sexta-feira, 3 de março de 2023

O radicalismo e seus silêncios


O radicalismo e seus silêncios

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nem radicalismos de direita. Nem radicalismos de esquerda. O Brasil não precisa desse tipo de comportamento; sobretudo, na realidade atual. A começar pelo fato de que o radicalismo cria um desaprendizado dialógico dentro da sociedade, o qual acaba culminando em silêncios.

Silêncios motivados pela imposição da força arbitrária. Silêncios pela indisposição de manifestar opiniões. Silêncios por uma indiferença emergida do desalento cidadão. Aliás, experiência que o país pode experimentar nos últimos quatro anos, com o radicalismo da direita.

Acontece que as práxis radicais, extremistas, não se limitam a afetar apenas a dinâmica interna. Elas criam uma aura de instabilidade, de retrocesso, de desordem, que impactam severamente as posições e pretensões do país dentro do cenário global.

Simplesmente, porque elas jogam um mar de água fria nas políticas setoriais, nos planejamentos estruturais, na tecitura da dinâmica de negociação político-partidária, enfim... E isso, inevitavelmente, gera atraso, estagnação, que atrapalha sobremaneira a superação das fronteiras de desigualdades históricas nacionais.

Por isso, é que vi, com extremo pesar e indignação, o “balão de ensaio” que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) promoveu essa semana, ao invadir três fazendas de uma exportadora de celulose no estado da Bahia 1. Considerando que o atual governo federal inicia, agora, o seu terceiro mês de trabalho, a atitude do MST tem sim, por finalidade, testar o grau de apoio para suas pautas.

No entanto, ao optar por esse tipo de estratégia beligerante, no sentido de encorpar suas reivindicações, comete-se um erro gigantesco pela desconsideração sobre o que isso representa ao cenário brasileiro. Especialmente, por conta do que se viu acontecer no conjunto de atos antidemocráticos deflagrados país afora.

A atitude do MST expõe, então, o atual governo ao chamado “fogo amigo”, tendo em vista de que há entre eles convergência de opiniões sobre certos assuntos. Contudo, o momento do país está longe, anos luz, de ter alguma semelhança com o recorte temporal de outros tempos. Buscando olhar apenas para as duas primeiras gestões do atual Presidente da República, lá se foram 12 anos, e muita água rolou por debaixo da ponte da realidade contemporânea brasileira e do mundo.

Tanto que, essa gestão em curso precisou demasiadamente do exercício dialógico para construir uma frente ampla que possibilitasse alcançar o êxito eleitoral. Pois o Brasil vivia a efervescência da discórdia, das Fake News, das violências explícitas e veladas contra as instituições, os poderes, a Democracia, o Estado de Direito e as próprias eleições.

Acontece que ainda vive. As cicatrizes da antidemocracia ainda não foram plenamente curadas. Os radicalismos da direita estão por aí, à espreita, a espera de desencadear novos episódios. O que torna extremamente desafiador o processo de reconstrução das estruturas governamentais, as quais foram desmanteladas, desconstruídas, nos últimos quatro anos.

O país tem que olhar para frente, mas não pode se esquecer desse refazimento dos caminhos. Talvez, seja a obra hercúlea mais importante a ser desenvolvida nessa terra, até aqui. De modo que o que se espera da esquerda e de seus simpatizantes, sejam eles mais ou menos radicais, é lucidez, discernimento, sensatez para unir esforços, trabalhos, mesmo que as perspectivas imediatas não alcancem um denominador plenamente comum.

Mas, é como diz a velha expressão, “Roma e Pavia não se fizeram num dia”. Basta se permitir ver o Brasil, através das suas camadas estruturais mais profundas, para entender que as construções e as transformações que se fazem historicamente necessárias demandam bem mais do que ousadia, impetuosidade ou afronta.

São muitos os paradigmas ideológicos e comportamentais deixados como herança pelo sistema colonial de exploração, que vigorou no país. Porque eles continuam reverberando na sociedade, de gerações em gerações. E como tão bem escreveu Paulo Coelho, “Uma coisa é você achar que está no caminho certo, outra é achar que seu caminho é único! ” 2, e infelizmente, é isso o que tem buscado apontar os radicalismos.

Não se pode esquecer que sobre o atual governo recai a pesada responsabilidade de defender e lutar pela Democracia, pelo Estado de Direito e pela Cidadania, tão bárbara e duramente atacadas nos últimos tempos. Um compromisso foi firmado com a sociedade a esse respeito e ninguém é obrigado a prometer, mas se prometeu tem que, no mínimo, procurar cumprir.

Segundo Stephen King, “No exercício do dever nunca há qualquer razão aceitável para ceder a fraquezas”, ou seja, nesse caso não há espaço e/ou justificativa para ceder a quaisquer tipos de radicalismos. Assim, talvez seja hora de o país, em todas as suas vertentes, compreender que “Não se pode manter a paz pela força, mas sim pela concórdia” (Albert Einstein).