sábado, 11 de março de 2023

Geração 60+ ... Ela tem muito a dizer, a fazer, a ser.


Geração 60+ ... Ela tem muito a dizer, a fazer, a ser.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A sociedade contemporânea tem começado a se abrir para inúmeras discussões importantes como, por exemplo, o racismo. Entretanto, é bom que se diga que nem todas as formas de discriminação social e de preconceito conseguem a mesma visibilidade, por conta de um processo de trivialização e banalização a respeito. Embora, todas elas afetem de maneira direta e significativa o equilíbrio social.

O etarismo é um exemplo. O exercício da discriminação baseado na idade afeta milhões de brasileiros, sem necessariamente ser visto e entendido como tal. Daí a necessidade urgente de enfrentá-lo com mais seriedade e compromisso, considerando que o “Mundo terá o dobro de idosos até 2050, segundo a ONU” 1.

Pois é, em um planeta onde jovens e crianças morrem cedo por inúmeras razões de ordem socioeconômica, a “Mudança demográfica se torna um desafio devido ao aumento da informalidade no mercado de trabalho e a desigualdade de gênero” 2.  O aumento da expectativa de vida na humanidade é uma verdadeira faca de dois gumes que não pode ser simplesmente desconsiderado.

E quando não se coloca essa questão na roda, não abre o assunto para a discussão e a análise reflexiva, se começa a deparar com situações terrivelmente constrangedoras e indigestas, como traz essa manchete: “Vídeo de universitárias de SP debochando de colega por ter 40 anos viraliza e gera indignação” 3.

São muitas as camadas a serem dissecadas nesse exemplo. O acelerado desenvolvimento científico e tecnológico a partir do século XX impregnou a humanidade contemporânea com valores, crenças e convicções fundamentadas por uma exacerbação do materialismo expresso pelo consumo, o narcisismo, o individualismo e o egoísmo. Em suma, criou-se uma idolatria ao TER em detrimento do SER, de modo que o ser humano é percebido enquanto produto que vale quanto pesa.

Não é à toa que nesse contexto esteja mergulhada a eterna busca pela fonte da juventude. O mercado contemporâneo vê nos jovens a força motriz das suas engrenagens, porque eles figuram como a parcela economicamente ativa mais ampliada, ou seja, geram e consomem freneticamente, fazendo a economia girar.

Além disso, olhando especificamente para a chamada Geração Z, aquela que contempla o recorte temporal entre 1995 a 2010, nascida sob a ordem de “íntima relação com a tecnologia e com o meio digital” 4, ela é a grande propagandista e influenciadora para satisfazer aos interesses desse mercado.

O que significa que a geração X, fim da década de 1960 e o meio da década de 1980, e a geração Y, da segunda metade da década de 1980 e o meio da década de 1990, não dispõem do mesmo interesse do universo mercantil, sendo colocados em um rol de consumidores que buscam atender mais as demandas vitais do que eventualmente supérfluos e novidades.

Afinal, seria mesmo inevitável que a relação deles com a dinâmica contemporânea se desse em outros termos de forma, de conteúdo, de velocidade e de intensidade. Porém, o que poderia ficar apenas no campo de pequenos desajustes, de natureza geracional, no cotidiano, se aprofundou pelos estratos subjetivos da convivência e da coexistência social, com traços de extrema crueldade, indo do banimento à violência em um piscar de olhos.

Emergida a partir de um cenário de superficialidade e fragilidade nos relacionamentos humanos, em razão de uma personalidade altamente volátil e moldável aos interesses do agora, a geração Z é, portanto, totalmente individualista e egocêntrica, a tal ponto que não tem pudor algum em mercantilizar suas relações. Por isso, é que para ela, a presença ou não de indivíduos de outras gerações, é irrelevante, para não dizer, totalmente dispensável.

