Como não
lembrar do Tio Patinhas?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Pensei que
grande parte da população brasileira já tivesse entendido que as classes
dominantes não são dadas a rasgar ou jogar dinheiro fora. De um jeito ou de
outro, elas sempre buscam caminhos para manter sua balança econômica sempre
favorável, ainda que não sejam lá, práxis muitas vezes ortodoxas.
Mas, por quê
falar a respeito? Acontece que nos últimos dias, sinais emitidos do núcleo
governamental vigente dão a entender que uma aura de desordem e violência pode
recobrir o país caso o resultado das eleições não seja o que eles esperam 1.
O medo. Sempre o medo. Essa é a estratégia mais rota que conheço para tentar
alienar o cidadão.
No entanto,
eleições e governos não se sustentam por mera força do sufrágio, no Brasil. Em
bom português, a verdade é que as mãos que balançam esse berço esplêndido são
exatamente das classes dominantes. Banqueiros. Industriais. Latifundiários.
Empresários. Enfim, gente que não fica nada feliz em perder um centavo sequer
pelo mau humor dos mercados e dos governos.
Portanto,
instabilidades sociais são irmãs siamesas das instabilidades econômicas, o que
em suma, significa dinheiro voando pela janela. E não há Tio Patinhas que
se preze que goste de assistir a uma cena assim. O que significa que esse
palavrório non sense deve estar enervando e irritando muita
gente endinheirada por aí, fazendo minguar quaisquer menções de apoio nesse
sentido.
Talvez, em
outros tempos, minhas palavras soariam um otimismo, uma ingenuidade, quase
pueril. Mas, sinceramente, as conjunturas que configuram o cenário atual me
fornecem elementos de credibilidade para propor essa reflexão. Afinal, a
economia global anda arisca e deixando sinais bem claros de instabilidade,
especialmente, graças aos índices de inflação e constante elevação de juros,
que já atormentam grandes potências.
De modo que
nossos endinheirados não estão conseguindo ter paz para moverem as peças de
seus tabuleiros. É instabilidade aqui, ali e acolá. Não há porto seguro firmado
no horizonte dos próximos anos, dizem os especialistas no assunto 2.
As cicatrizes da Pandemia e da Guerra na Ucrânia, podem não parecer, mas juntas
representam uma ferida cujo processo de recuperação tende a ser, de fato, muito
lento e gradual.
Prenúncios,
então, de que o cenário exige segurar o capital com unhas e dentes para não
perder uma notinha, uma moedinha sequer. Não é hora de colocar o lastro de um
patrimônio em risco, não é mesmo? Aliás, porque quem produz a riqueza das
classes dominantes já vem sendo, simultaneamente, afetado com
severidade pela crise socioeconômica; sobretudo, no que diz respeito ao
achatamento da renda e o declínio vertiginoso do poder de compra.
Os bons
tempos da produção em larga escala, dos depósitos abarrotados de produtos, dos
caminhões cortando as estradas em múltiplos roteiros para satisfazer as
demandas de consumo, não existem mais, pelo menos nesse momento. Não adianta
xingar, esbravejar, o ritmo da Economia mundial desacelerou ao longo desses
últimos três anos, pelo impacto do imponderável, do insólito. Uma nova ordem de
prioridades e de demandas emergiu e alterou o panorama socioeconômico global.
Então, esse
aspecto pode ser considerado como a ponta de um iceberg que já
flutua naturalmente nas águas do poder. Estou falando da ausência natural de
unanimidade com a qual todos os seres humanos convivem, inclusive e
sobremaneira, os governantes. Em qualquer roda, ninguém é 100%. Aliás, nesse
sentido, recorrer a história é sempre importante, porque areja o pensamento e
descortina perspectivas novas ou, ao menos, desconsideradas até então.
Um bom
exemplo, no caso brasileiro, foi o levante armado, em 1935, popularmente
conhecido como Intentona Comunista, que não logrou êxito como esperava sua
principal liderança, Luís Carlos Prestes. Cientes de que teriam 100% do apoio
das forças armadas na época e da classe trabalhadora, eles descobriram da pior
forma que essa adesão unânime nunca existiu. O movimento foi, simplesmente,
derrotado pelo governo getulista. Prestes foi preso e sua esposa Olga Benário,
de origem judaica, apesar de grávida foi enviada ao governo nazista
alemão.
Tudo bem,
que eram outros tempos. Não havia as Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs). As notícias transitavam lenta e precariamente. Mas, o ponto em questão
não é esse. Temos que aceitar o fato de que a unanimidade é uma variável que
foge ao nosso controle. Especialmente, quando as experiências sociais marcam os
indivíduos pela força democrática da possibilidade de opinião diversa,
plural.
Daí a
necessidade de pesar os prós e os contras antes de exacerbar as certezas,
frágeis e inconsistentes, que só existem na cabeça de uns e outros. As
conjunturas têm muitos lados e todos eles precisam ser analisados com critério
e propriedade. Considerando que o dinheiro ainda é a mola propulsora do mundo,
e anda cada vez mais escasso para avolumar as riquezas das classes dominantes,
estas não têm outra escolha a não ser a cautela, a previdência, o bom senso.
Tensões,
conflitos, beligerâncias nunca tiveram prazo de validade, nunca acenaram com
convicção o seu fim. Portanto, apostar nessa viagem é arriscado demais. Nada
consome mais recursos do que esses movimentos. Nada atrapalha mais o
desenvolvimento socioeconômico do que eles. Nada fragiliza mais a imagem e a
credibilidade de um país do que eles. Pois, enquanto estão entretidos na
desordem não têm como honrar seus compromissos de mercado, as suas produções,
os seus investimentos, ... nada, absolutamente, nada.
Assim, não se esqueça de que a síntese dos recentes acontecimentos no país pode ser expressa da seguinte forma: “Dentro de cada um há o seu escuro. E nesse escuro só mora quem lá inventamos. Somos nós quem enchemos o escuro com os nossos medos” (Mia Couto). Permitir-se enovelar pelos medos plantados por outros é uma escolha, uma decisão de abrir os olhos ou não, de refletir antes de temer ou não. Afinal, como disse o cineasta norte-americano Stanley Kubrick, “Por mais vasta que seja a escuridão, cabe a nós obter a luz”.
1 https://www.uol.com.br/eleicoes/2022/06/30/flavio-bolsonaro-reacao-apoiadores-eleicoes-culpa-tse.htm
2 https://www.worldbank.org/pt/publication/global-economic-prospects