Geração
60+ ... Ela tem muito a dizer, a fazer, a ser.
Por
Alessandra Leles Rocha
A sociedade contemporânea tem
começado a se abrir para inúmeras discussões importantes como, por exemplo, o
racismo. Entretanto, é bom que se diga que nem todas as formas de discriminação
social e de preconceito conseguem a mesma visibilidade, por conta de um
processo de trivialização e banalização a respeito. Embora, todas elas afetem
de maneira direta e significativa o equilíbrio social.
O etarismo é um exemplo. O
exercício da discriminação baseado na idade afeta milhões de brasileiros, sem
necessariamente ser visto e entendido como tal. Daí a necessidade urgente de
enfrentá-lo com mais seriedade e compromisso, considerando que o “Mundo
terá o dobro de idosos até 2050, segundo a ONU” 1.
Pois é, em um planeta onde
jovens e crianças morrem cedo por inúmeras razões de ordem socioeconômica,
a “Mudança demográfica se torna um desafio devido ao aumento da
informalidade no mercado de trabalho e a desigualdade de gênero” 2. O aumento da expectativa de vida na
humanidade é uma verdadeira faca de dois gumes que não pode ser simplesmente
desconsiderado.
E quando não se coloca essa
questão na roda, não abre o assunto para a discussão e a análise reflexiva, se
começa a deparar com situações terrivelmente constrangedoras e indigestas, como
traz essa manchete: “Vídeo de universitárias de SP debochando de colega
por ter 40 anos viraliza e gera indignação” 3.
São muitas as camadas a serem
dissecadas nesse exemplo. O acelerado desenvolvimento científico e tecnológico
a partir do século XX impregnou a humanidade contemporânea com valores, crenças
e convicções fundamentadas por uma exacerbação do materialismo expresso pelo
consumo, o narcisismo, o individualismo e o egoísmo. Em suma, criou-se uma
idolatria ao TER em detrimento do SER, de modo que o ser humano é percebido
enquanto produto que vale quanto pesa.
Não é à toa que nesse contexto
esteja mergulhada a eterna busca pela fonte da juventude. O mercado
contemporâneo vê nos jovens a força motriz das suas engrenagens, porque eles
figuram como a parcela economicamente ativa mais ampliada, ou seja, geram e consomem
freneticamente, fazendo a economia girar.
Além disso, olhando
especificamente para a chamada Geração Z, aquela que contempla o recorte
temporal entre 1995 a 2010, nascida sob a ordem de “íntima relação com a
tecnologia e com o meio digital” 4, ela é a grande propagandista e influenciadora
para satisfazer aos interesses desse mercado.
O que significa que a geração X,
fim da década de 1960 e o meio da década de 1980, e a geração Y, da segunda
metade da década de 1980 e o meio da década de 1990, não dispõem do mesmo
interesse do universo mercantil, sendo colocados em um rol de consumidores que
buscam atender mais as demandas vitais do que eventualmente supérfluos e
novidades.
Afinal, seria mesmo inevitável
que a relação deles com a dinâmica contemporânea se desse em outros termos de
forma, de conteúdo, de velocidade e de intensidade. Porém, o que poderia ficar
apenas no campo de pequenos desajustes, de natureza geracional, no cotidiano,
se aprofundou pelos estratos subjetivos da convivência e da coexistência
social, com traços de extrema crueldade, indo do banimento à violência em um
piscar de olhos.
Emergida a partir de um cenário
de superficialidade e fragilidade nos relacionamentos humanos, em razão de uma
personalidade altamente volátil e moldável aos interesses do agora, a geração Z
é, portanto, totalmente individualista e egocêntrica, a tal ponto que não tem
pudor algum em mercantilizar suas relações. Por isso, é que para ela, a
presença ou não de indivíduos de outras gerações, é irrelevante, para não
dizer, totalmente dispensável.
Não se pode esquecer de que se
há nela um sentimento de superioridade tão intenso, que o restante é
sumariamente rebaixado à inferioridade, todo esse processo só acontece pela
reafirmação de uma legitimidade discursiva presente no contexto contemporâneo.