Não se pode esquecer de que se há nela um sentimento de superioridade tão intenso, que o restante é sumariamente rebaixado à inferioridade, todo esse processo só acontece pela reafirmação de uma legitimidade discursiva presente no contexto contemporâneo. Sobretudo, no campo socioeconômico.  O que significa que essa juventude foi elevada ao padrão socialmente aceito na contemporaneidade.

Em linhas gerias, uma juventude bonita, saudável, “bem-sucedida” economicamente e ativa tecnologicamente. De modo que ao restante cabe a possibilidade de uma tolerabilidade, sujeita a certos ajustes daqui e dali. Quem não conseguir atender e satisfazer às eventuais exigências acabará sendo banido da convivência e da coexistência pacífica e salutar.

Sei que alguns podem dizer que o etarismo sempre existiu. Se pensarmos em como as pessoas idosas 5 eram tratadas há algumas décadas, no país, vamos concordar que sim. A vozinha tricotando sentada na cadeira de balanço ou o vozinho jogando xadrez com os amigos na praça, era esse o estereótipo básico e, até certo ponto, romantizado da situação. Mas, dadas as grandes transformações sociais ocorridas no Brasil e no mundo, o que temos no cenário atual pode ser definido, portanto, como um etarismo selvagem.

Dados certos fatores, tais como o acesso ao saneamento ambiental, a uma alimentação equilibrada e saudável, aos serviços de saúde, à educação, a população pode ampliar a sua expectativa de vida e se manter integrada por mais tempo à dinâmica cotidiana 6. Sem contar que muitas pessoas idosas passaram a precisar se manter cada vez mais ativos no mercado de trabalho em razão de uma insuficiência crônica na sua renda per capita ou familiar.

O que significa que as práxis etaristas contemporâneas não atingem diretamente pessoas consideradas, em tese, inativas, inoperantes ou improdutivas. Muito pelo contrário! Elas atingem, todos os dias, uma parcela gigantesca que caminha rumo ao envelhecimento. Ora, basta estar vivo para envelhecer a cada segundo, minuto, hora, dia,... Só não envelhece, caro (a) leitor (a), quem morre cedo!

Como tão bem manifestou Oprah Winfrey, em 2011, “Vivemos em uma cultura obcecada com a juventude que está constantemente tentando nos dizer que, se não somos jovens, e não estamos brilhando, e não somos gostosos, que não importamos. Eu me recuso a deixar que um sistema ou uma cultura ou uma visão distorcida da realidade me digam que eu não sou importante. Eu sei que só sabendo quem e o que você é, você pode começar a aproveitar a plenitude da vida. Todos os anos devem nos ensinar uma lição valiosa. Se você entende a lição realmente depende de você”.

Assim, antes das ofensas, das piadas de mau gosto, das atitudes de exclusão, da segregação, do banimento, da invisibilização e/ou da violência, considere o fato de que “O envelhecimento populacional está prestes a tornar-se uma das transformações sociais mais significativas do século XXI, com implicações transversais a todos os setores da sociedade – no mercado laboral e financeiro, na procura de bens e serviços como a habitação, nos transporte e na proteção social; e nas estruturas familiares e laços intergeracionais” (Organização das Nações Unidas - ONU) 7. Portanto, areje suas ideias, reveja seus conceitos, porque “Ninguém envelhece apenas por viver vários anos. Nós envelhecemos abandonando nossos ideais. Os anos podem enrugar a pele, mas desistir do entusiasmo enruga a alma” (Samuel Ulmam).



1 https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/01/populacao-idosa-no-mundo-vai-dobrar-ate-metade-do-seculo-mostra-onu.shtml

2 Idem 1.

3 https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2023/03/11/video-de-universitarias-de-sp-debochando-de-colega-por-ter-40-anos-viraliza-e-gera-indignacao.ghtml

4 https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/geracao-z.htm

5 Estatuto da Pessoa Idosa - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm

6 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/11/25/expectativa-de-vida-sobe-de-768-para-77-anos.ghtml

7 https://unric.org/pt/envelhecimento/