quarta-feira, 6 de julho de 2022

O Brasil quer ver o Brasil...


O Brasil quer ver o Brasil...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Venho me perguntando cada vez mais, o porquê do desconforto com as Fake News disseminadas amiúde por aí, se aqui, ali e acolá, tanta gente se ocupa em trabalhar na dissonância entre a prática e o discurso, no próprio cotidiano.

Pois é, não são raros os episódios em que pessoas e instituições tecem discursos e narrativas na mais completa contramão de suas ações, ou seja, o que se fala não se escreve. Ora, ora. Mas, isso é sim, um jeito enviesado de mentir, de dissimular, de mascarar, as próprias crenças, valores e princípios para demonstrar, muitas vezes, uma civilidade que nunca existiu, que não faz parte daquela identidade.  

Já ouvi muitos ataques a respeito do “politicamente correto” e sempre me espanto com a dimensão da distorção ignorante a esse respeito. As pessoas precisam entender que, à revelia das suas vontades e quereres, o mundo desde a sua criação nunca parou de girar e de se transformar dentro das mais diferentes formas e conteúdos.

E é justamente esse movimento contínuo que nos permite romper paradigmas, desconstruir ideias equivocadas, aprimorar análises e entendimentos a respeito dos mais diferentes assuntos, lapidar o nosso senso evolutivo enquanto espécie. Então, aquilo que se proclama como “politicamente correto” é nada mais nada menos do que esse processo de coexistir e conviver dentro de parâmetros que se renovaram a fim de evitar beligerâncias, conflitos, violências, totalmente, desnecessárias.

Essa visão nos permite, portanto, estabelecer uma relação de alteridade, ou seja, de perceber a existência do outro que é diferente de mim, de me colocar no seu lugar, de buscar compreender suas angústias e sofrimentos, de reconhecer sua cultura, de manifestar meu profundo respeito a sua dignidade. Porém, entre a teoria e a prática, nesse contexto, ainda resiste uma lacuna enorme, dada a uma infinidade de obstáculos ideológicos que foram manipulados, a tal ponto, que se tornaram agregados ao inconsciente coletivo.

De modo que esse é o ponto de reflexão que precisamos discutir. Em nome desse “politicamente correto”, que a sociedade não conversa adequadamente a respeito, mas cobra com uma fúria descomunal, as relações humanas acabam se tornando falsas, caricatas, desajustadas, disformes, construindo um véu de invisibilização para a verdade que habita em cada um.

Aliás, chega a ser intrigante esse fenômeno, em tempos nos quais as pessoas hasteiam alto a bandeira da liberdade. Afinal, esse processo de contenção das ideias, das expressões, das manifestações, dos sentimentos, para seguir um protocolo social idealizado, um novo manual de etiqueta, contraria o ser livre que tanto se defende por aí.

Transitamos, então, em um mundo que não podemos cravar com exatidão o que pensam, o que querem, o que acreditam, o que desejam, de fato, os seres humanos. Como se todos estivéssemos sendo vigiados e qualquer eventual erro nos custaria uma punição social. Cancelamento. Banimento. Exclusão. Enfim... E, no mais profundo da alma, nenhum ser humano quer ser preterido, marginalizado, esquecido, o que acaba conduzindo-o ao caminho dessa alienação.

Então, me choca profundamente, quando eu percebo o mundo que me rodeia como um imenso mar de propagandas enganosas, de hipocrisias travestidas por desculpas que dizem nada para coisa nenhuma. Principalmente, quando tudo isso me chega através dos veículos de comunicação e de informação. Sinto, como se tivessem abdicado do seu compromisso ético e moral com as informações, os fatos, a vida em si.

Aí, fico me questionando como conseguem falar sobre inclusão, racismo, diversidade, violência, intolerância, ... se na dinâmica da apresentação dos seus conteúdos tudo isso está longe de ser uma realidade?  A filósofa Djamila Ribeiro tem uma citação que se encaixa perfeitamente a esse respeito que é “O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir”. E quando eu dedico atenção aos veículos de comunicação e de informação eu vejo que o mundo, como ele é, não existe.

Não me interessa se a nossa identidade nacional foi marcada historicamente pelo colonialismo escravocrata, eurocêntrico, branco etc.etc.etc. Já houve tempo suficiente para se perceber o atraso que essas ideias representam e reformular a nossa imagem a partir de uma outra perspectiva. A representatividade social não é simplesmente permitir que a diversidade e a pluralidade social e cultural ocupem espaços predeterminados na sociedade. Não. É preciso que ela exista efetivamente. Isso significa que ela possa ser, estar e exercer a sua cidadania sem obstáculos de quaisquer naturezas.

Reparar os equívocos, os absurdos, os crimes históricos que permeiam a trajetória brasileira não é um ato de bondade ou de caridade. É uma obrigação ética, moral, política, social, porque a ciência já provou que só existe uma raça, a humana. Quaisquer que sejam os fenótipos ou características adquiridas com o tempo, nenhum deles nos constitui menos humanos, inferiores ou incapazes para sermos lançados às obscuridades sociais. Não há perfil humano certo ou errado. Só há perfil humano. No esplendor da sua expressão, da sua capacidade, do seu talento, da sua competência.

Considerando que, em pleno século XXI, cada celular representa uma fonte de comunicação e de informação, os veículos tradicionais – TV, rádio, revistas, jornais - não podem se dar ao luxo de criar um padrão idealizado de país para apresentar ao seu público.

A diversidade e a pluralidade social têm ganho cada vez mais vez e voz pela força gigantesca empenhada pelos movimentos das minorias. Historicamente excluídas, a realidade das Tecnologias da Informação e comunicação (TICs) lhes permitiu o protagonismo necessário para colocar suas demandas no centro das discussões.

O Brasil finalmente vem mostrando, então, a sua cara. Negro. Indígena. Miscigenado. Imigrante. Mulher. LGBTQIA+. Idoso. Sem teto. Morador de comunidade. Portador de deficiência.  Nas lives. No YouTube. No TikTok. No Instagram. A toda hora em todo lugar. Por todos os motivos que se façam, de alguma forma, necessários.

Assim, ele vem rompendo as amarras do estereótipo branco europeu. E é esse o conjunto humano que move o país. Que permite o seu avanço, ainda que lenta e gradualmente, na medida em que as resistências ideológico-comportamentais teimam em persistir.

Portanto, os veículos de comunicação e informação não podem se fiar na ideia de que lhes basta operar com novas tecnologias, enquanto mantêm firmes e fortes os velhos padrões roteirizados de suas grades de produtos.

É preciso entender que o Brasil quer ver o Brasil. O Brasil quer dialogar com o Brasil. O Brasil precisa respeitar o Brasil. O Brasil precisa lutar contra todos os preconceitos, intolerâncias, violências e discriminações que o Brasil sofre diariamente. Sendo assim, o Brasil só vai ter progresso e desenvolvimento quando aprender a ser Brasil.