terça-feira, 5 de julho de 2022

Coisas do Brasil...


Coisas do Brasil...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Em um país de profundas desigualdades que fragmentam os próprios estratos sociais constituindo abismos dentro deles, não é de se espantar que a política tenha se tornado profissão. Aliás, a mais rentável e alvissareira profissão nacional. Entre salários, regalias e privilégios, os representantes do povo vivem uma realidade encapsulada que destoa por completo do mundo em que vivem os demais pobres mortais.

Não é à toa, então, que esse movimento vem agregando representantes dos mais diversos setores da sociedade. Eclesiástico. Segurança Pública. Forças Armadas. Saúde. Educação. Transporte. ... Afinal de contas, não é só o fascínio econômico que hipnotiza os indivíduos; mas, o dinheiro atrelado ao poder, que é capaz de lhes conferir uma cascata de outros pequenos poderes.

Haja vista o modo como se portam depois de eleitos, diante de seus deveres constitucionais, colocando de lado as demandas e as mazelas reais para dar asas aos devaneios inconsequentes de suas próprias ambições. Ora, isso cria um regime de atuação demasiadamente flexibilizado em todas as suas formas e conteúdos.

Simplesmente, porque não sendo a política uma profissão; mas, um cargo representativo de um país, a formalização comum a qualquer trabalho se perde na percepção dos cidadãos. De modo que muitos deles se enxergam como seus próprios patrões, sem a obrigação de prestar contas a respeito de suas funções, em razão do poder que, pelo menos em tese, o exercício político lhes confere.

De repente, eles adquirem um status de distinção social que, não raras às vezes, mais parece um passe livre para fazer o que quiser, quando quiser, onde quiser. Ainda que incida sobre todo e qualquer cidadão o manto da ordem jurídica e constitucional, isso também não lhes parece um mecanismo inibidor ou de contenção aos arroubos, porque contam com o foro especial por prerrogativa de função, o comumente conhecido “foro privilegiado”.  

Pois é, sem se dar conta, o país ao longo dos séculos gestou um desvirtuamento brutal do exercício político. Estabeleceu uma realidade paralela cheia de poderes para governar o seu cotidiano real; mas, totalmente inapta a dialogar, a buscar soluções, a resolver as demandas. A política nacional se enviesa tanto por um excesso de idealização que impossibilita ser eficiente e produtiva.

Acontece que, além de todos esses senões, ela custa caro ao país. Aliás, custa caríssimo! Não só do ponto de vista dos salários, dos penduricalhos, das aposentadorias, dos benefícios etc. oferecidos aos seus representantes públicos.

Mas, particularmente, das negligências, das irresponsabilidades, dos oportunismos, dos descasos, com os recursos públicos que eles manejam e que são advindos do suor massacrante dos esforços de uma imensa maioria populacional.

Gente que paga um absurdo de taxas, impostos e tributos para não usufruir dos resultados do seu investimento no país. Que não vê a vida melhorar sob nenhum aspecto (ao contrário!). Que se depara todo dia com o desemprego, a fome, a miséria, a inflação, o custo dos transportes, a carestia, a insuficiência habitacional, a falta de remédios, a desassistência médico-hospitalar, a precariedade na educação, a insegurança, ... Que muitas vezes, quando ainda é possível, paga duas, três vezes, para ter direito aos seus direitos sociais básicos pela via privada.  

Vamos e convenhamos, nas atuais conjunturas do Brasil, ser “político profissional” não há nada mais atraente! Afinal, colocando em um ranking de atividades profissionais que consiga oferecer uma vida, nos moldes do que se entenda por bem-sucedida na contemporaneidade, nenhuma consegue ultrapassar a política.

Sobretudo, porque ela permite que muitos compatibilizem sua vida pública com outros exercícios profissionais, constituindo uma teia de recursos financeiros ainda mais expressiva, além de distender os braços dos seus (pseudo)poderes.  Algo que praticamente nenhum outro cidadão consegue com tamanha facilidade!

O triste é saber que tudo isso já está tão incrustado, tão absorvido pelo inconsciente coletivo, tão trivializado, que as pessoas não se incomodam, ou se constrangem, com essa realidade deplorável.

Ao invés de rechaçar esse comportamento indecoroso, essa prática demasiadamente abusiva, elas passam a considerar a hipótese de participar desse movimento, de tentar ingressar na vida pública representativa do país, como meio mais “simples” para resolver os problemas e dilemas da própria vida.

É interessante como muitos têm, inclusive, o desplante de emitir críticas e comentários agressivos contra aqueles que tentam a ascensão social pela via da fama, da exposição midiática, do futebol, das passarelas; mas, se abstêm de fazê-los em relação à política. Como se houvesse uma aura de respeito, de reverência, que a blindasse mesmo frente a tamanho desvirtuamento de função.  

E assim, uma imensa maioria da população brasileira deposita seu voto como quem dá um cheque em branco para o outro e depois lamenta, cheio de choramingos, quando se depara com o rombo na conta. Trata-se de uma displicência, uma credulidade, uma ingenuidade, de dar pena!

Que não passa de uma ambição contida que, de repente, explode pelas promessas vãs presentes numa atmosfera fantástica de discursos e narrativas, as quais acenam com o imediatismo de soluções instantâneas, como se isso fosse mesmo possível!

Ora, ora, fazer da política profissão tem dessas coisas! Por isso ela é um dos sustentáculos mais importantes do fisiologismo nacional, porque essa prática impede o fluxo das ideias, a renovação da representatividade, enquanto fortalece os poderes objetivos e subjetivos nas mãos de grupos dominantes. É só uma pitada de “mais do mesmo”!

O resultado desse imbróglio é que a política profissional criou a figura do monarca absolutista contemporâneo. Alguém que se coloca, portanto, em uma posição de superioridade, com plenos poderes para decidir e emitir ordens segundo sua própria vontade, sem precisar dar satisfação a nenhum órgão dos Poderes, muito menos, ao povo.

No entanto, se você ainda não percebeu ou preferiu não perceber, não temos um, temos vários desses “monarcas” circulando por aí.  O que faz do país uma verdadeira Babel, incompreensível e distante de quaisquer pretensões de desenvolvimento e de progresso evolutivo. Afinal de contas, no fundo eles são como muitos vetores na mesma direção, mas em sentidos opostos, de modo que acabam se anulando na mais completa inação.