quarta-feira, 6 de julho de 2022

A inversão de valores contemporânea. Lições para refletir e aprender!


A inversão de valores contemporânea. Lições para refletir e aprender!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A inversão de valores é uma marca triste da contemporaneidade; mas, não é um privilégio exclusivo do Brasil. Desde ontem, os veículos de comunicação e informação trazem notícias de mais um escândalo envolvendo o atual governo britânico.

Desta vez com baixas importantes no staff, posto que 5 dos 23 ministros do governo entregaram seus cargos depois que vieram à tona denúncias de assédio a um ex-secretário, as quais não impediram que ele fosse empregado pelo Premier britânico 1.   

Mais do que a notícia em si, o que vale é tecer uma reflexão sobre como a humanidade, e com destaque especial para o Brasil, tem lidado com recorrentes episódios de desvirtuamento ético e moral.

E aí, nesse ponto, é que a naturalização, a banalização ou a trivialização constituem um traço nocivo e extremamente perigoso para a convivência e coexistência coletiva.

Afinal, esses comportamentos criam uma aura de permissividade que vai lentamente corroendo os princípios doutrinários incumbidos de expressar os limites e as fronteiras sociais.

Apesar de estarmos em pleno século XXI, certas regras ainda vigoram. Não por mera questão conservadora e burocrática; mas, porque sem elas não há equilíbrio, nem desenvolvimento, nem progresso, nem nada.

Basta ver, por exemplo, que a existência humana é revestida de limites para onde se olhe. Limites esqueléticos. Limites musculares. Limites digestórios. Limites de temperatura e pressão. ...  

De modo que no campo social, coletivo, se cada um acreditar que pode fazer o que quiser, quando quiser, onde quiser, fazendo prevalecer a todo custo a sua (pseudo)liberdade, estaremos em brevíssimo tempo instituindo o mais completo caos.

Ora, ora. Havemos de entender que somos livres para decidir, para escolher, para nos posicionar; mas, ao mesmo tempo, essa “liberdade” é sujeita às ingerências do mundo. Liberdade não é algo absoluto. Liberdade é uma condição extremamente relativizada pela dinâmica das conjunturas.

De modo que, vez por outra, ela se depara com os limites a fim de evitar eventuais consequências e desdobramentos fatídicos. Por mais que o individualismo contemporâneo tenda a fazer parecer que só existe cada um de nós no mundo, apagando a figura, a presença do outro. E já sabemos bem que não somos ilhas!

Na verdade, somos mais de 7,8 bilhões de seres humanos no planeta. E dentro desse contexto, coletivamente diverso e plural, precisamos encontrar um denominador comum capaz de lidar com certos episódios sabidamente transgressores ao bom senso, ao respeito, a ética, a moral e a tudo mais que esteja envolvido na tecitura harmônica e pacífica das relações sociais.

Não dá, simplesmente, para fechar os olhos e fingir que nada aconteceu, que não foi bem assim, que é coisa à toa, que amanhã tudo estará esquecido. Sobretudo, quando se trata de governança, de gestão, seja ela pública ou privada.

Cada nicho social contempla além dos protocolos sociais básicos, outros específicos e fundamentais para o seu próprio bom andamento. E todos que estão ali imersos, efetiva ou temporariamente, passam a conhecê-los e a segui-los, pelo menos em tese.

Pois, tratam-se de práxis consagradas, experimentadas, avaliadas e reavaliadas, que já provaram o seu valor e a sua importância para a manutenção do fluxo de resultados positivos e da consolidação de patamares de desenvolvimento. Embora, estejam sempre abertas para ajustes e aprimoramentos a fim de manterem-se conectadas à evolução da própria dinâmica social.

Entretanto, isso não significa que haja um espaço para qualquer um chegar e começar a agir segundo vozes da própria cabeça. Não é assim que funciona! Eventuais mudanças e transformações demandam discussões coletivas, pontos de vista diversos, para que se chegue a um senso comum minimamente sujeito a erros, equívocos ou fracassos.

Não é da noite para o dia! Não é porque eu quero, ou você quer, ou o outro quer! É sempre depois de muito diálogo, muita capacidade analítica, muito equilíbrio, para se pesar os prós e os contras, para reconhecer as prioridades e não prioridades, enfim...

Aliás, sob esse aspecto, emerge novamente a reflexão sobre aptidões, talentos, habilidades e competências. Quando se trata de grupos de trabalho é preciso considerar esses aspectos, mas não apenas da perspectiva prática; mas, também subjetiva.

A escolha dos participantes não pode se dar meramente por afinidades pessoais, trocas de favores ou satisfação de interesses. Porque no campo da vida profissional as exigências são muitas e os coletivos precisam se ajustar segundo os objetivos do trabalho a serem alcançados.

Por isso, quando alguém destoa, alguém sai fora dos limites, alguém se desvirtua das obrigações e das responsabilidades, se torna algo tão sério! Não só, porque gera um mal-estar entre os demais participantes do grupo, que estão envolvidos por inteiro na busca pelo êxito do trabalho e se veem humilhados ou desmerecidos pelo fato lamentável; mas, pela imagem refletida ao público externo, fragilizando a credibilidade daquele governo, ou daquela instituição, ou daquele serviço.

Afinal, a liberdade não pode ser usada como prerrogativa para desconstrução dos pilares que equilibram e sustentam quaisquer sociedades.   

Não é à toa, que no episódio citado no início, eu comentei ter havido uma debandada de ministros do governo Britânico. Cientes do seu papel, do seu compromisso institucional, das responsabilidades profissionais e cidadã, eles se posicionaram publicamente, no sentido de rechaçar quaisquer atos impróprios e constrangedores ocorridos no governo.

Como vimos, eles não deixaram para amanhã, para depois ou para uma ocasião mais oportuna (quem sabe!). Lidaram, como tinham a responsabilidade de lidar, com um fato de tamanha gravidade. Porque qualquer poder malcuidado, mal gerido, malconduzido, acaba rapidamente carcomido e insustentável, prejudicando a todos que estão sob suas asas, sem a menor distinção ou cerimônia.