Coisas
do Brasil...
Por
Alessandra Leles Rocha
Em um país de profundas
desigualdades que fragmentam os próprios estratos sociais constituindo abismos dentro
deles, não é de se espantar que a política tenha se tornado profissão. Aliás, a
mais rentável e alvissareira profissão nacional. Entre salários, regalias e privilégios,
os representantes do povo vivem uma realidade encapsulada que destoa por
completo do mundo em que vivem os demais pobres mortais.
Não é à toa, então, que esse
movimento vem agregando representantes dos mais diversos setores da sociedade. Eclesiástico.
Segurança Pública. Forças Armadas. Saúde. Educação. Transporte. ... Afinal de
contas, não é só o fascínio econômico que hipnotiza os indivíduos; mas, o
dinheiro atrelado ao poder, que é capaz de lhes conferir uma cascata de outros pequenos
poderes.
Haja vista o modo como se portam depois
de eleitos, diante de seus deveres constitucionais, colocando de lado as
demandas e as mazelas reais para dar asas aos devaneios inconsequentes de suas próprias
ambições. Ora, isso cria um regime de atuação demasiadamente flexibilizado em
todas as suas formas e conteúdos.
Simplesmente, porque não sendo a
política uma profissão; mas, um cargo representativo de um país, a formalização
comum a qualquer trabalho se perde na percepção dos cidadãos. De modo que muitos
deles se enxergam como seus próprios patrões, sem a obrigação de prestar contas
a respeito de suas funções, em razão do poder que, pelo menos em tese, o
exercício político lhes confere.
De repente, eles adquirem um
status de distinção social que, não raras às vezes, mais parece um passe livre
para fazer o que quiser, quando quiser, onde quiser. Ainda que incida sobre
todo e qualquer cidadão o manto da ordem jurídica e constitucional, isso também
não lhes parece um mecanismo inibidor ou de contenção aos arroubos, porque
contam com o foro especial por prerrogativa de função, o comumente conhecido “foro privilegiado”.
Pois é, sem se dar conta, o país
ao longo dos séculos gestou um desvirtuamento brutal do exercício político. Estabeleceu
uma realidade paralela cheia de poderes para governar o seu cotidiano real;
mas, totalmente inapta a dialogar, a buscar soluções, a resolver as demandas. A
política nacional se enviesa tanto por um excesso de idealização que impossibilita
ser eficiente e produtiva.
Acontece que, além de todos esses
senões, ela custa caro ao país. Aliás, custa caríssimo! Não só do ponto de
vista dos salários, dos penduricalhos, das aposentadorias, dos benefícios etc.
oferecidos aos seus representantes públicos.
Mas, particularmente, das negligências,
das irresponsabilidades, dos oportunismos, dos descasos, com os recursos
públicos que eles manejam e que são advindos do suor massacrante dos esforços de
uma imensa maioria populacional.
Gente que paga um absurdo de
taxas, impostos e tributos para não usufruir dos resultados do seu investimento
no país. Que não vê a vida melhorar sob nenhum aspecto (ao contrário!). Que se
depara todo dia com o desemprego, a fome, a miséria, a inflação, o custo dos
transportes, a carestia, a insuficiência habitacional, a falta de remédios, a desassistência
médico-hospitalar, a precariedade na educação, a insegurança, ... Que muitas
vezes, quando ainda é possível, paga duas, três vezes, para ter direito aos
seus direitos sociais básicos pela via privada.
Vamos e convenhamos, nas atuais conjunturas
do Brasil, ser “político profissional”
não há nada mais atraente! Afinal, colocando em um ranking de atividades
profissionais que consiga oferecer uma vida, nos moldes do que se entenda por
bem-sucedida na contemporaneidade, nenhuma consegue ultrapassar a política.
Sobretudo, porque ela permite que
muitos compatibilizem sua vida pública com outros exercícios profissionais,
constituindo uma teia de recursos financeiros ainda mais expressiva, além de
distender os braços dos seus (pseudo)poderes. Algo que praticamente nenhum outro cidadão
consegue com tamanha facilidade!
O triste é saber que tudo isso já
está tão incrustado, tão absorvido pelo inconsciente coletivo, tão
trivializado, que as pessoas não se incomodam, ou se constrangem, com essa
realidade deplorável.
Ao invés de rechaçar esse comportamento
indecoroso, essa prática demasiadamente abusiva, elas passam a considerar a hipótese
de participar desse movimento, de tentar ingressar na vida pública
representativa do país, como meio mais “simples”
para resolver os problemas e dilemas da própria vida.
É interessante como muitos têm, inclusive,
o desplante de emitir críticas e comentários agressivos contra aqueles que
tentam a ascensão social pela via da fama, da exposição midiática, do futebol,
das passarelas; mas, se abstêm de fazê-los em relação à política. Como se houvesse
uma aura de respeito, de reverência, que a blindasse mesmo frente a tamanho desvirtuamento
de função.
E assim, uma imensa maioria da
população brasileira deposita seu voto como quem dá um cheque em branco para o
outro e depois lamenta, cheio de choramingos, quando se depara com o rombo na
conta. Trata-se de uma displicência, uma credulidade, uma ingenuidade, de dar
pena!
Que não passa de uma ambição
contida que, de repente, explode pelas promessas vãs presentes numa atmosfera fantástica
de discursos e narrativas, as quais acenam com o imediatismo de soluções instantâneas,
como se isso fosse mesmo possível!
Ora, ora, fazer da política
profissão tem dessas coisas! Por isso ela é um dos sustentáculos mais
importantes do fisiologismo nacional, porque essa prática impede o fluxo das
ideias, a renovação da representatividade, enquanto fortalece os poderes objetivos
e subjetivos nas mãos de grupos dominantes. É só uma pitada de “mais do mesmo”!
O resultado desse imbróglio é que
a política profissional criou a figura do monarca absolutista contemporâneo. Alguém
que se coloca, portanto, em uma posição de superioridade, com plenos poderes
para decidir e emitir ordens segundo sua própria vontade, sem precisar dar
satisfação a nenhum órgão dos Poderes, muito menos, ao povo.
No entanto, se você ainda não
percebeu ou preferiu não perceber, não temos um, temos vários desses “monarcas” circulando por aí. O que faz do país uma verdadeira Babel, incompreensível
e distante de quaisquer pretensões de desenvolvimento e de progresso evolutivo.
Afinal de contas, no fundo eles são como muitos vetores na mesma direção, mas
em sentidos opostos, de modo que acabam se anulando na mais completa inação.