quarta-feira, 15 de março de 2023

De repente. Não mais que de repente...


De repente. Não mais que de repente...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Demissões em massa 1. Falência de grandes empresas 2. Quebra de bancos 3. É claro que as Ciências Econômicas têm seus mecanismos para explicar esses fenômenos, para dar musculatura teórica para os acontecimentos e assim, poder lançar as responsabilidades aos ombros de quem de direito. Acontece que isso é, na verdade, só espuma, só o visível da história. Não basta só entender as ações, as práxis, é preciso depurar as intenções, as subjetividades imersas nos fatos.

Nos últimos dias venho me perguntando a quem, de fato, interessaria construir esse tipo de caos social, considerando que a Economia sempre foi o tendão de Aquiles do mundo globalizado, especialmente, no contexto contemporâneo. E nesse pensar e observar com atenção os acontecimentos não pude deixar de cogitar a possibilidade de a ultradireita estar mexendo seus pauzinhos para ver o circo pegar fogo e comprometer o trabalho dos governos democráticos.

Basta lembrar que o nazismo na Alemanha da década de 30, do século passado, se firmou a partir de uma insatisfação popular frente a um cenário econômico de forte inflação e desemprego em massa, que eles atribuíam como responsabilidade dos judeus ligados ao capital financeiro. No entanto, o que realmente consolidou as investidas nazistas foi a Crise de 1929, em razão da economia alemã estar atrelada à Bolsa de Nova Iorque.

O declínio econômico é um combustível potente para gerar o descrédito político-partidário e criar promessas infundadas a partir de figuras de grande apelo retórico e midiático. Quanto mais difíceis se tornam as conjunturas socioeconômicas, mais “Salvadores da Pátria” emergem para distensionar os conflitos e impor as suas verdades ideológicas.

Daí a necessidade de interromper com devaneios e ilusões de ocasião e começar a ler o cotidiano com a seriedade que ele exige. Como o Brasil e os EUA têm se empenhado na defesa da Democracia e buscado combater, com alguma intensidade, os arroubos expansionistas da ultradireita, chama atenção o fato de que justamente as suas economias venham sendo sutilmente afetadas por episódios dessa natureza.

Aliás, vale a pena conferir uma matéria de janeiro deste ano que já apontava o fato de que o “Brasil é um laboratório da extrema direita global” 4. Então, não dá mais para fingir desconhecimento! A ultradireita se nutre do “quanto pior melhor”, porque ela depende do fracasso alheio; sobretudo, no campo socioeconômico, para se firmar e prosperar. E contando com as lacunas geracionais, o desinteresse histórico de muitos segmentos sociais, ela persiste na sua tentativa de se vender como a solução absoluta para todos os problemas do mundo, custe o que custar.

Acontece que, por tabela, a ultradireita acaba contaminando outros vieses da direita e persuadindo-os a cerrar fileira nas suas frentes de ação, como um encantador de serpentes. De modo que mesmo aqueles que se apresentam moderados, em cima do muro, acabam entrando na pilha de se tornarem multiplicadores ideológicos nesse campo minado, quando encontram adesão aqui e ali às suas próprias ambições, expectativas e demandas. Afinal, há sempre uma fala legitimando a sua própria.

Por isso, é tão importante que episódios de demissão em massa, de falência de grandes empresas e/ou de quebra de bancos não sejam apenas manchetes nos veículos de comunicação e informação; mas, objeto de minuciosa investigação pelas autoridades, dissecando camada por camada das entrelinhas dos acontecimentos. Não se pode desconsiderar, de maneira alguma, que a Economia e a Política se encontram em um ponto comum que é o poder. O que leva a necessidade de se aprofundar na tecitura dialógica desse bastidor a fim de revelar o que aparentava ser algo de caráter pessoal e bastante reservado.

Relembrando José Saramago, “O caos é uma ordem por decifrar”. Não importa se ele é previsível ou não. Se ele é social, cultural, político ou econômico. Só não é possível deixar de combatê-lo sob o risco de ele nos devorar por inteiro, sem que sequer percebamos. Como uma ameaça ainda mais apavorante, quando já se vive em tempos de uma total insegurança que ultrapassa os limites da previsibilidade.

Pois, segundo Mia Couto, “A guerra cria um outro ciclo no tempo. Já não são os anos, as estações que marcam as nossas vidas. Já não são as colheitas, as fomes, as inundações. A guerra instala o ciclo do sangue. Passamos a dizer: ‘antes da guerra, depois da guerra’. A guerra engole os mortos e devora os sobreviventes” (A varanda do Frangipani, 1996). E isso é tão sério que acaba consolidando uma perspectiva na qual “Quem confunde céu e água acaba por não distinguir vida e morte” (A varanda do Frangipani, 1996).