segunda-feira, 20 de junho de 2022

Precisamos falar sobre isso...


Precisamos falar sobre isso...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Já passou da hora de o brasileiro entender que o aparelhamento do Estado reflete todas as más intenções que sustentam o acobertamento da ineficiência e demais “mal feitos” que se possa realizar.  Trata-se da legitimação das aparências, do fingir que faz alguma coisa, quando, na verdade, não é nada disso.

Como diz o provérbio, “Cada macaco no seu galho”. Por mais que se tenha boa vontade e interesse em realizar, determinadas funções demandam competência e habilidade técnica específica para lograr êxito nos resultados. Colocar alguém só para fazer figuração, não adianta!

O pior que essa antiga práxis se institucionalizou de tal forma que acaba passando despercebida pela população, como se tivesse adquirido um status de normalidade, o qual jamais deveria existir.

Porque isso é demasiadamente constrangedor para um país que escancara as suas fragilidades no mercado de trabalho, começando pelas cifras astronômicas do desemprego.

Ora, nem todos os desempregados e desalentados nesse país são necessariamente desqualificados profissionalmente. Não. Tem muita gente, por aí, com habilitações diversas e até mesmo, cursos de Pós-Graduação, correndo atrás de uma oportunidade. No entanto, para dar vazão ao empreguismo do aparelhamento estatal, eles acabam preteridos e à margem do mercado.

Infelizmente, até mesmo a ferramenta dos concursos para seleção de funcionários, entra na roda da suspeição. Quantos não foram os editais impugnados. As provas canceladas de última hora, sem quaisquer respeito aos candidatos. As taxas não devolvidas. Os resultados questionáveis. Os recursos indeferidos sem quaisquer cerimônias. Enfim...

Por isso, é triste que haja tamanha inconsciência e anticidadania no país. Tanto em relação aos que “normalizaram” essa situação, quanto aos que se sujeitam protagonizar esse aparelhamento. Porque tudo isso reflete o nosso ranço colonial. A prática do empreguismo veio desse recorte da história.

Apelando para a vaidade humana, ou para uma eventual necessidade financeira, o indivíduo se rendia, de bom grado, à oferta de um cargo público. E para tal, se sujeitava a qualquer salário.

Mas, geralmente, tratava-se de um cargo de chefia para que fosse possível lustrar-lhe o ego; mas, também, imputar-lhe o cabresto da obediência e da subserviência em relação àquele que se lembrou do seu nome para indicação.

E os exemplos começam nos altos escalões da República, quando os interesses políticos priorizam a escolha de Ministros, Secretários, Assessores, Conselheiros, ...

A grande maioria dessas pessoas simplesmente caem de paraquedas dentro das engrenagens burocráticas nacionais. Elas não têm a menor ideia por onde começar seu trabalho e, por isso, seguem os ditames dos interesses de quem os indicou.

Hoje, depois de desvendadas as relações promíscuas que se estabelecem entre o público e o privado no país, a práxis não se faz mais restrita aos meandros governamentais.

O empreguismo alçou voos dentro do mercado de trabalho; embora, não tenha perdido sua essência e valores tradicionais. O que em suma continua não refletindo qualquer qualidade na prestação dos serviços.

Por isso, quando o cidadão reclama, e quase sempre com muita razão, da má qualidade do atendimento, um dos componentes que se destaca é justamente o fato de que pessoas estão ali no exercício de funções para as quais não poderiam estar.

E como elas têm consciência disso, o mecanismo que encontram para se blindar é a apropriação de um comportamento arrogante e repleto de pseudopoderes.

Algo que fica claramente visível na recorrente postergação dos serviços, das respostas, das soluções. Na medida em que eles não estão aptos para cumprir as suas obrigações, o modo que encontram é buscar servidores que possam de fato resolver.

É justamente aí, que a teia da morosidade das atividades laborais começa a ser tecida, porque passa a existir uma sobrecarga de trabalho para certos servidores.

Não é raro que, vez por outra, certos setores apresentem insuficiência de funcionários. As imposições advindas do aparelhamento acabam adoecendo e afastando o trabalhador pela excessiva demanda. O que gera vários ônus para o próprio empregador; sobretudo, a paralisia funcional em diversas áreas.

Acontece que esse processo resulta diretamente em um gigantesco obstáculo para o desenvolvimento do país. O aparelhamento contribui para a baixa competitividade do mercado nacional, porque perde-se na agilidade, na qualidade, na eficiência. Em muitos setores, apesar de haver um excesso de funcionários, isso não se reflete em uma melhor capacidade produtiva.

E a conta disso quem paga é o próprio cidadão! A conivência com as distorções éticas e morais presentes no país, desde a sua gênese, custa caro. Justificá-las como “jeitinho brasileiro”, como parte da identidade nacional, não contribui em nada! Muito pelo contrário. Permanecemos patinando no nosso possível desenvolvimento, no nosso protagonismo no cenário mundial.

Portanto, mais do que nunca essa reflexão é oportuna. Estamos em ano eleitoral. Estamos em ano de escolha, não apenas de pessoas, de representes; mas, de práxis, de projetos, de valores, que objetivem o desenvolvimento e o realinhamento do país no campo internacional. O aparelhamento é uma solução imediatista que só repercute o atraso nacional, nada mais.

Além de ser constrangedor, triste, lamentável, alarmante, desolador. Mas, precisamos urgentemente falar sobre isso. O trabalho deve estar a serviço do país e das instituições, não de governos ou pessoas.

Afinal, o aparelhamento com o seu empreguismo faz transpirar a corrupção, o descaso profundo com a nação, a ruptura com a lisura, com a responsabilidade. Como se o Brasil só pudesse ser assim, enviesado, maculado, deteriorado, incapaz de permitir qualquer vislumbre de decência, de dignidade e de cidadania.


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