O
Brasil quer ver o Brasil...
Por
Alessandra Leles Rocha
Venho me perguntando cada vez
mais, o porquê do desconforto com as Fake
News disseminadas amiúde por aí, se aqui, ali e acolá, tanta gente se ocupa
em trabalhar na dissonância entre a prática e o discurso, no próprio cotidiano.
Pois é, não são raros os episódios
em que pessoas e instituições tecem discursos e narrativas na mais completa
contramão de suas ações, ou seja, o que se fala não se escreve. Ora, ora. Mas,
isso é sim, um jeito enviesado de mentir, de dissimular, de mascarar, as próprias
crenças, valores e princípios para demonstrar, muitas vezes, uma civilidade que
nunca existiu, que não faz parte daquela identidade.
Já ouvi muitos ataques a respeito
do “politicamente correto” e sempre
me espanto com a dimensão da distorção ignorante a esse respeito. As pessoas
precisam entender que, à revelia das suas vontades e quereres, o mundo desde a
sua criação nunca parou de girar e de se transformar dentro das mais diferentes
formas e conteúdos.
E é justamente esse movimento contínuo
que nos permite romper paradigmas, desconstruir ideias equivocadas, aprimorar análises
e entendimentos a respeito dos mais diferentes assuntos, lapidar o nosso senso
evolutivo enquanto espécie. Então, aquilo que se proclama como “politicamente correto” é nada mais nada
menos do que esse processo de coexistir e conviver dentro de parâmetros que se
renovaram a fim de evitar beligerâncias, conflitos, violências, totalmente, desnecessárias.
Essa visão nos permite, portanto,
estabelecer uma relação de alteridade, ou seja, de perceber a existência do
outro que é diferente de mim, de me colocar no seu lugar, de buscar compreender
suas angústias e sofrimentos, de reconhecer sua cultura, de manifestar meu
profundo respeito a sua dignidade. Porém, entre a teoria e a prática, nesse
contexto, ainda resiste uma lacuna enorme, dada a uma infinidade de obstáculos ideológicos
que foram manipulados, a tal ponto, que se tornaram agregados ao inconsciente
coletivo.
De modo que esse é o ponto de
reflexão que precisamos discutir. Em nome desse “politicamente correto”, que a sociedade não conversa adequadamente
a respeito, mas cobra com uma fúria descomunal, as relações humanas acabam se
tornando falsas, caricatas, desajustadas, disformes, construindo um véu de
invisibilização para a verdade que habita em cada um.
Aliás, chega a ser intrigante
esse fenômeno, em tempos nos quais as pessoas hasteiam alto a bandeira da liberdade.
Afinal, esse processo de contenção das ideias, das expressões, das
manifestações, dos sentimentos, para seguir um protocolo social idealizado, um
novo manual de etiqueta, contraria o ser livre que tanto se defende por aí.
Transitamos, então, em um mundo
que não podemos cravar com exatidão o que pensam, o que querem, o que acreditam,
o que desejam, de fato, os seres humanos. Como se todos estivéssemos sendo
vigiados e qualquer eventual erro nos custaria uma punição social. Cancelamento.
Banimento. Exclusão. Enfim... E, no mais profundo da alma, nenhum ser humano
quer ser preterido, marginalizado, esquecido, o que acaba conduzindo-o ao
caminho dessa alienação.
Então, me choca profundamente,
quando eu percebo o mundo que me rodeia como um imenso mar de propagandas
enganosas, de hipocrisias travestidas por desculpas que dizem nada para coisa
nenhuma. Principalmente, quando tudo isso me chega através dos veículos de
comunicação e de informação. Sinto, como se tivessem abdicado do seu
compromisso ético e moral com as informações, os fatos, a vida em si.
Aí, fico me questionando como
conseguem falar sobre inclusão, racismo, diversidade, violência, intolerância,
... se na dinâmica da apresentação dos seus conteúdos tudo isso está longe de
ser uma realidade? A filósofa Djamila
Ribeiro tem uma citação que se encaixa perfeitamente a esse respeito que é “O falar não se restringe ao ato de emitir
palavras, mas de poder existir”. E quando eu dedico atenção aos veículos de
comunicação e de informação eu vejo que o mundo, como ele é, não existe.
Não me interessa se a nossa
identidade nacional foi marcada historicamente pelo colonialismo escravocrata, eurocêntrico,
branco etc.etc.etc. Já houve tempo suficiente para se perceber o atraso que
essas ideias representam e reformular a nossa imagem a partir de uma outra
perspectiva. A representatividade social não é simplesmente permitir que a
diversidade e a pluralidade social e cultural ocupem espaços predeterminados na
sociedade. Não. É preciso que ela exista efetivamente. Isso significa que ela possa
ser, estar e exercer a sua cidadania sem obstáculos de quaisquer naturezas.
Reparar os equívocos, os
absurdos, os crimes históricos que permeiam a trajetória brasileira não é um
ato de bondade ou de caridade. É uma obrigação ética, moral, política, social, porque
a ciência já provou que só existe uma raça, a humana. Quaisquer que sejam os fenótipos
ou características adquiridas com o tempo, nenhum deles nos constitui menos humanos,
inferiores ou incapazes para sermos lançados às obscuridades sociais. Não há perfil
humano certo ou errado. Só há perfil humano. No esplendor da sua expressão, da
sua capacidade, do seu talento, da sua competência.
Considerando que, em pleno século
XXI, cada celular representa uma fonte de comunicação e de informação, os veículos
tradicionais – TV, rádio, revistas, jornais - não podem se dar ao luxo de criar
um padrão idealizado de país para apresentar ao seu público.
A diversidade e a pluralidade social
têm ganho cada vez mais vez e voz pela força gigantesca empenhada pelos
movimentos das minorias. Historicamente excluídas, a realidade das Tecnologias
da Informação e comunicação (TICs) lhes permitiu o protagonismo necessário para
colocar suas demandas no centro das discussões.
O Brasil finalmente vem mostrando,
então, a sua cara. Negro. Indígena. Miscigenado. Imigrante. Mulher. LGBTQIA+.
Idoso. Sem teto. Morador de comunidade. Portador de deficiência. Nas lives. No YouTube. No TikTok. No Instagram.
A toda hora em todo lugar. Por todos os motivos que se façam, de alguma forma,
necessários.
Assim, ele vem rompendo as
amarras do estereótipo branco europeu. E é esse o conjunto humano que move o
país. Que permite o seu avanço, ainda que lenta e gradualmente, na medida em
que as resistências ideológico-comportamentais teimam em persistir.
Portanto, os veículos de
comunicação e informação não podem se fiar na ideia de que lhes basta operar
com novas tecnologias, enquanto mantêm firmes e fortes os velhos padrões roteirizados
de suas grades de produtos.
É preciso entender que o Brasil quer ver o Brasil. O Brasil quer dialogar com o Brasil. O Brasil precisa respeitar o Brasil. O Brasil precisa lutar contra todos os preconceitos, intolerâncias, violências e discriminações que o Brasil sofre diariamente. Sendo assim, o Brasil só vai ter progresso e desenvolvimento quando aprender a ser Brasil.