Estado Novo de Vargas
havia a intenção de reimplantar uma polícia política para atender aos
interesses do governo, no que diz respeito ao combate a eventuais oposições.
Entretanto, ao contrário de aplicar
essa práxis exatamente como fez Getúlio Vargas, o ex-governo decidiu dar asas
para a instrumentalização da liberdade no campo ideológico. Assim, conseguia
ampliar as fronteiras limitadas do estrato político-partidário e alcançar a
massa. Estabelecendo uma clara associação
entre direito e liberdade, o ex-governo passou, então, a tecer uma narrativa de
empoderamento de decisões e de escolhas por parte do cidadão.
Haja vista, por exemplo, o
tamanho do estrago desencadeado pelo negacionismo científico durante a Pandemia,
incluindo o fato de que o “Ministério da Saúde deixou vencer 39
milhões de vacinas contra covid, avaliadas em R$2 bi” 3.
Isso sem contar a desaceleração vertiginosa da imunização infantil que fez
retornar doenças como o Sarampo e a Poliomielite.
Mas, não parou por aí. A
propaganda libertária instituída no país também falava sobre aquisição de armas
e munições, manifestações afrontosas contra à Constituição Federal e demais
legislações, desrespeito às Instituições e pessoas a elas ligadas, ensino domiciliar
(Homeschooling), guerra contra o
comunismo, e por aí vai. De modo que, da
liberdade para o fanatismo, foi um pulo!
Inebriados pela legitimidade dada
à sua liberdade, milhares de cidadãos renderam-se submissos e cordatos à condição
de ovelhas do rebanho governamental. Pode-se dizer, inclusive, que esse tipo de
alienação produzida alcançou um bom êxito, quando analisados os parâmetros eleitorais
do ex-governo. Afinal, conseguiram 49,10% dos votos no segundo turno das
Eleições de 2022.
Porém, todo esse processo não desconstrói
a criminalidade investida nas ações de vigilância e controle recém descobertas.
Sim, porque tratam-se de práxis criminosas, que não estão amparadas por nenhum
instrumento jurídico nacional. Então, sem essa de que “os fins justificam os meios”, porque a administração pública tem
plena consciência de que se rege pela legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência.
Daí a necessidade de se perceber,
cada vez mais, como “A linguagem política
destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne
respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez” (George
Orwell – Politics and the English Language, 1954).
Em suma, o que se viu, portanto,
foi a propaganda libertária figurando como mais uma cortina de fumaça para
encobrir atos criminosos que ocorriam atrás das cortinas do poder federal. Esvaziando
a liberdade da sua própria essência. Porque tudo que precisa ser escondido,
invisibilizado, ocultado, deixa de ser livre.
1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/02/28/chefe-da-inteligencia-da-receita-de-bolsonaro-acessou-dados-sigilosos-de-opositores-do-ex-presidente-diz-jornal.ghtml