Vida:
realidade e perspectivas
Por
Alessandra Leles Rocha
Observando os recentes
acontecimentos trágicos, no Brasil e no mundo, fico me perguntando em que ponto
exato da história a vida humana perdeu essencialmente o seu valor. A sensação
que tenho é de que a vida passou a ser mantida em prol da satisfação de bens,
produtos e serviços, e não de si mesma. Talvez, por isso, exista quem sequer
perceba o impacto das perdas.
Pois é, quando a vida se torna
objetificada penso que chegamos ao fim da linha, tudo perde o sentido. É a
destruição das emoções, dos sentimentos, dos valores, dos princípios, das
crenças. Ora, a vida resumida a um corpo que anda, que fala, que come, ... não
pode ser chamada de vida. A essência do viver está essencialmente fundamentada
na subjetividade, na imaterialidade.
Veja, por exemplo, como é absurdo
perceber como a vida está sempre no fim da fila das prioridades contemporâneas.
A dinâmica do cotidiano orbita um universo de materialidades que precisa ser
atendida, a tempo e a hora, para gerar mais riqueza e mais de si mesma. De modo
que não importa mais se o sono não tem qualidade, se a alimentação não tem
qualidade e quantidade e é realizada às pressas e irregularmente, se não há
espaço na agenda para descanso ou para atividades físicas e de lazer, ... O eu
não é prioridade. Talvez, nem exista mais.
E aí, de repente, a gente se
depara com uma manchete assim, “A
intolerável pobreza infantil – Estudo traça panorama desolador sobre as vulnerabilidades
de milhoes de crianças no Brasil. Há algo de muito errado quando um país
descuida desse jeito de suas gerações” 1.
Esse é o tipo de prova cabal para juntar às minhas reflexões. Se nem mesmo as
crianças conseguem mais extrair alguma gota de empatia, de fraternidade, de altruísmo
dos seres humanos é sinal de que a situação está efetivamente consumada na sua
deterioração.
A impressão que se tem é de que a
espécie não reconhece mais a si mesma, ao que isso significa. Então, ela não se
importa em defender a sua existência, a sua sobrevivência, a sua dignidade. Seja
em que momento for da jornada, ou seja, não importa a idade, o gênero, o credo,
a nacionalidade, a escolaridade, nada. E aí, quando alguns tentam resistir a
essa nova ordem global de objetificação humana, nem sempre alcançam êxito 2.
Pode-se dizer, sem medo de errar,
que a vida no sentido pleno da existência foi sim, substituída pelo
comportamento funcional e operacional da materialidade. Não se vive em função
do Ser; mas, em função do Ter, ou seja, tudo o que foi estabelecido na Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948)3,
por exemplo, tem deixado de ter o significado com que foi escrito.
Infelizmente, se nasce cada vez
menos livre e igual em dignidade e direitos. Também, não se age mais com
espírito de fraternidade, de modo que o preconceito e a intolerância correm
soltos por aí. Não há segurança; mas, há servidão, tortura, tratamento desumano
e degradante. Não há pleno exercício cidadão. Enfim. Mas, esclareço que não é
por conta estritamente das ações cometidas pelo próprio ser humano contra seus
pares; mas, em grande parte, pela submissão instituída e legitimada pela tecnologização
da vida.
Engraçado que bem antes de toda a
efervescência contemporânea atual, Antoine de Saint-Exupéry já se incomodava
com essa questão, quando perguntou “Se a
vida não tem preço, nós comportamo-nos sempre como se alguma coisa ultrapassasse,
em valor, a vida humana... Mas o quê? ”. E, talvez, a melhor resposta tenha
sido deixada por Immanuel Kant, quando manifestou que “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma
coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a
coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência,
compreende uma dignidade”. Diante
disso, pensemos.