O
radicalismo e seus silêncios
Por
Alessandra Leles Rocha
Nem radicalismos de direita. Nem
radicalismos de esquerda. O Brasil não precisa desse tipo de comportamento;
sobretudo, na realidade atual. A começar pelo fato de que o radicalismo cria um
desaprendizado dialógico dentro da sociedade, o qual acaba culminando em
silêncios.
Silêncios motivados pela
imposição da força arbitrária. Silêncios pela indisposição de manifestar
opiniões. Silêncios por uma indiferença emergida do desalento cidadão. Aliás,
experiência que o país pode experimentar nos últimos quatro anos, com o
radicalismo da direita.
Acontece que as práxis radicais,
extremistas, não se limitam a afetar apenas a dinâmica interna. Elas criam uma
aura de instabilidade, de retrocesso, de desordem, que impactam severamente as
posições e pretensões do país dentro do cenário global.
Simplesmente, porque elas jogam
um mar de água fria nas políticas setoriais, nos planejamentos estruturais, na
tecitura da dinâmica de negociação político-partidária, enfim... E isso,
inevitavelmente, gera atraso, estagnação, que atrapalha sobremaneira a
superação das fronteiras de desigualdades históricas nacionais.
Por isso, é que vi, com extremo
pesar e indignação, o “balão de ensaio”
que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) promoveu essa semana,
ao invadir três fazendas de uma exportadora de celulose no estado da Bahia 1. Considerando que o atual governo
federal inicia, agora, o seu terceiro mês de trabalho, a atitude do MST tem
sim, por finalidade, testar o grau de apoio para suas pautas.
No entanto, ao optar por esse
tipo de estratégia beligerante, no sentido de encorpar suas reivindicações, comete-se
um erro gigantesco pela desconsideração sobre o que isso representa ao cenário
brasileiro. Especialmente, por conta do que se viu acontecer no conjunto de
atos antidemocráticos deflagrados país afora.
A atitude do MST expõe, então, o
atual governo ao chamado “fogo amigo”,
tendo em vista de que há entre eles convergência de opiniões sobre certos assuntos.
Contudo, o momento do país está longe, anos luz, de ter alguma semelhança com o
recorte temporal de outros tempos. Buscando olhar apenas para as duas primeiras
gestões do atual Presidente da República, lá se foram 12 anos, e muita água
rolou por debaixo da ponte da realidade contemporânea brasileira e do mundo.
Tanto que, essa gestão em curso
precisou demasiadamente do exercício dialógico para construir uma frente ampla
que possibilitasse alcançar o êxito eleitoral. Pois o Brasil vivia a
efervescência da discórdia, das Fake News,
das violências explícitas e veladas contra as instituições, os poderes, a
Democracia, o Estado de Direito e as próprias eleições.
Acontece que ainda vive. As
cicatrizes da antidemocracia ainda não foram plenamente curadas. Os
radicalismos da direita estão por aí, à espreita, a espera de desencadear novos
episódios. O que torna extremamente desafiador o processo de reconstrução das
estruturas governamentais, as quais foram desmanteladas, desconstruídas, nos
últimos quatro anos.
O país tem que olhar para frente,
mas não pode se esquecer desse refazimento dos caminhos. Talvez, seja a obra
hercúlea mais importante a ser desenvolvida nessa terra, até aqui. De modo que
o que se espera da esquerda e de seus simpatizantes, sejam eles mais ou menos
radicais, é lucidez, discernimento, sensatez para unir esforços, trabalhos,
mesmo que as perspectivas imediatas não alcancem um denominador plenamente
comum.
Mas, é como diz a velha
expressão, “Roma e Pavia não se fizeram
num dia”. Basta se permitir ver o Brasil, através das suas camadas
estruturais mais profundas, para entender que as construções e as
transformações que se fazem historicamente necessárias demandam bem mais do que
ousadia, impetuosidade ou afronta.
São muitos os paradigmas
ideológicos e comportamentais deixados como herança pelo sistema colonial de
exploração, que vigorou no país. Porque eles continuam reverberando na
sociedade, de gerações em gerações. E como tão bem escreveu Paulo Coelho, “Uma coisa é você achar que está no caminho
certo, outra é achar que seu caminho é único! ” 2,
e infelizmente, é isso o que tem buscado apontar os radicalismos.
Não se pode esquecer que sobre o atual
governo recai a pesada responsabilidade de defender e lutar pela Democracia,
pelo Estado de Direito e pela Cidadania, tão bárbara e duramente atacadas nos
últimos tempos. Um compromisso foi firmado com a sociedade a esse respeito e
ninguém é obrigado a prometer, mas se prometeu tem que, no mínimo, procurar
cumprir.
Segundo Stephen King, “No exercício do dever nunca há qualquer
razão aceitável para ceder a fraquezas”, ou seja, nesse caso não há espaço
e/ou justificativa para ceder a quaisquer tipos de radicalismos. Assim, talvez
seja hora de o país, em todas as suas vertentes, compreender que “Não se pode manter a paz pela força, mas
sim pela concórdia” (Albert Einstein).
1 https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2023/02/27/integrantes-do-mst-ocupam-areas-de-empresa-de-celulose-e-papel-no-sul-da-bahia.ghtml
2 Na margem
do Rio Piedra eu sentei e chorei. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.