Da
vergonha se fez a piada
Por
Alessandra Leles Rocha
O recente e lamentável episódio
envolvendo os presidentes do Brasil e de Portugal 1,
me fez automaticamente recordar uma citação de Ana Jacinta de São José (D.
Beja), em um dos inúmeros casos de desdenho e ofensa à que foi submetida por
certas senhoras, no século XIX. Depois de receber uma bandeja com estrume, de
uma desafeta, D. Beja incumbiu-se de colher as mais belas rosas de seu jardim e
enviar à remetente com um bilhete, dizendo “Na
vida cada um dá o que tem”.
Infelizmente, esse tipo de
situação ultrapassa as fronteiras da descortesia, do inapropriado, da deselegância,
para desnudar valores historicamente impregnados na sociedade, começando pela
crença de que o poder capital compra tudo. Tanto não compra, que se passam os
séculos e a essência dos acontecimentos persiste. Afinal, o ser humano não constitui
a sua identidade a partir do dinheiro que dispõe, ou não dispõe, nessa vida.
O que será de qualquer corpo que
nasce pequenino e indefeso é sempre uma surpresa. A história é pródiga em
mostrar os dois lados da moeda. Gente que nasceu bilionária e viu o dinheiro se
perder no vento, ficando na mais profunda miséria. Gente que nasceu sem um
palmo para cair morto e, de repente, ficou trilhardário. É só prestar atenção!
Mas, o x da questão não está necessariamente em ter o dinheiro; mas, em saber o
que fazer com ele.
Aliás, nesse sentido, não me
refiro aqui a simplesmente mal empregá-lo, ou desperdiçá-lo, ou lançá-lo aos
abismos da imprevidência e da irresponsabilidade. Mas, não aplicá-lo em favor de
seus talentos, aptidões, habilidades, competências, as quais constituem-se de
um processo agregador de informações inatas do indivíduo com tudo aquilo que
ele vive e experimenta no seu cotidiano. Porque é desse movimento que
efetivamente ele poderá desfrutar de algum poder capital.
Ter ou não dinheiro é, então,
relativo. O que nos distingue no mundo é o que somos não o que temos materialmente.
E para certas profissões, isso é pré-requisito básico! Traquejo, desenvoltura,
capacidade dialógica, simpatia, elegância, refinamento, ... uma série de
qualidades e características que podem ser resumidas na expressão francesa “savoir faire” (saber como). Sim, porque
é preciso saber como se locar dentro das conjunturas que aquela determinada
profissão lhe impõe.
E a política, caro (a) leitor
(a), é um exemplo clássico! Tanto que nela alguns elementos se destacam e
outros não. Afinal, nem todos foram agraciados pela vida com tamanha aptidão para
aplicar conhecimentos, usando talento e habilidade, na demonstração de uma
ideia, de um pensamento. No Brasil, particularmente, o exercício da política se
perdeu no desvirtuamento completo do seu significado. Todos querem. Todos acham
que podem. Há uma banalização, uma distorção, que acaba constrangendo e
prejudicando o próprio país.
Não há qualquer pudor nas pessoas
para que elas admitam a si mesmas que não estão preparadas para a política, que
não dispõem dos atributos necessários para tal. Tudo em razão da política
brasileira ter se transformado, ao longo dos séculos, em politicagem, ou seja,
uma prática que se estabelece a partir de interesses pessoais, de troca de
favores, de realizações insignificantes. Então, esse cenário cria uma consciência
de que qualquer um pode ser político, não precisa ter talentos, aptidões, habilidades
ou competências, basta estar disponível a aceitar as “regras do jogo”.
Por isso, às vezes, eu paro e
fico observando a indignação popular, a fúria de alguns diante de certos
episódios (não que seja sem motivo); mas, quando se trata da política, nos campos
democráticos, ela se dá pela escolha popular. Então, me parece estranho que
todos os senões, de repente, emergidos em torno dos escolhidos, não tenham sido
devidamente observados pelos eleitores desde o início.
Entenda, ninguém muda da noite
para o dia! Já havia algo de podre, de estranho, de suspeito, desde sempre,
porque nenhum ser humano consegue manter a personagem o tempo inteiro. Atos falhos
sempre acontecem! Admita, você foi negligente. Você foi crédulo. Você optou por
não considerar os fatos, por criar sua própria verdade. Acontece que “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é
prisioneiro das consequências” (Pablo
Neruda).
O mais intrigante nessa história
toda, no meu ponto de vista, é que apesar de todas as dificuldades socioeconômicas
do país, as pessoas ainda conservam um certo cuidado sob alguns aspectos do
cotidiano, que não se repete com a escolha política. Por exemplo, elas buscam os
serviços de saúde institucionalizados, mesmo com toda a demora e insuficiência,
ao invés de pessoas não qualificadas. Mas, quando o assunto é política, elas parecem
sair pela tangente do desconhecimento, de uma ignorância (in) voluntária, e
deixam rolar sem pensar nas consequências.
E assim, como era para ser, a
desfaçatez, as vergonhas, os constrangimentos, os oportunismos, se avolumam. O que
em tempos de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), nos alça voos para
o apogeu da piada global, com a mais completa perda de credibilidade e de importância
nas relações internacionais. Mas, muita atenção! Se o país perde, sua população
perde ainda mais. Perde investimentos e divisas. Perde postos de trabalho. Perde
avanço científico e tecnológico. Perde desenvolvimento. Perde Educação. Perde
Saúde. Perde Cultura. Perde... Porque se permitiu perder a própria dignidade.