sábado, 4 de março de 2023

Desse lado ou do outro. Em cima do muro não dá!


Desse lado ou do outro. Em cima do muro não dá!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É plenamente compreensível a singularidade que reveste o atual governo. As conjunturas do país, sejam elas políticas, sociais ou econômicas, não são nem de longe as mesmas de 12 anos atrás, quando se encerrou a segunda gestão do Presidente Lula. A flagrante busca pela ascensão da ultradireita, mundo afora, chegou ao Brasil também. De modo que a beligerância atravessou os espaços, os discursos, os comportamentos, as ideologias, promovendo um verdadeiro rebuliço e tensionamento no país.

Daí as tentativas de pisar em ovos para não agravar ainda mais, o que já está relativamente grave. E um dos caminhos encontrados para colocar em prática esse distensionamento foi buscar na habilidade da dialogia político-partidária os nomes para a composição do governo. Acontece que nessa seara política, lobos e cordeiros se mimetizam de maneira surpreendente, a tal ponto que conseguem dissimular as suas verdadeiras ideias e intenções, em uma constante tentativa de se equilibrar em cima do muro, aguardando o momento ideal para abdicar da sua persona.

Ocorre que no Brasil essa postura nunca logra bom êxito. Nossos políticos são demasiadamente afoitos e desajeitados para se manterem, por muito tempo, em cima do muro. Acometidos pela verborragia clássica nacional, ou pelo narcísico desejo de visibilidade e de notoriedade, ou pela pura convicção de esperteza na arte da política, eles acabam traídos por sua genuína irreflexão e imprevidência. Haja vista a constante dança das cadeiras entre os partidos, dado o constante desajustamento apresentado por seus filiados.

Talvez, por isso, se torne tão difícil estabelecer escolhas para construir uma governança minimamente susceptível a erros, como os já cometidos em outros tempos. No entanto, diante da disseminação maciça da direita e de seus matizes, mais ou menos radicais, no último governo; bem como, todo o processo antidemocrático por ela fomentado, há uma necessidade de separar o joio do trigo para evitar boicotes, obstáculos, entraves desnecessários ao processo de reconstrução do país. As repugnantes e absurdas práxis de outrora precisam ser efetivamente banidas do contexto brasileiro para que se possa almejar uma perspectiva de futuro, de progresso, de desenvolvimento.

Por isso é que, em dois meses de governo, muitas mudanças foram tomadas nesse sentido. No entanto, cabe ressaltar que ainda soam desconfortáveis certos episódios, os quais podem sim, vir a representar um desgaste imenso para a imagem pública nacional e internacional do governo 1. Razão pela qual não há espaço para lançá-las sob o tapete da história, incorrendo no risco de que os desdobramentos se tornem ainda piores do que os fatos em si.  

Aliás, daqui e dali já se vê sinais de fumaça, indicando a presença desconfortante do ideário da direita e seus matizes, que marcou o ex-governo. Veja, por exemplo, o caso da lista de nomes para o Conselho da Petrobrás, o qual foi alterado à revelia do próprio governo, pelo Ministro de Minas e Energia, desalinhando ao perfil que poderia atender a certos objetivos como a mudança na política de preços dos combustíveis, a distribuição de dividendos, o processo de venda de ativos.

Para surpresa geral, o Ministro que havia participado intensamente da campanha eleitoral vitoriosa do Presidente da República, agora, indicava nomes ligados ao mercado financeiro e totalmente favoráveis à privatização. Aliás, segundo veículos de comunicação e informação, Bruno Bianco (Ex-Advogado Geral da União, no governo passado), atual gerente sênior de relações do banco BTG Pactual, “foi responsável por articular junto ao Centrão e ao Ministro de Minas e Energia, a lista de indicados do governo ao Conselho de Administração da Petrobrás” 2. Fato que acabou gerando total insatisfação no governo e adiando a assembleia de acionistas 3.

É preciso entender que a última eleição brasileira colocou sobre a mesa nacional dois projetos de governança diametralmente opostos, cujos resultados práticos podem ser aferidos junto às páginas recentes da história nacional. Pois é, venceu a Democracia, a Cidadania, o Estado de Direito, a Economia Verde, a Sustentabilidade Socioambiental, a Ciência, a Saúde,... Então, tendo em vista que ninguém é obrigado a concordar ou defender essas pautas, quem se sentir incomodado ou desajustado a elas no governo, deveria sair, deveria se posicionar com dignidade e clareza a respeito. Ser oposição é legítimo, desde que seja exercida no espaço correto. É preciso entender que uma orquestra só dá espetáculo, só encanta a plateia, quando músicos e instrumentos tocam afinados.