segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Promessas, prioridades, necessidades... O impasse da LDO/2023


Promessas, prioridades, necessidades... O impasse da LDO/2023

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto muito se falou a respeito do chamado Orçamento Secreto, ou Emenda do Relator, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023 passou bem mais despercebida pela maioria da população. Acontece que é através dela que se tem o orçamento disponível para a gestão do país. O que significa que as engrenagens da máquina pública funcionam de acordo com o que ela permite.   

Eis, então, que passado o pleito eleitoral emergiu uma fragorosa discussão em torno da referida lei, agora sim, apontando claramente para o tamanho da sua insuficiência para suprir as promessas de campanha mais emergenciais do candidato vitorioso. Êpa! Como assim? Fosse quem fosse o eleito, essa é uma questão que afetaria o novo Presidente da República, ou não?

Independentemente se A, B ou C, o problema estava posto desde agosto deste ano quando foi sancionada, com diversos vetos, pelo governo federal. Todos sabiam e aceitaram aprovar uma LDO nesses moldes absurdos, sob o pretexto de não extrapolar os limites de gastos; mas, se permitindo ferir o cumprimento de gestão de áreas essenciais, tais como Saúde e Educação.

Sem contar que promessas eleitorais fizeram parte de todas as campanhas, sendo que muitas delas foram semelhantes como, por exemplo, o caso da manutenção do Auxílio Brasil de R$600 e o aumento do salário mínimo, o qual foi motivo de muitos ruídos na reta final das eleições. Promessas que colocaram em xeque urgentes demandas da população frente a notória imprevisibilidade de recursos.

Pois é, aprovaram uma lei que flagrantemente afetaria o cotidiano de milhões de brasileiros, enquanto, mantinha intacto nas suas linhas, por exemplo, os recursos para o Orçamento Secreto, o qual destina-se a custear projetos definidos por parlamentares sem quaisquer identificações a respeito. Em suma, sem transparência.

Assim, o que, agora, no momento da transição, se levanta em relação a LDO de 2023 como uma bomba fiscal é preciso admitir que foi construída mediante a anuência de diversos atores da gestão ainda em curso. Talvez, eles acreditassem que ela só explodiria nas mãos da população, quando tivessem que pagar por tamanha imprevidência, irresponsabilidade e descaso, por meio de medidas que lhes fossem ainda mais amargas e cruéis, sem que nada pudessem fazer.  

Portanto, me parece minimamente razoável que parta deles, os atores envolvidos diretamente nesse processo, a mea culpa e a solução para todo esse imbróglio. Assim como a gestão que foi democraticamente eleita nesse último pleito, aquela que foi eleita em 2018 tem um compromisso constitucional assumido até 31 de dezembro com a população brasileira. Isso significa que está com eles a responsabilidade de desativar essa bomba e mitigar os agravos.

A total desatenção para o fato de que o modo com o qual a LDO foi redigida e pensada ocasionaria, inevitavelmente, o travamento da gestão pública e, por consequência, do desenvolvimento socioeconômico do país, só faz reafirmar por si só a existência de dois Brasis, nesses últimos quatro anos, ou seja, um real e um Brasil idealizado. Como se isso pudesse ser possível, não é?!

Infelizmente, a maneira aviltante com a qual a Constituição Brasileira de 1988 e demais legislações importantes foram tratadas nessa atual gestão sinaliza o enviesamento e o acirramento da desigualdade nacional. A verdadeira polarização que recrudesceu no país nesse período foi entre ricos e pobres, ou os que têm direitos e os que não têm. De certa forma, ela é, portanto, a síntese dessa LDO.

Criaram um documento disforme que para alcançar alguma funcionalidade teria que ser remendado daqui e dali. Mas, como dizia o poeta português Bocage 1, “pior a emenda que o soneto”! Afinal, a questão é muito mais complexa do que se imagina. Não se restringe apenas aos aspectos socioeconômicos nacionais; mas, sobretudo, aos internacionais. O mundo não sinaliza com menos turbulência para 2023. A inflação ronda. A recessão ameaça. A desaceleração industrial acena.  Enfim...

Acontece que tudo isso não é notícia de última hora! Todos já sabiam, ou ao menos deveriam saber, quando se debruçaram a escrever a LDO. Quando se permitiram devanear de maneira tão irresponsável. Aliás, um tipo de irresponsabilidade que foi requentado várias vezes ao longo dessa gestão pública e referendado pelos mesmos atores. Não é à toa que se chegou a esse resultado bizarro!

Portanto, a lição que fica dessa situação é a necessidade de um exercício cidadão mais consciente, mais atento. O filósofo grego Platão já dizia, “Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”. E esse é o ponto! Porque a alienação, a indiferença, não representam a solução de nada. Muito pelo contrário! Segundo José Saramago, “A sociedade tem de estar alarmada, que é a sua forma de estar viva” (Época, 2001). É a sua forma de não sucumbir aos desmandos, aos absurdos desumanos.  


1 Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805).