sábado, 5 de novembro de 2022

Afinal, o Brasil pode ou não pode parar???


Afinal, o Brasil pode ou não pode parar???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A primeira marca da contradição nacional é dada pela ressignificação narrativa. Ainda fresca na memória de muitos brasileiros e brasileiras está a frase proferida por autoridades e governantes: O Brasil não pode parar! 1 Eram tempos de incertezas, tensões e sofrimentos promovidos pela pandemia do Sars-Cov-2; mas, as palavras ecoadas, em alto e bom som, destinavam-se a enaltecer a total preocupação que existia com a economia brasileira.

Na verdade, bastava um mínimo de atenção e leitura das entrelinhas para entender que o enunciado dessa frase era de absoluta crueldade e perversidade. Que Brasil não podia parar, hein? Ali estava marcado o país de milhões de trabalhadores formais e informais que dependem dos seus esforços diários para sobreviver, para garantir o pão de cada dia.

Naquele momento, enquanto patrões, empregadores e governantes contemporizavam e desqualificavam o risco de uma pandemia causada por um agente viral desconhecido, o faziam sem se preocupar com os riscos de contaminação e morte de uma gigantesca parcela da população trabalhadora.

Ainda não havia quaisquer vacinas. Nem remédios específicos para tratar ou curar a nova doença. A pandemia agia como em uma roleta russa e a aglomeração era uma ameaça real para a manutenção da circulação viral e de suas mutações e recrudescimento da doença. De modo que essa resistência governamental e dos donos dos meios de produção nacionais, que se impôs durante o processo pandêmico, acabou resultando na dolorosa cifra de mais de 680 mil mortos pela COVID-19.

Portanto, milhares de brasileiros morreram. Outros milhares ficaram com sequelas longas da doença e padecem as consequências disso.  Muitos se recusaram e atuaram contra a vacinação, quando os imunizantes chegaram ao país e foram disponibilizados. E a economia, mesmo diante dos apelos inflamados de que o Brasil não podia parar, permaneceu estagnada no antes e depois da pandemia, com resultados positivos flutuantes e inconsistentes frente, por exemplo, a um retorno galopante da inflação.

Eis, então, que de repente a turba da ultradireita nacional e seus matizes, a mesma que compunha o coro quase uníssono em torno de “O Brasil não pode parar”, foi para as rodovias e portas de quartéis contradizer-se em nome de uma frustração antidemocrática infantiloide, sem pé e nem cabeça, em razão do resultado do recente pleito eleitoral. Porém, não para por aí! Em notícia publicada ontem em veículo de comunicação das Minas Gerais se descobre que “Manifestantes convocam greve-geral para 2ª e pedem adesão de empresários” 2.  

Bem, que a ultradireita é aporofóbica, misógina, racista, intolerante, simpatizante ao escravagismo etc.etc.etc., já se sabia de fonte segura e comprovada por inúmeros episódios a respeito. Mas, que o seu senso anticidadão e antipatriótico beirava as raias de rasgar dinheiro e ver a economia e a imagem do país se desintegrar internacionalmente, isso realmente surpreende! Então, é assim, quando lhes convêm o Brasil pode parar? Quando são eles, no alto dos seus pseudopoderes, das suas poses e circunstâncias, aí pode?

Aí pode falar bobagem, pode defender o absurdo que for, pode agir de violência e atentar contra as leis, pode desrespeitar as outras parcelas da população, ... Aí pode? Pode não. E não digo isso, pensando em quaisquer manifestações justas e legítimas do restante da população contra tamanho despautério. Digo, pensando na ótica deles mesmos, que tomados por esse delírio non sense estão incinerando as suas próprias pretensões político-partidárias para mais adiante, com essa vergonha tamanho família.

Apelando para discursos e narrativas totalmente desconectadas do mundo do século XXI, eles fazem lembrar um texto da teledramaturgia recente, no qual uma família do século XIX fica congelada após um naufrágio e depois é resgatada, vindo a  ressuscitar nos dias atuais 3. O choque de realidades é inevitável! O problema é que não estamos diante da ficção; mas, da pura realidade, de gente disseminando, por exemplo, o terror do comunismo. Ah, faça-me o favor! Se a insanidade tem limite, a ignorância também deveria ter!

Enquanto se distraem olhando para o próprio umbigo, a Terra redonda continua girando e ansiando pelo encontro do Brasil que ressurge das cinzas para ocupar seu lugar de direito no mundo globalizado. Apesar dos desafios econômicos mundiais que já se desenham no horizonte do próximo ano, os prognósticos de investimentos no campo socioambiental sinalizam perspectivas alvissareiras para o país. E se a Amazônia pode agradecer por isso, o que dirá o todo nacional!

Diante desse breve exposto fica claro que não, não são os vencedores da eleição os que estão com os pés e a cabeça fincados no passado, no obscurantismo. Não, não são os vencedores da eleição que almejam por um país isolado, ensimesmado. Não, não são os vencedores da eleição que desconhecem a capacidade benéfica da dialogia, da parceria, da pluralidade de opiniões. Não, não são os vencedores da eleição que querem resguardar o histórico de transitar na contramão do mundo. E muito menos, não são os vencedores da eleição que são antidemocratas. Simplesmente, porque eles têm uma outra compreensão sobre o significado de que “O Brasil não pode parar”.