Sobretudo, no campo socioeconômico. O que significa que essa juventude
foi elevada ao padrão socialmente aceito na contemporaneidade.
Em linhas gerias, uma juventude
bonita, saudável, “bem-sucedida” economicamente e ativa tecnologicamente. De
modo que ao restante cabe a possibilidade de uma tolerabilidade, sujeita a
certos ajustes daqui e dali. Quem não conseguir atender e satisfazer às
eventuais exigências acabará sendo banido da convivência e da coexistência
pacífica e salutar.
Sei que alguns podem dizer que o
etarismo sempre existiu. Se pensarmos em como as pessoas idosas 5 eram tratadas há algumas décadas, no país,
vamos concordar que sim. A vozinha tricotando sentada na cadeira de balanço ou
o vozinho jogando xadrez com os amigos na praça, era esse o estereótipo básico
e, até certo ponto, romantizado da situação. Mas, dadas as grandes
transformações sociais ocorridas no Brasil e no mundo, o que temos no cenário
atual pode ser definido, portanto, como um etarismo selvagem.
Dados certos fatores, tais como
o acesso ao saneamento ambiental, a uma alimentação equilibrada e saudável, aos
serviços de saúde, à educação, a população pode ampliar a sua expectativa de
vida e se manter integrada por mais tempo à dinâmica cotidiana 6. Sem contar que muitas pessoas
idosas passaram a precisar se manter cada vez mais ativos no mercado de
trabalho em razão de uma insuficiência crônica na sua renda per capita ou
familiar.
O que significa que as práxis
etaristas contemporâneas não atingem diretamente pessoas consideradas, em tese,
inativas, inoperantes ou improdutivas. Muito pelo contrário! Elas atingem,
todos os dias, uma parcela gigantesca que caminha rumo ao envelhecimento. Ora,
basta estar vivo para envelhecer a cada segundo, minuto, hora, dia,... Só não
envelhece, caro (a) leitor (a), quem morre cedo!
Como tão bem manifestou Oprah
Winfrey, em 2011, “Vivemos em uma cultura obcecada com a juventude que
está constantemente tentando nos dizer que, se não somos jovens, e não estamos
brilhando, e não somos gostosos, que não importamos. Eu me recuso a deixar que
um sistema ou uma cultura ou uma visão distorcida da realidade me digam que eu
não sou importante. Eu sei que só sabendo quem e o que você é, você pode
começar a aproveitar a plenitude da vida. Todos os anos devem nos ensinar uma
lição valiosa. Se você entende a lição realmente depende de você”.
Assim, antes das ofensas, das
piadas de mau gosto, das atitudes de exclusão, da segregação, do banimento, da
invisibilização e/ou da violência, considere o fato de que “O envelhecimento
populacional está prestes a tornar-se uma das transformações sociais mais
significativas do século XXI, com implicações transversais a todos os setores
da sociedade – no mercado laboral e financeiro, na procura de bens e serviços
como a habitação, nos transporte e na proteção social; e nas estruturas
familiares e laços intergeracionais” (Organização das Nações Unidas - ONU) 7. Portanto, areje suas ideias, reveja seus
conceitos, porque “Ninguém envelhece apenas por viver vários anos. Nós
envelhecemos abandonando nossos ideais. Os anos podem enrugar a pele, mas
desistir do entusiasmo enruga a alma” (Samuel Ulmam).
1 https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/01/populacao-idosa-no-mundo-vai-dobrar-ate-metade-do-seculo-mostra-onu.shtml
2 Idem 1.
3 https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2023/03/11/video-de-universitarias-de-sp-debochando-de-colega-por-ter-40-anos-viraliza-e-gera-indignacao.ghtml
4 https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/geracao-z.htm
5 Estatuto da Pessoa Idosa - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm
6 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/11/25/expectativa-de-vida-sobe-de-768-para-77-anos.ghtml