segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O amor pode ter vencido; mas, o ódio não acabou...


O amor pode ter vencido; mas, o ódio não acabou...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Oficialmente diplomados, o presidente e o vice-presidente da República Federativa do Brasil, e a Democracia nacional pode dar mais um passo importante na sua consolidação. Contudo, não pensem que entramos em um mar de calmaria.

As eleições democráticas apontaram a alternância da representatividade popular; mas, isso não significa que as forças contrárias deixam de existir ou de se manifestar. O amor pode ter vencido; mas, o ódio não acabou, apenas se arrefeceu temporariamente.

Sempre considero a necessidade de prestar atenção na história, justamente, pelo quanto ela tem a nos dizer nas suas linhas e entrelinhas. Quando a Segunda Grande Guerra acabou, diante de toda a catástrofe decorrente da estupidez beligerante, pensou-se que o mundo jamais experimentaria algo semelhante. E apesar de nenhum acontecimento naquelas proporções ter, de fato, ocorrido, nem por isso, novas guerras e conflitos deixaram de existir.

Não se trata de não entender, ou de não aprender com os fracassos, com as derrotas, com as experiências negativas. Acontece que habita a alma humana uma origem bárbara, autoritária, combativa, cruel, a qual se tenta, a todo custo, domar e alinhar dentro da civilidade, dos protocolos, das etiquetas, mas é muito difícil.

Manter as relações humanas harmoniosas e pacíficas é algo de extrema complexidade. Tanto que, consciente dessa disputa entre o instinto e a racionalidade, a ultradireita e outras representações político-partidárias extremistas vêm, desde então, pavimentando a sua estrada rumo a conquista dos espaços de poder pelo mundo.  

Aliás, é importante destacar que suas ideologias foram tecidas com base em uma farta observação histórica em torno dos eventuais sucessos dos grandes impérios. É possível pinçar aqui e ali estratégias, narrativas, discursos, ações, já empregadas em outros momentos e que, de algum modo, repercutiram a contento dos objetivos.

No entanto, erram por exceder na sua radicalização ao impor as mesmas práxis na inobservância das conjunturas temporais e das realidades sociais, desconsiderando que política não é uma receita de bolo, a qual se permite repetir indefinidamente e alcançar sempre os mesmos bons resultados.   

E esse é o ponto. Seja a ultradireita ou quaisquer outras representações político-partidárias extremistas, radicais, ao redor do planeta, o problema é que eles erram, mas teimam em não admitir. Eles se mantêm na posição de insistência, de persistência, apostando todas as fichas de que, mais dia menos dia, irão se sagrar vencedores, que atingirão seus propósitos de poder.

E para isso, eles contam com um movimento contínuo de persuasão e recrutamento de simpatizantes às suas ideologias, às suas causas, para que não faltem contingentes humanos às suas lutas. É o que explica porque as guerras e os conflitos, em algum momento, chegam ao fim; mas, logo, surgem outros.

A Terra não consegue consolidar o seu tempo de paz; pois, ao seu redor paira essa nuvem imaginária de tensão que não permite aos seres humanos baixar sua guarda e respirar tranquilamente. De geração em geração o radicalismo vai construindo um inconsciente coletivo dominado pelo sentimento de medo e de desconforto, sem que muitos não percebam exatamente o que está acontecendo.  

Como escreveu Steven Levitsky, “Em quase todos os casos de colapso democrático que nós estudamos, autoritários potenciais – de Franco, Hitler, Mussolini na Europa entre guerras a Marcos, Castro e Pinochet, durante a Guerra Fria, e Putin, Chávez e Erdogan mais recentemente – justificaram a sua consolidação de poder rotulando os oponentes como uma ameaça à sua existência”. Desse modo, “Uma das grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão”.

Daí a necessidade de se manter a vigilância ininterrupta, dormindo de olhos bem abertos, sempre antevendo os perigos que rondam os dias e as noites. Pois, como dizia José Saramago, “Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo”.

Não, não podemos nos iludir, nos enganar. O que parecia sem rosto, sem nome, uma entidade quase que fantasmagórica, agora, saiu das sombras. Dizer que o Brasil está polarizado é um engano. Ele não está. Ele é. Sempre foi. O que temos bem diante dos olhos não é senão a revelação de uma ultradireita que sempre esteve obscura entre nós e, de repente, viu-se legitimada a se assumir publicamente. Feito isso, não há volta; pois, “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos” (José Saramago - Ensaio sobre a Cegueira).

Sendo assim, isso significa que ela não tenderá a desistir na sua obstinada cruzada pelo poder porque “As coisas que parecem ter passado são as que nunca acabam de passar” (José Saramago – A caverna). Quanto aos demais, o importante nesse momento é ter a consciência do seu papel cidadão, ou seja, “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira). Afinal, “Uma pessoa inteligente resolve um problema, um sábio o previne” (Albert Einstein).