Afinal,
o Brasil pode ou não pode parar???
Por
Alessandra Leles Rocha
A primeira marca da contradição nacional
é dada pela ressignificação narrativa. Ainda fresca na memória de muitos
brasileiros e brasileiras está a frase proferida por autoridades e governantes:
O Brasil não pode parar! 1 Eram tempos
de incertezas, tensões e sofrimentos promovidos pela pandemia do Sars-Cov-2; mas,
as palavras ecoadas, em alto e bom som, destinavam-se a enaltecer a total
preocupação que existia com a economia brasileira.
Na verdade, bastava um mínimo de
atenção e leitura das entrelinhas para entender que o enunciado dessa frase era
de absoluta crueldade e perversidade. Que Brasil não podia parar, hein? Ali estava
marcado o país de milhões de trabalhadores formais e informais que dependem dos
seus esforços diários para sobreviver, para garantir o pão de cada dia.
Naquele momento, enquanto patrões,
empregadores e governantes contemporizavam e desqualificavam o risco de uma
pandemia causada por um agente viral desconhecido, o faziam sem se preocupar
com os riscos de contaminação e morte de uma gigantesca parcela da população
trabalhadora.
Ainda não havia quaisquer vacinas.
Nem remédios específicos para tratar ou curar a nova doença. A pandemia agia
como em uma roleta russa e a aglomeração era uma ameaça real para a manutenção
da circulação viral e de suas mutações e recrudescimento da doença. De modo que
essa resistência governamental e dos donos dos meios de produção nacionais, que
se impôs durante o processo pandêmico, acabou resultando na dolorosa cifra de mais
de 680 mil mortos pela COVID-19.
Portanto, milhares de brasileiros
morreram. Outros milhares ficaram com sequelas longas da doença e padecem as consequências
disso. Muitos se recusaram e atuaram
contra a vacinação, quando os imunizantes chegaram ao país e foram
disponibilizados. E a economia, mesmo diante dos apelos inflamados de que o
Brasil não podia parar, permaneceu estagnada no antes e depois da pandemia, com
resultados positivos flutuantes e inconsistentes frente, por exemplo, a um
retorno galopante da inflação.
Eis, então, que de repente a
turba da ultradireita nacional e seus matizes, a mesma que compunha o coro
quase uníssono em torno de “O Brasil não
pode parar”, foi para as rodovias e portas de quartéis contradizer-se em
nome de uma frustração antidemocrática infantiloide, sem pé e nem cabeça, em
razão do resultado do recente pleito eleitoral. Porém, não para por aí! Em
notícia publicada ontem em veículo de comunicação das Minas Gerais se descobre
que “Manifestantes convocam greve-geral
para 2ª e pedem adesão de empresários” 2.
Bem, que a ultradireita é aporofóbica,
misógina, racista, intolerante, simpatizante ao escravagismo etc.etc.etc., já
se sabia de fonte segura e comprovada por inúmeros episódios a respeito. Mas,
que o seu senso anticidadão e antipatriótico beirava as raias de rasgar
dinheiro e ver a economia e a imagem do país se desintegrar internacionalmente,
isso realmente surpreende! Então, é assim, quando lhes convêm o Brasil pode
parar? Quando são eles, no alto dos seus pseudopoderes, das suas poses e
circunstâncias, aí pode?
Aí pode falar bobagem, pode
defender o absurdo que for, pode agir de violência e atentar contra as leis,
pode desrespeitar as outras parcelas da população, ... Aí pode? Pode não. E não
digo isso, pensando em quaisquer manifestações justas e legítimas do restante
da população contra tamanho despautério. Digo, pensando na ótica deles mesmos,
que tomados por esse delírio non sense
estão incinerando as suas próprias pretensões político-partidárias para mais
adiante, com essa vergonha tamanho família.
Apelando para discursos e
narrativas totalmente desconectadas do mundo do século XXI, eles fazem lembrar
um texto da teledramaturgia recente, no qual uma família do século XIX fica
congelada após um naufrágio e depois é resgatada, vindo a ressuscitar nos dias atuais 3. O choque de realidades é inevitável! O
problema é que não estamos diante da ficção; mas, da pura realidade, de gente
disseminando, por exemplo, o terror do comunismo. Ah, faça-me o favor! Se a
insanidade tem limite, a ignorância também deveria ter!
Enquanto se distraem olhando para
o próprio umbigo, a Terra redonda continua girando e ansiando pelo encontro do
Brasil que ressurge das cinzas para ocupar seu lugar de direito no mundo
globalizado. Apesar dos desafios econômicos mundiais que já se desenham no
horizonte do próximo ano, os prognósticos de investimentos no campo
socioambiental sinalizam perspectivas alvissareiras para o país. E se a
Amazônia pode agradecer por isso, o que dirá o todo nacional!
Diante desse breve exposto fica
claro que não, não são os vencedores da eleição os que estão com os pés e a cabeça
fincados no passado, no obscurantismo. Não, não são os vencedores da eleição
que almejam por um país isolado, ensimesmado. Não, não são os vencedores da
eleição que desconhecem a capacidade benéfica da dialogia, da parceria, da
pluralidade de opiniões. Não, não são os vencedores da eleição que querem resguardar
o histórico de transitar na contramão do mundo. E muito menos, não são os
vencedores da eleição que são antidemocratas. Simplesmente, porque eles têm uma
outra compreensão sobre o significado de que “O Brasil não pode parar”.