terça-feira, 14 de março de 2023

Há 5 anos...


Há 5 anos...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há 5 anos, a vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista Anderson foram mortos a tiros, na região central do Rio de Janeiro. Mais um crime político para preencher as páginas da história nacional? É o que tudo indica; mas, que ainda não se tem uma resposta plena da justiça a respeito.  De modo que, por enquanto, orbita ao redor dele apenas a certeza de que a sua maior motivação foi o ódio.

Não é de hoje que, no Brasil, o ódio é marcado pelas mais diferentes formas de silenciamento. Silenciam pela ameaça. Silenciam pelo discurso. Silenciam pela desqualificação. Silenciam pela obstaculização e inacessibilidade. Silenciam pela violência. Pelo menos em tese, tentam silenciar a tudo e a todos, que possam de algum modo lhes causar desconforto, irritação ou contrariedade.

Porque “Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais” (Eduardo Galeano). Por isso, nem mesmo a morte é suficiente para silenciar.

No caso de Marielle, a voz se transformou em eco. Seja pelo fato de que todo o ideário defendido por ela tenha se tornado ainda mais intenso na materialidade das práxis cotidianas, seja pelo fato de que o seu assassinato não foi devidamente respondido pela justiça brasileira. Então, a voz contraria afrontosamente o silêncio para reverberar sem fim.  Marielle presente? Sim. Sempre.

A verdade é que o silêncio não quis entender, ou quem sabe admitir, que a voz de Marielle se tornaria a voz de milhares de brasileiros. Gente que ela conhecia ou não. Gente que ela representava ou não. Mas, gente que viu nela a humanidade que habita em cada um de nós. Antes do rótulo de mulher, negra, bissexual, mãe, oriunda da periferia carioca, ela ostentava o pavilhão de defensora dos direitos humanos, que abraça a qualquer um que se reconheça munido dessa condição existencial.

A violência que tirou a vida de Marielle se tornou, então, uma catapulta de visibilidade nacional e internacional. A tentativa de silenciar Marielle a agigantou de uma maneira inimaginada. Como escreveu Pablo Neruda, “E a minha voz nascerá de novo, talvez noutro tempo sem dores, e nas alturas arderá de novo o meu coração ardente e estrelado”. Para quem crê em coincidências ou acasos, essas palavras mais parecem uma profética antecipação dessa história, não é?

E como “Não há dores eternas, e é da nossa miserável condição não poder deter nada que o tempo leva, que o tempo destrói: nem as dores mais nobres, nem as maiores” (Florbela Espanca), a lenta ressignificação da vida, ao longo desses 5 anos, colocou de pé seus familiares, seus amigos, seus colaboradores e seus simpatizantes, a mover corajosamente as engrenagens do Instituto Marielle Franco.

Liderado por sua irmã Anielle, atual Ministra da Igualdade Racial, a organização sem fins lucrativos tem como propósito fundamental “inspirar, conectar e potencializar mulheres negras, pessoas LGBTQIA+ e periféricas a seguirem movendo as estruturas da sociedade por um mundo mais justo e igualitário” 1.

O que significa que Marielle está aí, viva, respirando, falando, sonhando e produzindo através de milhares de pessoas e, de certa forma, trazendo nesse movimento um pouco de justiça a si mesma. Pena que insuficiente para que a página triste possa ser, enfim, virada de vez.

Porque para isso a Justiça precisa se cumprir por inteiro. Precisa falar todas as verdades, por mais podres e indigestas que sejam, para completar o luto dessa história e, principalmente, o luto de quem tem os dias presos, em suspenso, desde então. Pois, “A verdadeira paz não é apenas a ausência de guerra, é a presença da justiça” (Jane Addams).